Diretrizes constitucionais

Sigilo do orçamento da Copa não ofende princípios

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21 de agosto de 2011, 8h00

O Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para obras da Copa do Mundo de 2014 (previsto no Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória 527/2011) vem sendo muito discutido por gerar uma grande controvérsia na seara política e jurídica. O cerne da polêmica é o que vem sendo chamado de “sigilo do orçamento da Copa”, que seria um sigilo temporário quanto ao valor de referência das licitações (estimativa do orçamento do objeto do certame).

Entre os defensores da medida está o Coordenador Jurídico de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Fabiano de Figueirêdo Araujo, para ele “metodologias similares de postergação da publicidade de determinadas fases licitatórias já são aplicáveis à saciedade em certames ocorridos em nosso país e, o mais importante, gozam de prestígio por órgãos de controle, a exemplo do TCU”.

Destaque-se que o sigilo seria temporário, uma vez que seria mantido somente até o encerramento da licitação, além disso, o mesmo não existiria perante os órgãos de controle interno e externo, ou seja, órgãos como Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União teriam pleno acesso ao valor de referencia da licitação.

Dessa forma, a restrição ao acesso à estimativa de preço teria como destinatários os licitantes, para que os mesmos elaborassem suas propostas com base somente em seus próprios referenciais. A justificativa para a adoção da medida é exatamente a busca por preços menores nas propostas dos licitantes.

O Regime Diferenciado de Contratações tem seu campo de aplicação delimitado no artigo 1º, incisos I e II do Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória 527/2011, sendo aplicado em licitações e contratos referentes aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, bem como à Copa das Confederações FIFA 2013 e Copa do Mundo FIFA 2014 “restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Quanto ao objeto, o artigo 5º do Projeto de Lei em tela determina que: Artigo 5º O objeto da licitação deverá ser definido de forma clara e precisa no instrumento convocatório, vedadas especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias.

Percebe-se uma preocupação em se delimitar o objeto da licitação de maneira a evitar que especificações possam ser usadas para direcionar o edital para um único licitante ou grupo de licitantes. Em casos de fraudes em licitações é comum se encontrar editais com especificações excessivas, de maneira que somente uma empresa específica seria capaz de atender a tais requisitos.

O chamado “sigilo do orçamento da Copa” está previsto no artigo 6º do Projeto de Lei, senão vejamos: Artigo 6º O orçamento previamente estimado para a contratação será fornecido somente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas. Parágrafo 1º, Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório. Parágrafo 2º, no caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório. Parágrafo 3º Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estritamente a órgãos de controle interno e externo.

Note-se que o sigilo é temporário, sendo mantido durante toda a licitação e tendo fim juntamente com o seu encerramento. Importante destacar também que os órgãos de controle teriam pleno acesso ao valor de referência da licitação.

O sigilo, em tese, não traria prejuízo aos licitantes, uma vez que todas as especificações do objeto da licitação estariam previstas no edital, de maneira que a omissão do valor de referência não impede que o licitante busque no mercado os preços praticados usualmente e elabore sua proposta a partir de seus próprios parâmetros.

O princípio da publicidade está positivado na Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, na Lei 8.666/93, em seu artigo 3º e em diversas outras leis e atos normativos de forma direta ou indireta, sendo considerado um dos princípios basilares do Direito Administrativo brasileiro.

No entanto, não se pode deixar de destacar que no estudo do Direito é comum a existência de exceções aos princípios, há quem diga que “a maior regra é que toda regra tem sua exceção”. Pois bem, o princípio da publicidade também sofre derrogações em alguns casos, sempre quando o interesse público assim o exigir.

Uma das maiores exceções ao princípio da publicidade pode ser encontrada na própria Lei de Licitações, em seu artigo 43, parágrafo 1º, é o chamado “princípio do sigilo das propostas”. Nesse caso, o sigilo se justifica pelo interesse público, se os licitantes tivessem acesso às propostas que antecederam à sua antes da abertura dos envelopes em ato público estariam diante de informação privilegiada, o que levaria à especulação e inviabilizaria a lisura do certame.

Assim, não há como negar que o princípio da publicidade poderá sofrer limitações sempre que for necessário para o andamento do procedimento licitatório e para o interesse público. Seguindo essa linha de raciocínio, entendemos que não há inconstitucionalidade, nem afronta ao princípio da publicidade, no sigilo previsto no Regime Diferenciado de Contratações. A existência do sigilo tem uma justifica plausível, que é a busca por propostas com valores menores, uma tentativa de se evitar especulações entre licitantes. Vale destacar que o próprio Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória 527/2011 traz entre os seus princípios norteadores o da publicidade, em seu artigo 3º.

Por fim, conclui-se que não há ofensa ao princípio da publicidade no projeto do Regime Diferenciado de Contratações, pois existe uma justificativa para a adoção do sigilo do valor de referência da licitação. Importante reforçar que o sigilo seria temporário e não aplicável aos órgãos de controle.

Dessa forma, sob o ponto de vista jurídico, entendemos que o RDC seria constitucional. No entanto, não há como prever se, na prática, a adoção do sigilo seria benéfica ou não para o erário, teoricamente a busca por propostas (apresentadas pelos licitantes) mais favoráveis à Administração Pública justificaria a medida. Por outro lado, não há como negar que existiria o risco de fraude com o favorecimento de licitantes através do fornecimento das informações sigilosas.

Para que se possa chegar a uma conclusão sobre a viabilidade do RDC é necessário que se faça uma avaliação dos resultados práticos da implantação do sistema. Assim, é imperioso que nossos representantes no Legislativo analisem com extrema cautela o Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória 527/2011, considerando seus riscos e as possíveis vantagens.

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