Patrimônio indisponível

Bens do motorista do Porsche continuarão bloqueados

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18 de agosto de 2011, 11h48

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido do engenheiro Marcelo Malvio Alvez de Lima, o motorista do Porsche que atingiu o carro da advogada Carolina Menezes Cintra Santos. O acidente ocorreu no dia 9 de julho e a vítima morreu no local. A defesa pretendia o desbloqueio dos bens do engenheiro. A decisão, em caráter liminar, é do desembargador Melo Bueno, da 35ª Câmara de Direito Privado. O mérito do recurso (Agravo de Instrumento) ainda será apreciado pela turma julgadora, acrescida de mais dois desembargadores.

Em julho, a juíza Margot Chrysostomo Correa, da 5ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros, atendeu pedido dos pais e irmãos de Carolina e decretou o bloqueio dos bens do engenheiro. De acordo com o despacho da juíza, a medida tinha como objetivo garantir a satisfação de futuro crédito a ser pago no caso do acusado ser condenado a indenizar a família da vítima.

De acordo com a juíza, as testemunhas foram unânimes em afirmar que o réu, no momento em que recobrou os sentidos, perfeitamente ciente da colisão, não se preocupou em momento algum com as consequencias de seus atos no que diz respeito à vida de Carolina. "Preocupou-se apenas com o seu patrimônio", afirmou a juíza no decreto de bloqueio de patrimônio.

"A conduta irresponsável e egocêntrica (sim porque imprimir cerca de 150 km por hora em um veículo na via pública de uma cidade como São Paulo só pode nos levar a crer que ele, o réu, desconhece que a rua é um local público, que pertence a todos e não somente a ele) certamente será repetida no que se refere a real possibilidade de dissipação ou ocultação de seu patrimônio afim de não suportar eventual condenação e danos morais", afirmou a juíza.

De acordo com a magistrada, por conta da repercussão do caso junto à sociedade "o réu deverá ser responsabilizado com todo o rigor para que sirva de exemplo aos demais motoristas irresponsáveis e que tiram vidas precocemente no nosso trânsito".

Segundo a juíza, o fundado receio de dano, por sua vez, se caracteriza pela presença de elementos concretos que permitam antever grande dificuldade em obter a satisfação de eventual crédito a ser possivelmente reconhecido na ação de conhecimento, seja em relação à situação financeira da parte devedora, seja em decorrência da prática de atos que indiquem intuito de dissipar bens penhoráveis, frustrando a expectativa das vítimas.

O desembargador Melo Bueno concordou com a decisão de primeiro grau. Em despacho cautelar afirmou que não havia requisitos para a suspensão do bloqueio de bens. Para o desembargador, a juíza Margot acertou na liminar que tornou indisponível provisoriamente os bens do acusado de responsabilidade no acidente que causou a morte da advogada.

O acidente ocorreu no bairro do Itaim Bibi, na zona sul da capital, quando o Porsche do engenheiro se chocou com a Tucson de Carolina, que ultrapassou o sinal vermelho. Marcelo Malvio não foi submetido ao teste do bafômetro, mas testemunhas disseram que ele aparentava estar alcoolizado. Marcelo pagou fiança e foi solto.

No despacho, a juíza da 5ª Vara Cível justifica que Marcelo Malvio "atua no mercado financeiro e lida com fundos de investimentos criados no exterior". Ainda de acordo com a magistrada, esse fato indica que o engenheiro é "conhecedor dos mecanismos utilizados para a ocultação de recursos".

Sobre a justificativa da juíza de que o engenheiro Lima trabalha no mercado financeiro e tem conhecimento sobre mecanismos de ocultação de recursos, o advogado Antonio Carlos Muniz disse que as colocações "atentam contra a verdade".

Leia a liminar do desembargador Melo Bueno:

Vistos. Não se vislumbra, desde logo, os requisitos autorizadores à concessão da liminar para a suspensão do ato impugnado, tendo em vista que, exame superficial da pretensão, não justifica a sua concessão. E, o deferimento da tutela antecipada deverá ser devidamente apreciado após o contraditório regularmente instaurado no processo, considerando que a digna magistrada de primeiro grau bem justificou a indisponibilidade provisória dos bens do agravante, com vistas a garantir a execução de ação indenizatória pelo grave acidente em que se envolveu. Processe-se, pois, no efeito devolutivo. Vista aos agravados para a resposta, devendo, o agravante, comprovar o cumprimento do art. 526 do CPC. Após, solicitem-se informações à digna magistrada de primeiro grau. Int.

São Paulo, 15 de agosto de 2011.
Melo Bueno
Relator 

Leia a decisão da juíza Margot Chrysostomo:

Vistos. Trata-se de pedido de indisponibilidade dos bens de Marcelo Malvio Alves de Lima formulado por Eduardo Cintra Santos e outros. Consta nos autos que no dia 10 de julho de 2011, por volta das 3h00min, Carolina Menezes Cintra Santosretornava para sua residência na direção de seu veículo, um Hyndai Tucson quando, parou diante do semáforo vermelho situado em um cruzamento da rua Tabapuã. Por estar desacompanhada e por conhecer os riscos que diariamente são enfrentados por motoristas na madrugada, após tomar as medidas de praxe, adentrou ao cruzamento. Contudo, sem que houvesse a menor chance para que ela esboçasse qualquer reação, acabou por ser atingida violentamente por um veículo Porche 911, turbo, placa FEE-9001, conduzido pelo réu que estava em altíssima velocidade estimada em 150 km por hora. Note-se que a velocidade máxima permitida no local é de 60 km por hora. A vítima Carolina faleceu ainda no local do acidente.

A presente medida visa a garantir a satisfação de futuro crédito a ser obtido em ação de danos morais que será ajuizada, oportunamente pelos autores, pais e irmãos da vítima. Aduzem que o fumus boni iure está devidamente caracterizado pela responsabilidade do réu pelo acidente e o periculum in mora, de outra parte, está representado pelo risco de dissipação patrimonial na medida em que os documentos que acompanham a presente medida demonstram que o réu é pessoa com instabilidade patrimonial além do que é sócio de empresas que atuam no mercado financeiro e que lidam com fundos de investimentos criados no exterior razão pela qual é conhecedor dos mecanismos utilizados para a ocultação de recursos. Juntaram os documentos de fls.99.

É o relatório. Decido.

O pedido cautelar é procedente. Isto porque, para situações excepcionais, as medidas a serem adotadas também deverão, de igual forma, ser excepcionais. No caso dos autos o réu, na condução de seu veículo, acabou por causar um acidente de grande monta. Em razão deste acidente, Carolina Menezes Cintra Santos faleceu ainda no local. O fato é público e notório, noticiado pela mídia em todo país. Há fortíssimos indícios de que ele, o condutor do veículo Porsche, imprimia em seu veículo velocidade altíssima, cerca de 150 km por hora. Estes indícios estão presentes nos depoimentos prestados a fls. 27/33 por testemunhas presencias e desinteressadas e pelas impressionantes fotografias acostadas a fls. 35/38 que demonstram a violência do impacto, consequência única da velocidade alcançada pelo réu no momento do embate. Portanto, o fumus boni iure está perfeitamente caracterizado. O periculum in mora, de outra parte, resta caracterizado em primeiro lugar pela personalidade do réu, pessoa que demonstrou pouca ou nenhuma responsabilidade na condução de seu veículo assim como sua extrema preocupação com o patrimônio.

Todas as testemunhas foram uníssonas em afirmar que o réu, no momento em que recobrou os sentidos, perfeitamente ciente da colisão, não se preocupou em momento algum com as consequencias de seus atos no que toca a vida de terceiros.Preocupou-se apenas com o seu patrimônio. A conduta irresponsável e egocêntrica (sim porque imprimir cerca de 150 km por hora em um veículo na via pública de uma cidade como São Paulo só pode nos levar a crer que ele, o réu, desconhece que a rua é um local público, que pertence a todos e não somente a ele) certamente será repetida no que se refere a real possibilidade de dissipação ou ocultação de seu patrimônio afim de não suportar eventual condenação e danos morais.

Mas não é só. O documento de fls. 77 comprova que o veículo Porsche 911 não está registrado em seu nome. Já os documentos de fls. 47/48 comprovam ser ele sócio de várias sociedades com objetos sociais distintos o que comprova, como bem observado pelo patrono dos autores, certa desorganização e instabilidade financeira. Por fim, dada a relevância do caso em apreço, não em relação somente a consequência – que foi gravíssima mas sabemos que todos os dias pessoas são vítimas fatais de acidentes de trânsito em razão da imprudências, negligencia e dolo eventual ou direto dos motoristas – mas também em razão da repercussão do caso junto a nossa sociedade, penso que o réu deverá ser responsabilizado com todo o rigor para que sirva de exemplo aos demais motoristas irresponsáveis e que tiram vidas precocemente no nosso trânsito e, levando-se em linha de conta que os pressupostos da responsabilidade civil – a conduta ilícita do agente, a configuração do dano e a demonstração do nexo de causalidade entre o ato culposo e a conseqüência danosa – estão suficentemente comprovados, penso que o pedido é procedente. O processo cautelar tem por objetivo assegurar a utilidade do feito principal, servindo de instrumento para tutelar a efetividade do direito material, a fim de que o provimento jurisdicional, no plano fático, não caia no vazio. O cidadão que provoca o Poder Judiciário para compor uma lide não intenta obter um mero reconhecimento de seu direito, mas, que advenha efetiva solução para o conflito, ultrapassando a esfera formal para adentrar no plano material.

A decretação de indisponibilidade de bens é cabível no exercício do poder geral de cautela sobre o qual dispõe o art. 798 do CPC, como forma de resguardar a pretensão dos autores de ação de indenização, no caso de procedência do pedido. Presente a verossimilhança das alegações que se configura pela presença de indícios que tornem plausível a existência do dever de indenizar. O fundado receio de dano, por sua vez, se caracteriza pela presença de elementos concretos que permitam antever grande dificuldade em obter a satisfação de eventual crédito a ser possivelmente reconhecido na ação de conhecimento, seja em relação à situação financeira da parte devedora, seja em decorrência da prática de atos que indiquem intuito de dissipar bens penhoráveis, frustrando a expectativa das vítimas. O impedimento deve se limitar à impossibilidade de alienar o bem, sem que com isso os autores obtenham a satisfação imediata do seu direito, ficando a medida adstrita ao necessário para salvaguardar a utilidade do provimento final, mesmo que somente venha a ser implementado por completo na fase executiva do feito. A determinação não tem o condão, portanto, de transferir para o demandante o exercício das demais prerrogativas inerentes ao direito de propriedade, sob pena de se desnaturar o provimento cautelar que se caracteriza pela provisoriedade e instrumentalidade. Nada impedirá, por outro lado, que eventuais excessos, devidamente demonstrados e comprovados, venham a ser corrigidos no decorrer da presente causa.

Nesse sentido a jurisprudência: "MEDIDA CAUTELAR – INDISPONIBILIDADE DE BENS – GARANTIA – INDENIZAÇÃO – ATO ILÍCITO. – O receio de dano apto a ensejar o deferimento da cautelar, conforme exige o art. 798, do CPC, deve ser fundado, pelo que deve ser analisado em cima de fatos objetivamente glosados, sempre dentro de um juízo de probabilidade, na medida em que a tutela acautelatória não visa salvaguardar temores subjetivos da parte, ainda que remotamente possíveis de ocorrer, pois o fato remotamente possível de acontecer não tem força bastante para justificar restrições ao livre exercício de direitos de quem quer que seja. Restando julgados procedentes os pedidos indenizatórios e estando ausente a efetiva comprovação de existência de outros bens a garantir o cumprimento da decisão proferida, se justifica a concessão de medida liminar tornando indisponíveis os bens encontrados. (TAMG – Apelação Cível nº 448.022-8 (Em conexão com a Apelação Cível n. 460.922-7) – 4a Câmara Civil – Rel. Juiz Nilo Nívio Lacerda – j. 03.11.2004) "Agravo De Instrumento. Ação ordinária para devolução de valor indevido, cumulada com indenizacão por danos morais. Medida cautelar de decretação de indisponibilidade de bens. Possibilidade. Havendo a verossimilhança das alegações e o perigo da demora, é possível a decretação de indisponibilidade de bem do réu até o trânsito em julgado da sentença a ser proferida, como forma de prevenir o pagamento de valores devidos no caso de procedência da ação. Agravo Desprovido."(Agravo de Instrumento Nº 70003491149, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo De Andrade Xavier, Julgado Em 27/02/2002) Diante do exposto, CONCEDO A LIMINAR E O FAÇO PARA DECRETAR A INDISPONIBILIDADE PROVISÓRIA DE TODOS OS BENS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO DE MARCELO MALVIO ALVES DE LIMA. expeça-se, com urgência, os ofícios solicitados a fls. 16 comunicando-se o teor desta decisão procedendo-se, inclusive, ordem de bloqueio neste sentido via Bacenjud. requisite-se as tres últimas declarações de renda do réu, via infojud. Cumpridas as determinações, cite-se o réu com as cautelas e advertências de praxe.

Cumpra-se com URGÊNCIA Intime-se. Cite-se. 

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