Tempo da Justiça

Nem sempre rapidez é vista com bons olhos

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9 de agosto de 2011, 17h01

Cobra-se — em diversos casos com justo motivo — maior celeridade do Poder Judiciário. A questão é objeto de estudos, artigos, teses, livros, Resoluções do Conselho Nacional de Justiça – e de cobrança, muita cobrança a nós juízes, interna e externamente, algumas legítimas outras não, algumas justificáveis outras nem tanto.

As causas da tão propalada morosidade da Justiça são várias, cabendo citar aqui aquelas três que reputo principais, quais sejam, o tortuoso sistema recursal criado pelo Poder Legislativo, a carência de magistrados, e o excesso de processos, combinação fatídica e que pode ser resolvida, havendo vontade política, rapidamente quanto aos dois primeiros itens, porém dificilmente solucionável mesmo a longo prazo no que tange ao terceiro tema, já que vivenciamos uma sociedade a cada dia mais litigante, fruto, é bem verdade, em grande parte, de empresas cada vez mais irresponsáveis com seus deveres diante dos consumidores, ou de órgãos públicos e concessionárias que insistem na reiteração de ações/omissões lesivas ao cidadão apesar de repetidamente condenadas na Justiça por idênticas condutas pregressas.

Dentro do Conselho Nacional de Justiça e no Poder Judiciário buscamos incessantemente formas, caminhos, procedimentos de aceleração da prestação jurisdicional, o que é bem vindo desde que não percamos nunca de vista os limites da lei e, sobretudo, os ditames da Constituição da República. Assim como não cabe desconsiderar, por outro lado, que o Judiciário não é uma fábrica de sentenças e que estas não são hambúrgueres, logo, o objetivo de aceleração não pode ser transformado em ânsia ou afã que desconsidere as peculiaridades — e a seriedade, e a responsabilidade, e as dificuldades — do ato de julgar.

Um dos legítimos caminhos encontrados na busca daquela almejada celeridade é a prestação jurisdicional ininterrupta, erigido em princípio constitucional da magistratura (artigo 93, inciso XII), e que ensejou a criação dos plantões judiciários diurnos (em finais de semana, feriados e períodos de recesso forense) e noturnos.

Regulamentados pela Resolução CNJ 71 de 2009 e, no Rio de Janeiro, pela Resolução OE 2 de 2010, os plantões judiciários têm por objetivo analisar pedidos que abranjam direitos que perecerão acaso não apreciados com indispensável urgência, cabendo aqui citar a enumeração contida no artigo 2º da Resolução estadual:

Art. 2º — O plantão judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias:
I — pedidos de Habeas Corpus e Mandados de Segurança em que figurar como coator autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista;
II — comunicações de prisão em flagrante e à apreciação dos pedidos de concessão de liberdade provisória;
III — em caso de justificada urgência, de representação da autoridade policial ou do Ministério Público visando à decretação de prisão preventiva ou temporária;
IV — pedidos de busca e apreensão de pessoas, bens ou valores, desde que objetivamente comprovada a urgência;
V — medida cautelar, de natureza cível ou criminal, que não possa ser realizado no horário normal de expediente ou de caso em que da demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação;
VI — medidas urgentes, cíveis ou criminais, da competência dos Juizados Especiais a que se referem as Leis 9.099, de 26 de setembro de 1995 e 10.259, de 12 de julho de 2001, limitadas as hipóteses acima enumeradas.

Daí percebemos que uma das matérias por natureza inerentes ao plantão judiciário é a liberdade do cidadão, pelo que é de sua competência a análise de comunicações de prisão em flagrante e apreciação de pedidos de concessão de liberdade provisória (artigo 2º, inciso II da Resolução estadual, e artigo 1º, letra c, da Resolução do Conselho Nacional de Justiça).

A isto se soma a recente Lei 12.403/2011, que alterou profundamente o regime das cautelares no Processo Penal pátrio e que, modificando o artigo 306 e seu parágrafo 1º assim como o artigo 310, ambos do Código de Processo Penal, agora passa a exigir de maneira clara e insofismável que a prisão em flagrante de qualquer cidadão seja comunicada imediatamente à autoridade judicial competente e que esta, recebendo o auto de prisão em flagrante no prazo máximo de 24 horas, analise (leia-se: decida fundamentadamente) se é o caso de relaxar a custódia, conceder liberdade provisória, aplicar medidas cautelares alternativas à prisão, ou converter a prisão em flagrante em preventiva, nos dois últimos casos após indispensável pedido do Ministério Público em se tratando da fase de inquérito (parágrafo 2º do artigo 282 e artigo 311 do Código de Processo Penal, e inciso I do artigo 129 da Constituição Federal) — o que é indiscutível, já que paira divergência acerca do cabimento de decreto prisional de ofício na fase judicial, tema para outra discussão…

Justamente por isso, muitas vezes a remessa do Auto de Prisão em Flagrante é feita à autoridade judicial de plantão — juiz natural da causa naquele momento e contexto — diante do que se impõe, primeiramente, a remessa do feito ao Ministério Público para que este requeira o que entender cabível (repita-se: parágrafo 2º do artigo 282 e artigo 311 do Código de Processo Penal alterados pela Lei 12.403/2011, e inciso I do artigo 129 da Constituição Federal); em seguida, com o pronunciamento ministerial, remete-se o feito ao Defensor Público ou, se presente, à defesa constituída; após, torna o feito ao magistrado para decisão. Tudo isto assim mesmo: célere, com a rapidez que demanda a análise da custódia de um cidadão — seja ele quem for, um milionário ou um mendigo, alguém preso com quilos de drogas ou quem foi detido tentando furtar uma galinha.

Contudo, em matéria de concessão de liberdade, estranhamente tal celeridade não é vista com bons olhos por determinados órgãos da imprensa que, por legítimo convencimento ou simples má-fé a serviço de interesses inconfessáveis, insistem em produzir notícias sensacionalistas (“em menos de 24 horas fulano já está na rua!”) envolvendo a libertação de indiciados os quais, via de regra, são irresponsavelmente prejulgados pela mídia e qualificados como “o bandido”, “o traficante” ou “o homicida”, em total desprezo ao princípio da inocência contido na Constituição Federal.

Exige-se a celeridade do Judiciário, porém, quando o Judiciário atua celeremente colocando em liberdade, logo surge noticiário que coloca em xeque até mesmo a lisura do magistrado, nas entrelinhas, subliminarmente, o que não passa despercebido ao leigo leitor, que influenciado por aquela mídia diz apressadamente coisas do tipo: “tá na cara que o juiz foi comprado!” ou “só foi solto porque é rico”, na base do “não li (a decisão) mas não gostei” – aliás, decisão esta que, muitas vezes, sequer foi lida pelo próprio jornalista!

A dúvida que fica é a seguinte: o(a) repórter que critica uma rápida soltura determinada pelo plantão judiciário também a criticará quando tal beneficiar às 3 horas da madrugada um seu amigo preso arbitrária e ilegalmente? O leigo que duvida da lisura do magistrado também duvidará dele quando determinar, em regime de plantão, de maneira célere, às 23 horas, que dado plano de saúde autorize a imediata internação indevidamente negada de sua mãe ou seu filho? O leitor daquelas notícias dirá que o magistrado é suspeito ao determinar, rapidamente, em plantão, às 5 horas da manhã, que a esposa dele (leitor) seja imediatamente internada em CTI do Estado ou Município ou, não havendo, em CTI de hospital particular às expensas dos entes públicos, diante de grave enfermidade?

O plantão judiciário está à disposição de todos aqueles que necessitem de uma decisão rápida, em face de situação emergencial que não poderá aguardar o horário forense normal. Existe para isso: para ser célere diante de demandas da sociedade que concretamente exijam celeridade, dentre as quais o direito a liberdade.

O problema é que quando o Judiciário é lento, criticam, mas quando é rápido criticam também!

Vá se entender…

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