Cooperação Internacional

Homologação de sentenças e promessa de reciprocidade

Autor

  • Antenor Madruga

    é sócio do FeldensMadruga Advogados doutor em Direito Internacional pela USP especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP e professor do Instituto Rio Branco.

3 de agosto de 2011, 18h20

Spacca
Sabe-se que a reciprocidade não é requisito expresso para a homologação de sentenças estrangeiras. Ao se requerer a homologação não é preciso demonstrar que a jurisdição igualmente admite homologar sentenças brasileiras. Porém, é possível que ainda haja espaço para a exigência de reciprocidade no processo de homologação.

No passado distante, quando a Lei 2.615, de 4 de agosto de 1875, em seu artigo 6º, parágrafo 2º, autorizou a regulamentação da execução das sentenças estrangeiras, o Decreto 6.982, de 27 de julho de 1978, estabeleceu que somente poderiam ser executadas no Brasil as sentenças estrangeiras de nação que admitisse o princípio da reciprocidade. Posteriormente, Decreto 7.777, de 27 de julho de 1880, veio permitir a homologação de sentenças provenientes de jurisdições que não oferecessem reciprocidade, desde que o governo brasileiro concedesse um exequatur. A exigência de reciprocidade e o alternativo exequatur administrativo desapareceram com a Lei 221 de 20 de novembro de 1894, tendo a Constituição de 1934 deixado claro que a homologação de sentenças estrangeiras competia à “Corte Suprema” (Art. 76, 1, g), sem nada falar sobre reciprocidade.

A exclusão da exigência de promessa de reciprocidade ou exequatur administrativo no curso do procedimento de homologação de sentenças estrangeiras, aliada à circunstância de que as sentenças estrangeiras levadas à homologação geralmente deduzem interesses privados, muitos excluem a homologação de sentença estrangeira do conjunto das modalidades de cooperação jurídica internacional, deixando de considerá-la como instrumento de relações entre Estados soberanos. Para esses, a homologação de sentenças estrangeiras diz respeito ao interesse das partes litigantes e não do Estado estrangeiro, seja na condição de Estado juiz ou de Estado parte.

O professor Vicente Greco Filho, em sua excelente tese para o concurso de livre-docência em Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, posicionou contrário à ideia de reciprocidade. Segundo ele, “no que se refere aos sistemas que exigem a reciprocidade, sua inclusão torna o instituto verdadeiramente anômalo, uma vez que introduz na apreciação jurisdicional um elemento muitas vezes administrativo, qual seja a vontade dos Estados intervenientes. Daí, já se ter dito que o requisito da reciprocidade é retrógrado e incompatível com o instituto da homologação de sentenças estrangeiras [1]. Para Greco Filho, “as mesmas razões que justificam a aplicação extraterritorial da lei estrangeira sustentam o reconhecimento das sentenças alienígenas, ambas como formas de aplicação, direta e indireta, respectivamente, do Direito estrangeiro. No primeiro caso, de aplicação direta, invoca-se a disposição de uma lei estrangeira como devendo regular determinada relação jurídica. No segundo caso, de aplicação indireta, já não se invoca uma disposição de lei, mas a sentença que decidiu a questão noutro estado. O Direito estrangeiro, nesse caso, apresenta-se não como disposição geral, mas como norma já aplicada a uma hipótese concreta pelo poder judicial”.

Contudo, parece-me que a conclusão no sentido de que o Direito Internacional Privado não pode se fundar na reciprocidade é aceitável se incluído neste ramo do Direito apenas o conflito de leis, mas questionável quando se o estende à eficácia das decisões judiciais estrangeiras.

No primeiro caso, do conflito de leis, a lei estrangeira é aplicada no interesse exclusivo das relações entre partes privadas, com o escopo de promover o melhor funcionamento do sistema interno de solução de controvérsias, sem qualquer reflexo direto nas relações internacionais, bastando o controle jurisdicional da ordem pública para que os interesses nacionais sejam preservados. A aplicação ou o afastamento da lei de um determinado Estado estrangeiro não interferem nas relações entre esse Estado e o Estado do foro competente.

No segundo caso, a homologação de decisões estrangeiras deve ser visto como ato de cooperação internacional, essencial para o funcionamento do sistema de solução de controvérsias, aplicação da lei e pacificação social no Estado estrangeiro. Sem cooperação internacional, reduz-se a eficácia da própria jurisdição. Não se trata, quando se concede ou denega homologação, do interesse exclusivo das partes ou de aplicar a lei que melhor se presta a solucionar a controvérsias, no interesse da própria jurisdição do foro, mas também do interesse do Estado estrangeiro, de seu serviço público de solução de controvérsias, cada vez mais dependente de cooperação internacional.

Mesmo nas hipóteses em que a sentença estrangeira versa sobre conflitos eminentemente privados, concessão ou denegação de homologação podem ter reflexos nas relações internacionais, pois priva o Estado prolator de maior eficácia ao seu sistema de solução de controvérsia.

Portanto, embora o requisito de exigência de reciprocidade tenha desaparecido do procedimento de homologação judicial, não deixou de ser instrumento de persuasão nas relações internacionais. Nesse sentido, parece-me que a possibilidade de exigência de reciprocidade na homologação de sentença estrangeira permanece como alternativa para exigir que a possibilidade de conferir efeitos extraterritoriais às sentenças não seja via de mão única. Se demonstrado que determinado Estado estrangeiro nega homologação às sentenças brasileiras, creio ser aceitável que, na gestão das suas relações internacionais, o Estado brasileiro, por meio do Superior Tribunal de Justiça[2], opte por aplicar a reciprocidade negando também as solicitações provenientes desse Estado estrangeiro.


[1] GRECO FILHO, Vicente. Homologação de Sentença Estrangeira. São Paulo: Saraiva, 1978, p.88

[2] Por força de sua competência constitucional para homologar sentenças estrangeiras. Constituição, Art. 105, I, i.

Autores

  • Brave

    é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.

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