Ameaça à toga

Juízes criticam falta de segurança após morte no Rio

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13 de agosto de 2011, 19h04

O assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo (RJ), é um ataque à comunidade e aos poderes do Estado Democrático de Direito. A consideração é da Rede Latinoamericana de Juízes (Redlaj), que divulgou nota neste sábado (13/8). Assim como a entidade, outros magistrados estão indignados com o caso.

"A segurança pessoal dos juízes da América Latina, especialmente do Brasil, da Colômbia e da Bolívia tem sido atendida de maneira ineficiente e superficial pelas autoridades responsáveis, o que, certamente, produz a sensação por parte da sociedade de que pairam nas nossas cidades a impunidade e a insegurança pública", diz a nota, assinada pelo juiz brasileiro José Eduardo de Resende Chaves Júnior, presidente da Redlaj.

De acordo com o portal G1, o presidente da Associação de Magistrados do Brasil, desembargador Nelson Calandra, que esteve no Rio de Janeiro neste sábado (13/8), afirmou que a juíza Patrícia Acioli foi "vítima da covardia de organizações criminosas e de um sistema processual penal onde sua excelência é o réu e não o juiz, onde as pessoas cometem um crime de morte e saem pela porta da frente, junto com a família da vítima". 

A juíza foi morta a tiros no fim da noite da quinta-feira (11/8). Ela dirigia seu carro e se aproximava da entrada do condomínio onde morava, na região oceânica, em Niterói, quando foi atacada. Ela estava sem seguranças. 

Calandra disse, ainda, que não há um sistema de segurança para toda a magistratura brasileira e que deve ser traçado pelo Ministério do Trabalho. "O ministério tem obrigação de nos dar apoio logístico necessário. O que fazemos em tribunais de todo o Brasil é tirar o policial combatente na rua e colocar no nosso corpo de segurança. Uma coisa é combater a criminalidade na rua, outra coisa é garantir a segurança de juízes. A dor da associação é profunda, mas nossa indignação é maior. Vamos tomar providências seriíssimas", disse.

A falta de segurança é lembrada por muitos magistrados. O juiz Carlos Henrique Abrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que a morte da juíza “arranha a democracia, mancha a legalidade e fere a liberdade, demonstrando que não podemos nos calar”. O juiz afirma já ter defendido a ideia de haver, em primeiro grau, três juízes para o julgamento de casos em que haja risco de morte, com apoio do estado, que disponibilizaria segurança permanente além de carro blindado. "Ou entao nos transforamemos numa Cáli", disse, em referência a cidade colombiana que, na década de 90, era apontada como uma das mais violentas.

Em seu blog, o procurador da República Vladimir Aras, afirmou que Acioli soma-se à lista de autoridades da Justiça Criminal mortas em razão da função. "Nesse rol, há promotores do Paraná, de Sergipe e do Rio Grande do Norte e um procurador de Pernambuco. Há juízes do Espírito Santo e de São Paulo", completa.

"O ataque a um juiz ou a um promotor representa grave afronta contra o Estado e uma horrenda ameaça à sociedade. Quem terá coragem de se opor a esses criminosos, se até juízes são mortos? Qual será a testemunha que se sentirá segura para depor? Por que alguém, em sã consciência, se disporia a enfrentar isto, se ao final dos julgamentos, os réus, por mais perigosos que sejam, podem sair soltos e assim ficar até que sejam percorridas todas as infidáveis instâncias recursais?", escreve o procurador.

Nessa sexta, vários associações se manifestaram sobre o assassinato da juíza. Entre elas, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, que, em nota, afirmou que "apesar do forte impacto, [os juízes] não deixarão de cumprir sua missão constitucional de combate incessante ao crime organizado." O presidente da Ajufe Gabriel Wedy, em nota, afirmou que, no ano passado, "dezenas de juízes federais que julgam o narcotráfico internacional e o crime organizado também foram ameaçados em decorrência de suas atividades, estando potencialmente vulneráveis à violência todos os magistrados federais que exercem jurisdição criminal".

Há hoje, no país, pelo menos 87 juízes que trabalham sob ameaça de morte ou de agressões físicas, segundo números revelados pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, em entrevista coletiva na sede do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília.

“O CNJ não faltou com o seu dever de estar ao lado da magistratura. Pedimos a todos os tribunais que garantissem a segurança dos magistrados, especialmente daqueles que trabalham nas varas criminais e nas varas de execução penal”, afirmou a ministra. No mesmo ofício, foram pedidos os dados sobre juízes ameaçados.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu ao ofício. De acordo com o TJ, havia 13 magistrados com escolta porque foram ameaçados: sete desembargadores e seis juízes de primeira instância. O nome da juíza Patrícia Acioli não constava da relação. Os tribunais de Justiça e São Paulo e de Minas Gerais, por exemplo, não enviaram informações ao CNJ, disse Eliana Calmon.

Leia abaixo a íntegra da nota da REDLAJ:

La Red Latinoamericana de Jueces – REDLAJ – organización internacional, con magistrados pertenecientes a 19 países de America del Sur, América Central, Caribe y México; viene a manifestar su mas enérgico repudio contra el brutal, cobarde y anunciado asesinato de la digna Jueza PATRICIA LOURIVAL ACIOLI, Titular de la 4° Vara Criminal de São Gonçalo, Estado de Río de Janeiro, Brasil; constitutivo de un ataque artero contra su libre, independiente e imparcial ejercicio jurisdiccional, y también contra los Poderes Constituidos del Estado Democrático de Derecho, y la comunidad toda.

Además de solidarizar, de forma sentida y profunda, con los familiares de la Jueza ACIOLI, por su perdida irreparable, la REDLAJ reclama al Estado Brasilero una rápida investigación de los hechos, la identificación de los autores y la aplicación de las normas previstas por el sistema de enjuiciamiento penal del Estado.

La seguridad personal de los jueces de Latinoamérica, especialmente en Brasil, Colombia y Bolivia, -y esta es una muestra elocuente- ha sido atendida de manera ineficiente y superficial por las autoridades responsables, lo que produce ciertamente la percepción por parte de la sociedad de que en nuestros pueblos se cierne la impunidad e inseguridad pública.

Este cruento episodio renueva, otra vez, tristemente, el luto de la magistratura latinoamericana, y pone en alerta a sus jueces e instituciones que los congregan para reclamar enérgicamente en aras a la prevención eficaz de estos sucesos.

Belo Horizonte (BRASIL) e Montevideo (URUGUAY), 12 de agosto de 2011

José Eduardo de Resende Chaves Júnior Gabriela Merialdo Cobelli
PRESIDENTE VICEPRESIDENTE
RED LATINOAMERICANA DE JUECES

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