Fazenda da Vasp

Deslize processual derruba recurso de Canhedo

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13 de agosto de 2011, 8h17

Mais um erro processual ameaça derrubar as tentativas do ex-dono da Vasp, o empresário Wagner Canhedo, de reverter a venda da Fazenda Piratininga, em Goiás, que pertenceu ao seu grupo empresarial. Arrematada em dezembro por R$ 310 milhões por ex-donos da indústria de genéricos Neo Química, o produto do leilão da fazenda serviu para quitar parte da dívida trabalhista de R$ 1 bilhão da falida companhia aérea Vasp. Um recurso admitido em junho pelo Tribunal Superior do Trabalho questionou decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo que impediu o seguimento de contestação por falta de procuração. Mas a admissão do recurso ignorou jurisprudência da corte sobre o tema, e os ministros foram alvo de arguição de exceção de suspeição, ainda por ser julgada. Agora, o TRT paulista negou a subida de outro recurso contra a venda, dessa vez por falta de autenticação de cópias.

A decisão da 2ª Turma do TRT-2 (São Paulo) mostra que a defesa da Agropecuária Vale do Araguaia — ex-dona da fazenda — cometeu um erro básico. A legislação trabalhista exige que Agravos de Instrumento, por serem processos apartados, sejam acompanhados de cópias da documentação pertinente e das decisões que contestam. Segundo o artigo 830 da Consolidação das Leis do Trabalho, as cópias precisam ser autenticadas por cartório de notas ou pela própria vara autora do julgado, ou então acompanhadas de uma declaração do advogado dizendo que todas as reproduções são verdadeiras, sob risco de, em caso contrário, responder criminalmente. Foi a falta dessa autenticação que impediu que um Agravo de Instrumento fosse julgado pelo TRT.

O intuito inicial da agropecuária era, por meio de embargos, tentar derrubar a decisão que autorizou a venda da fazenda, o que a Justiça de primeiro grau não permitiu. Contra essa decisão, a defesa ajuizou Agravo de Petição, que subiria ao TRT, mas esse pedido também foi negado na origem em primeiro grau. Como alternativa, só restou o Agravo de Instrumento, que segue direto ao tribunal, sem passar pelo crivo da primeira instância. Esse tipo de processo, no entanto, não é montado pela vara, mas sim pelo advogado.

“A agravante não cuidou de autenticar as peças que compõem o instrumento, e tampouco há nos autos declaração de autenticidade pelo subscritor do agravo, em inobservância ao disposto no item IX da Instrução Normativa 16/99 do Tribunal Superior do Trabalho e no artigo 830 da CLT”, afirmou a 2ª Turma do TRT. O relator do caso foi o juiz Anísio de Sousa Gomes.

Como a Justiça não admite dois pedidos iguais sobre o mesmo assunto, os argumentos agora podem estar perdidos para sempre. Não cabe saneamento — satisfação de exigências — em fase de recurso, e um novo embargo, dessa vez com a documentação completa, é proibido. Só é possível recurso direto ao TST, mas a corte teria de superar as formalidades da legislação processual.

O advogado Cláudio Penna Fernandes, que cuida dos recursos de Canhedo em Brasília, admite que o erro aconteceu em São Paulo, quando o responsável ainda era o advogado Carlos Campanhã. “Ele esqueceu de autenticar, mas ninguém impugnou isso e o tribunal aproveitou a situação para negar novamente um recurso nosso”, afirma. Segundo ele, a corte paulista tem “má vontade” para com Canhedo. “O tribunal nunca enfrenta nossas argumentações, sempre encontra uma desculpa.”

Lapsos caros
No TST, outro recurso trata de falha processual. Neste, a agropecuária contestou não a venda, mas a adjudicação da fazenda pelos sindicatos envolvidos na Ação Civil Pública, o Sindicato dos Aeronautas e o dos Aeroviários. Mas o advogado Francisco Martins Gonçalves, que representa as entidades, protestou contra a falta de procuração dos defensores de Canhedo nos recursos. Ao chegar ao TST, o caso, levado como Agravo, foi recebido como Recurso de Revista pela 5ª Turma, que admitiu julgá-lo mesmo sem a procuração. No entendimento do ministro Brito Pereira, presidente da turma, era a vara de origem quem deveria ter montado o processo e incluído a procuração, e não o advogado.

A tese acabou acatada pela maioria do colegiado. A defesa dos trabalhadores, no entanto, afirmou que a decisão contrariava decisões anteriores e posteriores dos próprios ministros, e arguiu suspeição de todos eles, inclusive no Conselho Nacional de Justiça. O recurso, que era para ser julgado no último dia 3 de agosto, foi tirado de pauta e não tem previsão de voltar.

“Se o Tribunal Superior do Trabalho prestigiar o formalismo exagerado, a agropecuária não poderá ver o seu recurso examinado e perderá parte substancial do seu patrimônio”, contrapõe Cláudio Fernandes.Em última análise, perderá uma fazenda porque falta uma fotocópia em autos apartados.”

Os argumentos que os advogados da agropecuária, devido aos deslizes processuais, não conseguem emplacar são o de que os sindicatos, por serem substitutos processuais dos trabalhadores e não titulares do direito, não poderiam receber a fazenda em adjudicação; que ainda não existe sentença líquida que apure o valor da dívida, estimado em R$ 1 bilhão em 2008; que a Justiça delegou aos sindicatos definir quem serão os trabalhadores pagos e quanto cada um receberá, o que só caberia a ela fazer; e que a execução determinada pela 14ª Vara do Trabalho da capital de São Paulo só tem jurisdição sobre trabalhadores de São Paulo, onde ela tem competência, e não sobre todos os 7 mil ex-empregados espalhados pelo país, em estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.

“Sem estabelecer o valor da dívida, a Justiça penhorou o patrimônio do grupo econômico e adjudicou a propriedade, sem que a transferência fosse registrada em cartório de imóveis e que as respectivas taxas e impostos fossem recolhidos”, acrescenta Fernandes.

A dívida com os tabalhadores não é a única. A Vasp ainda deve R$ 2 bilhões a órgãos como a Receita Federal, o INSS e a Infraero, além de empresas como Banco do Brasil e Petrobrás.

Clique aqui para ler a decisão do TRT.
Clique aqui para ler o Agravo de Instrumento.

Agravo de Instrumento em Agravo de Petição 0050707-75.2005.5.02.0014

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