Além da cientificação

Em flagrante, juiz precisa dar vista dos autos ao MP

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

17 de agosto de 2011, 10h08

Questão interessante surgida quando da publicação da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, é se, por ocasião do recebimento do auto de prisão em flagrante, o juiz deverá dar vista dos autos ao Ministério Público ou apenas cientificá-lo de sua decisão.

Analisando gramaticalmente o artigo 310 do Código de Processo Penal pareceria que o juiz não está obrigado a abrir vista dos autos ao Ministério Público antes de decidir, por ausência de previsão legal.

Realmente, o dispositivo, com a sua nova redação, nada diz sobre ser necessária a anterior manifestação do Ministério Público, limitando-se a determinar que o Juiz, fundamentadamente, decida se relaxa a prisão ilegal; converta a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312 do mesmo diploma legal e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou conceda a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Contudo, não deve ser esquecido que o Ministério Público é o titular da ação penal pública e, além de parte, é fiscal da lei, devendo zelar pela correção do procedimento e da aplicação da lei penal.

O nosso sistema processual é o acusatório, havendo nítida divisão entre a acusação, defesa e órgão julgador. Não cabe ao Magistrado, na fase policial e de ofício, decidir sobre a decretação de uma prisão preventiva, aplicação de uma medida cautelar diversa dela ou a concessão da liberdade provisória.

A opinio delicti continua a pertencer ao Ministério Público quando se tratar de infração penal que será processada mediante ação penal pública. Assim, pode ser que entenda não ser o crime daqueles que cabe prisão preventiva ou que o fato é atípico, diferentemente do posicionamento do magistrado, que estará determinando a constrição da liberdade de alguém, que poderá sequer ser processado.

Por outro lado, o órgão ministerial pode dispor de elementos outros que impliquem o convencimento do julgador quanto à necessidade da segregação cautelar, que chegará a seu conhecimento somente após a soltura de alguém que deveria permanecer preso.

É certo que o artigo 306 do Código de Processo Penal determina que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre seja comunicada imediatamente ao Juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. No entanto, referido dispositivo apenas repete o que já era previsto no artigo 5º, inciso LXII, da Constituição Federal, tendo sido incluída a figura do Ministério Público ao rol. Referida norma simplesmente fez incluir no Código de Processo Penal um dos direito constitucionais do preso.

Observe-se que o artigo 306 do CPP não determina que o auto de prisão em flagrante seja encaminhado ao Ministério Público, mas que a prisão lhe seja cientificada, da mesma forma que deve ocorrer com o Juiz.

E porque isso?

O parágrafo 1º do artigo 306 do CPP determina expressamente que cópia do auto de prisão em flagrante seja encaminhada ao Juiz competente e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, também será remetida à Defensoria Pública.

Note-se que não há menção à remessa do auto ao Ministério Público. E a razão disso é muito simples. É que o Ministério Público, como titular da ação penal pública e fiscal da lei, tem a prerrogativa constitucional e legal de se manifestar sobre tudo que lhe interesse dentro do processo ou procedimento e antes de uma decisão judicial. E certamente a prisão ou a liberdade do autuado é de total interesse do órgão ministerial.

Foge à lógica e ao bom senso alijar o titular da ação penal pública deste momento procedimental tão importante, relegando para outra oportunidade, quando já poderá ter ocorrido prejuízo para a sociedade e para o próprio autuado.

E nem se alegue que, com a remessa de cópia do auto de prisão em flagrante para o Ministério Público, o que, aliás, a lei não exige, o problema estaria solucionado. Isto não é verdade, haja vista que pode, ou não, o juiz decidir antes do membro do Ministério Público peticionar.

Para que sejam evitados todos estes problemas e a fim de que os direitos constitucionais do preso e da sociedade sejam preservados, deve o magistrado, antes de decidir sobre questão tão importante, dar vista do auto de prisão em flagrante ao Ministério Público para postular o que entender de direito.

Autores

  • é promotor de Justiça em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais e professor da PUC-SP, Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e da Academia da Polícia Militar do Barro Branco.

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