JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Não cabe ao contribuinte provar que não sonegou

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  • é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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22 de agosto de 2011, 10h58

Spacca
Os contribuintes querem justiça tributária. Isso implica em muitas coisas, aqui já descritas: carga tributária que não nos transforme em escravos, burocracia em seu limite mínimo e uma razoável segurança jurídica, com regras estáveis.

Tudo isso não é muita coisa, pois que se trata apenas de dar cumprimento às normas constitucionais em vigor. Ao que parece as autoridades fazendárias preferem ler a portaria, a resolução, a instrução normativa, ou qualquer desses atos que diariamente o burocrata de plantão cria sem saber direito para quê, mas que sempre servem para viabilizar uma multa ou quem sabe algum tipo de solução onde a dificuldade que se criou possa ser vendida como uma facilidade de bom preço.

E quando alguém reclama de ter de ir à repartição para tentar corrigir asneira feita pelo fisco, anuncia-se que agora as repartições atendem com hora marcada, mediante senhas previamente agendadas e em ambientes confortáveis. Mas tudo isso é besteira.

Pouco adianta uma senha emitida eletronicamente, cadeiras onde se pode esperar sentado assistindo alguma coisa na televisão ou mesmo água e café à disposição. O contribuinte não procura a repartição para tomar água e café ou ver televisão. O que ele quer é solução para seu problema, principalmente quando o problema foi criado pela idiotice fazendária. Repartição fiscal não é parque de diversões mas não precisa ser o vestíbulo do inferno.

Recentemente, um assalariado, executivo de uma grande empresa, que viaja a trabalho com muita frequência, foi surpreendido com uma notificação onde praticamente todas as suas deduções foram desconsideradas, com o que a restituição que lhe deveria ter sido paga há dois anos foi cancelada e exigido o recolhimento de quase um terço de todos os seus rendimentos.

Surpreso, dirigiu-se à repartição , lá sendo informado que lhe fora enviado pelo correio um pedido de explicações sobre as deduções e como ele não compareceu para fornecer as provas das deduções, todas elas foram desconsideradas.

Dentre as tais deduções, havia a pensão alimentícia que o empregador há vários anos retem por ordem judicial e deposita na conta da ex-mulher do executivo. Saliente-se que o empregador é empresa conhecidíssima em todo o país, uma das maiores do seu ramo. Bastaria que o servidor consultasse pelo tal “sistema” os registros da empresa e constaria a legitimidade da retenção.

O contribuinte tentou explicar ao servidor que não recebera a intimação anterior, que se alega enviada pelo correio, pois estava viajando a trabalho. Ouviu incrédulo que sempre que viaja o contribuinte deve deixar alguém encarregado de receber a correspondência do fisco!

Eis aí, finalmente, a prisão domiciliar do contribuinte, que não pode viajar nem a trabalho, pois corre o risco de receber intimação! Isso é tão ridículo que não merece comentários. Ao rejeitar praticamente todas as deduções, o fisco está mentindo, pois bastaria consultar os exercícios anteriores do contribuinte e as informações prestadas pela fonte pagadora para constatar a veracidade do que foi declarado.

Há de prevalecer no caso o princípio da verdade material. O Decreto 1.171 de 22/06/1994 que trata do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, ordena que:

“VIII – Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.”

Por outro lado, a Constituição Federal, em seu artigo 37, ordena:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

Outrossim, se toda pessoa tem direito à verdade e o servidor não pode omiti-la ou falseá-la, é inadmissível que despesas dedutíveis sejam “glosadas” apenas ante a alegação de intimação não atendida. O contribuinte não tem a obrigação de permanecer à disposição do fisco no aguardo de eventual intimação. Deve atendê-la, sim, mas dentro dos limites do razoável. Acima dessas formalidades estão os princípios constitucionais já citados.

Não cabe ao contribuinte provar que não sonegou. Cabe ao Fisco provar a suposta sonegação ou dedução indevida. A prova não será a falta do contribuinte ao dia e hora marcados para sua presença na repartição. Deve o fisco diligenciar para apurar a verdade. E atualmente isso é facílimo, bastando o uso da informática. Cabe ao fisco provar, não ao contribuinte.

Nesse sentido é a doutrina. HUGO DE BRITO MACHADO, referência mundial em Direito Tributário, publicou inúmeros livros, dentre os quais “Mandado de Segurança em Matéria Tributária” (Ed. Dialética, S.Paulo, 2003) em cuja página 272 dá-nos preciosa lição:

“O desconhecimento da teoria da prova, ou a ideologia autoritária, tem levado alguns a afirmarem que no processo administrativo fiscal o ônus da prova é do contribuinte. Isso não é, nem poderia ser correto em um estado de Direito democrático. O ônus da prova no processo administrativo fiscal é regulado pelos princípios fundamentais da teoria da prova, expressos, aliás, pelo Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis ao processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal para apuração e exigência do crédito tributário, ou procedimento administrativo de lançamento tributário, autor é o Fisco. A ele, portanto, incumbe o ônus de provar a ocorrência do fato gerador.” (Grifo da recorrente).

Não parece razoável um procedimento fiscal onde se possa afastar todas as deduções ou abatimentos, simplesmente porque em determinado dia o contribuinte não compareceu para dar explicações. O contribuinte não é empregado ou escravo do fiscal. Este deve, pelo menos, atender a explicação e aplicar o princípio da justiça tributária ao caso concreto. Lançar o tributo mesmo sabendo que a dedução é correta, é crime de excesso de exação. O fisco não precisa e nem pode cometer cometer crimes.

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