Escândalo dos grampos

Empresa pode escapar de lei anticorrupção com acordo

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8 de agosto de 2011, 9h50

As alegações contra a News Corporation, de Rupert Murdock, de que suas subsidiárias na Inglaterra subornaram policiais — além de chantagear membros do parlamento — podem justificar a abertura de investigações criminais pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A lei contra a prática de corrupção no estrangeiro ("Foreign Corrupt Practices Act – FCPA)" proíbe empresas americanas de subornar autoridades governamentais em outros países, diz o Center for American Progress.

A News Corporation, sediada nos Estados Unidos, se envolveu em um escândalo de grandes proporções na Inglaterra, depois que seu jornal, o News of the World, foi acusado de praticar grampos telefônicos para obter notícias. O jornal, que tinha 168 anos, foi fechado. Mas as investigações resultaram na descoberta de outras atividades ilegais, como suborno e chantagem, e acabaram envolvendo outras subsidiárias da corporação, como a Fox News, The Sun e The Times of London.

Válvulas de escape
A lei anticorrupção externa é considerada uma "lei dura". Prevê multas de até US$ 2 milhões para a corporação (mas pode ser de até o dobro da vantagem que a empresa obteria com o suborno), de até US$ 100 mil para altos executivos, diretores, acionistas, funcionários e agentes e penas de até cinco anos de prisão. O mais grave, na verdade, é a condenação por meio de um processo judicial, movido pelo Departamento de Justiça e pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC). Além do dano à imagem, a corporação pode ser impedida de assinar contratos com o governo e até perder sua licença.

É uma lei destinada a pegar peixes grandes. Mas, até o momento, só pegou um peixe pequeno — ou "relativamente pequeno", se comparado com os peixes grandes que escaparam de suas malhas. Segundo o Center For American Progress, o processo judicial contra as corporações, com suas penalidades severas, nunca chega a tramitar nos tribunais porque tudo acaba em acordo.

"O acordo pode custar milhões de dólares à corporação, mas esse é um custo relativamente baixo, comparado com o dano que uma condenação por um tribunal pode fazer", diz o site. E isso é o que deve acontecer com a News Corp., de Murdock, caso o Departamento de Justiça dos EUA decida processá-la. "A News Corp. pode, simplesmente, desembolsar dinheiro dos acionistas para pagar o acordo", afirma o site. Murdoch contratou o experiente advogado Brendan Sullivan que, no final da década de 80, defendeu o ex-coronel Oliver North, a principal figura do "Escândalo Iran-Contras". Mais tarde, Oliver North tornou-se comentarista da Fox News.

Entretanto, indivíduos processados por violar a FCPA têm de enfrentar um julgamento e possível condenação de até cinco anos de prisão e não podem usar dinheiro dos acionistas para fechar um acordo. Mas, atribuir responsabilidades a funcionários, principalmente de baixo escalão, é um procedimento comum, porque ajuda a livrar a corporação do processo.

Para evitar o processo judicial, a primeira providência das corporações é recorrer ao mecanismo de admissão de culpa (plead guilty). Diferentemente de outros sistemas jurídicos, em que a admissão da culpa não exime o acusado de ir a julgamento e ser condenado, a commom law tem essa válvula de escape para implicados em casos criminais e civis: o acusado pode ser sentenciado imediatamente. No sistema americano, isso produz um sistema conhecido como plea bargaining ou plea agreement ou plea dial, o que significa que o acusado pode apelar por uma barganha, acordo ou negociação.

Essa válvula de escape está prevista no sistema jurídico do país, não na lei anticorrupção. No entanto, a FCPA tem sua própria válvula de escape, ao estabelecer exceções ou "defesas afirmativas", de forma que nem todos os pagamentos a autoridades governamentais estrangeiras são proibidos. Por exemplo, se for necessário agilizar uma ação rotineira de uma autoridade governamental, é permitido fazer um "pagamento de facilitação", mais conhecido como grease payment. A tradução mais comum de grease é graxa. Ou seja, a FCPA não causa problemas a uma corporação que "engraxar a mão" de um funcionário estrangeiro, para ele fazer seu trabalho mais rapidamente.

Nas negociações do acordo para matar o processo judicial em sua origem, a corporação promete não recair no erro, desenvolver uma política anticorrupção interna, tomar medidas corretivas (como demitir funcionários envolvidos em operações de suborno, o que ocorre com frequência) para desestimular reincidências e desembolsar alguns milhões de dólares em favor da SEC e do Departamento de Justiça dos EUA.

Os casos mais conhecidos
Em 2009, a Halliburton Corporation fez pagamentos de US$ 560 milhões de dólares aos órgãos americanos para encerrar investigações de um caso de suborno na Nigéria e outros casos de manipulação fraudulenta de licitação pública no Egito, Omã e Indonésia, todos envolvendo projetos multibilionários de gás natural liquefeito, alguns dos maiores projetos de construção do mundo — e todos negociados pela Kellogg Brown and Root (KBR), subsidiária da Halliburton, segundo o site da National Public Radio (NPR). A Halliburton e a KBR foram as primeiras corporações a ganharem contratos bilionários de reconstrução no Iraque, sem licitação, durante o governo Bush. Os contratos sem licitação geraram muitas críticas nos EUA porque o então vice-presidente, Dick Chenney, era o CEO da Halliburton antes de ir para o governo.

Em 2010, a BAE Systems concordou em pagar US$ 400 milhões nos Estados Unidos e cerca de US$ 50 milhões na Grã-Bretanha. A BAE, a segunda maior multinacional da área de defesa, segurança e aeroespacial (que a menos de um ano se filiou à Associação Brasileira das Indústrias de Materiais e Segurança – Abimde), é uma das maiores fornecedoras do Pentágono americano e de ministérios de defesa pelo mundo. As acusações de violação da lei anticorrupção no exterior se referem a uma negociata de um contrato multibilionário com a Arábia Saudita para fornecimento de armas. E de contratos menores com a República Checa e com a Hungria. O acordo menor no Reino Unido se refere a um contrato de fornecimento de um sistema de radar para a Tanzânia, relata o site Frontline World.

Em dezembro de 2008, a Siemens concordou em pagar penalidades no total de US$ 1,34 bilhão, para colocar um fim em investigações de suborno em andamento há dois anos nos Estados Unidos e Alemanha. Os subornos teriam sido pagos a autoridades governamentais de vários países, para a empresa obter contratos lucrativos de infraestrutura. Em 2007, um tribunal alemão obrigou a Siemens a pagar multas de US$ 51 milhões, por subornos para obter um contrato de US$ 609 milhões da Enel, a gigante italiana da energia, segundo a Wikipédia e outras fontes.

Em abril de 2007, a Baker Hughes, que presta serviços a empresas de petróleo e gás em diversas partes do mundo, concordou em fazer pagamentos de US$ 44 milhões por subornar autoridades de uma companhia estatal no Cazaquistão, segundo o site do Departamento de Justiça dos EUA. A corporação demitiu os funcionários envolvidos no caso. Segundo a Wikipédia, a Baker Hughes, do Texas, também enfrenta acusações relacionadas a suborno na Rússia, Uzbequistão, Angola, Indonésia e Nigéria. Os contratos obtidos pela empresa no Cazaquistão, ainda segundo a Wikipédia, lhe renderam receitas de US$ 219 milhões no período 2001-2006.

Em 2005, a Monsanto Company, produtora americana de sementes geneticamente modificadas ou transgênicos, concordou em fazer um pagamento de US$ 1 milhão — e mais US$ 500 mil para a SEC — por subornar uma autoridade do governo da Indonésia e tentar certificar o suborno como "taxa de consultoria", registra o site America.gov ARCHIVE.

Outras empresas que fizeram acordos ou estão sendo investigadas por violar a FCPA, segundo a Wikipédia, são: Avon Products, Lucent Technologies, Daimler AG, KBR, Titan Corporation, Triton Energy Limited e Invision Technologies. Também segundo a Wikipédia, o Departamento de Justiça e a SEC estão investigando a Hewlett Parcard Company, por denúncias de subornos no valor de US$ 10,9 milhões, pagos ao promotor geral da Rússia, entre 2004 e 2006, para ganhar um contrato de fornecimento de computadores no país.

A única empresa condenada
Em maio deste ano, a empresa de propriedade familiar Lindsey Manufacturing Company, de Azusa, Califórnia, dois de seus executivos e uma intermediária mexicana foram condenadas por um tribunal federal por sua suposta participação em um esquema de pagamento de suborno a Comisión Federal de Electricidad (CFE), uma empresa estatal do México, segundo o site do Departamento de Justiça dos EUA.

"A sentença condenatória de hoje é um marco importante em nossos esforços para executar a Lei contra a prática de corrução no estrangeiro", declarou o advogado geral assistente, Lanny Breuer. "A Lindsey Manufacturing é a primeira empresa a ser julgada e condenada por violação da FCPA, mas não será a última", afirmou. A lei foi aprovada em 19 de dezembro de 1977.

As sentenças contra a Lindsey Manufacturing e os americanos Keith Lindsey e Steve Lee serão proferidas em 16 de setembro de 2011. A sentença contra a mexicana Angela Aguillar, de Cuernavaca, México, será dada em 12 de agosto de 2011. Ela foi presa em 10 de agosto de 2010, sob a acusação de lavagem de dinheiro.

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