Profissão perigo

Pelo menos 87 juízes trabalham sob ameaça no Brasil

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12 de agosto de 2011, 17h22

Há hoje, no país, pelo menos 87 juízes que trabalham sob ameaça de morte ou de agressões físicas. Os números foram revelados pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, nesta sexta-feira (12/8), em entrevista coletiva na sede do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília.

A entrevista foi concedida após o assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo (RJ). Aos 47 anos, ela foi morta a tiros na madrugada desta sexta, quando se aproximava da entrada do condomínio onde morava, na região oceânica de Niterói. Ela estava sem seguranças. Patrícia estava ao volante de seu Fiat Idea quando foi surpreendida por homens com toucas ninja, em duas motos e dois carros. Eles dispararam ao menos 15 tiros de pistolas calibre 40 e 45 contra a juíza, que morreu no local.

Os dados do CNJ são parciais. Ou seja, o número de juízes ameaçados é maior. Isso porque, apesar de o Conselho ter enviado ofícios aos 27 tribunais de Justiça e aos cinco tribunais regionais federais do país, nem todos responderam à solicitação de informações sobre ameaças a juízes.

Há cerca de dois meses, o Conselho pediu aos tribunais a adoção de “práticas efetivas para garantir a segurança dos magistrados”. E solicitou também que informassem, no prazo de 15 dias, se havia juízes ameaçados nas respectivas regiões (clique aqui para ler o ofício enviado em 24 de junho para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

“O CNJ não faltou com o seu dever de estar ao lado da magistratura. Pedimos a todos os tribunais que garantissem a segurança dos magistrados, especialmente daqueles que trabalham nas varas criminais e nas varas de execução penal”, afirmou a ministra. No mesmo ofício, foram pedidos os dados sobre juízes ameaçados.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu ao ofício. De acordo com o TJ, havia 13 magistrados com escolta porque foram ameaçados: sete desembargadores e seis juízes de primeira instância. O nome da juíza Patrícia Acioli não constava da relação. Os tribunais de Justiça e São Paulo e de Minas Gerais, por exemplo, não enviaram informações ao CNJ, disse Eliana Calmon.

Os ofícios foram enviados depois que o CNJ criou um grupo de trabalho para fazer um estudo sobre a segurança da magistratura. O grupo é formado por dois juízes auxiliares da Corregedoria Nacional de Justiça, um policial federal e um membro do Ministério Público. “Estamos tentando levantar informações sobre todos os aspectos relacionados à segurança para sugerir o que será preciso fazer”, afirmou a corregedora.

De acordo com os dados recebidos, o Maranhão é o estado onde os juízes mais correm risco. “Há, no Maranhão, 24 pedidos de escolta e aperfeiçoamento de segurança por ocorrência de assaltos, arrombamentos e invasões a sedes dos juízos nos últimos dois anos. A situação do estado é preocupante”, contou a corregedora.

Depois que soube do assassinato da juíza Patrícia Acioli, a Corregedoria levantou dados sobre o trabalho dela. De acordo com o CNJ, a juíza foi alvo de quatro representações feitas por advogados e envolvidos em processos sob a tutela de Patrícia. Todas as representações, por abuso de poder, foram arquivadas porque não tinham fundamento.

“Essas representações são comuns a todos os juízes que agem de forma mais rigorosa. Meses atrás, por exemplo, nós verificamos que o PCC (organização criminosa de São Paulo), em relação a uma juíza da vara de execuções penais, tinha formulado, na Corregedoria, nada menos do que 46 representações. Os próprios bandidos fazem representações. E isso nós já sabemos”, contou Eliana Calmon.

A ministra também afirmou que o CNJ vem atendendo, na medida do possível, aos pedidos de segurança feito por juízes. Segundo a corregedora, uma juíza de vara de execuções penais de Pernambuco foi ameaçada de morte e pediu ao Tribunal de Justiça um carro blindado. O TJ colocou a juíza sob escolta, mas negou o pedido do carro blindado, com o argumento de que não tinha recursos financeiros para arcar com o gasto.

A juíza, então, fez o pedido ao CNJ. “A juíza faz o mesmo trabalho que fazia a Patrícia. Ela julga causas que envolvem grupos de extermínio. A Corregedoria Nacional de Justiça providenciou o carro, que já está à disposição do Tribunal de Justiça para ser utilizado por essa magistrada”, afirmou a ministra.

Investigação federal
Eliana Calmon informou que o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, acionou a Polícia Federal, por meio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que as investigações sobre a morte da juíza Patrícia Acioli sejam feitas com rapidez e o caso solucionado em breve espaço de tempo.

De acordo com a ministra, “está comprovado” que o crime é de extermínio. “Não foi passional, não foi assalto. Para a Polícia do Rio de Janeiro, trata-se de um crime de extermínio”. A corregedora nacional de Justiça ainda afirmou que a entrada da Polícia Federal nas investigações não significa que uma polícia seja melhor do que a outra. Mas, no caso de Patrícia, que julgou diversas causas sobre “a atuação indevida de policiais do Rio”, a atuação da PF é necessária.

“A morte da Dra. Patrícia não ficará em vão. Acho que é um acontecimento que vai despertar a magistratura como um todo, especialmente por parte dos tribunais de Justiça, para termos um pouco mais de cautela, de cuidado, na segurança dos magistrados”, disse a ministra Eliana Calmon. Ainda de acordo com ela, por conta de o Brasil ser uma “nação pacífica”, com casos isolados de ataques a juízes, “nós cochilamos um pouco quanto à segurança de magistrados que brigam e que trabalham com assuntos muito sérios”.

Para a corregedora, o Brasil não chegará a tomar medidas drásticas como na Colômbia, onde foi instituída em certa ocasião a figura do juiz sem rosto. Ou seja, os condenados não tinham conhecimento de quem os havia condenado porque a identidade do juiz ficava em sigilo.

Eliana Calmon disse que entre as medidas de segurança que devem ser adotadas é a divisão da responsabilidade. “Não se pode ter um uma vara de execuções tão forte, onde existem grupos muito audaciosos, perigosos, um único juiz. Isso tem de ser diluído por alguns juízes. Tanto que já foram designados três juízes para substituir a juíza morta. Um dos critérios de segurança deve ser esse”.

Segundo a ministra, o Ministério Público já toma cuidados como esses. Denúncias mais difíceis, que envolvem pessoas mais perigosas, são assinadas por diversos procuradores da República ou promotores. “Isso dilui a responsabilidade. Quando se concentra a responsabilidade em um único juiz, o risco é maior”, afirmou.

Eliana Calmon aproveitou a ocasião para responder afirmações da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). “A Ajufe chegou a dar uma declaração que tinham cerca de 40 magistrados que estavam ameaçados. Eu já oficiei duas vezes à Associação dos Juízes Federais para que fornecessem à Corregedoria o nome desses magistrados ameaçados, para tomarmos as devidas providências. E até agora não houve resposta a esses dois ofícios”.

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