Justiça Tributária

A reforma tributária que todos querem, ninguém faz

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

1 de agosto de 2011, 8h11

Spacca
Caricatura: Raul Haidar - Colunista - Spacca

Foi anunciado recentemente pela ministra Ideli Salvatti que será encaminhada ao Congresso uma proposta de reforma tributária “fatiada”, ou seja, as questões seriam discutidas em várias etapas, não num projeto único. Seja em etapas pontuais (fatias) ou num grande projeto, ninguém questiona a necessidade de que sejam feitas amplas mudanças no cipoal amalucado de normas a que ainda damos o nome de sistema tributário nacional.

Já está pacificado na opinião da sociedade brasileira que devemos enfrentar três grandes problemas:

a) uma carga tributária que prejudica o nosso desenvolvimento, na medida em que reduz a capacidade de investimento das nossas empresas e incentiva as atividades parasitárias e mesmo a sonegação;

b) uma burocracia fiscal absurdamente complexa, que implica em custos administrativos elevados e gera inúmeras possibilidades de erros que transformam a contabilidade e a auditoria em filiais do inferno ou instituições psiquiátricas; e

c) uma insegurança jurídica enorme, de tal maneira que ninguém sabe qual o imposto que se vai pagar amanhã e qual é o formulário que tem de ser preenchido hoje.

A questão da insegurança foi mencionada pela ministra do STF, Ellen Gracie, durante um evento em Porto Alegre no ano passado, quando afirmou: “Neste país, nunca se sabe quanto tem que se pagar de impostos. E isso causa infelicidade nos cidadãos e atrapalha o crescimento."

Reforma mesmo não vai ser feita porque não há vontade política para isso e o ambiente econômico mundial recomenda muita cautela. O Executivo precisa manter alguns compromissos importantes que exigem recursos financeiros em tese já previstos no orçamento. Se em 1965 a Emenda 18 promoveu uma grande reviravolta no sistema tributário, hoje o quadro macroeconômico é bem diferente e a economia internacional exige o máximo de cautela.

Vamos, pois, à tal reforma fatiada. E aqui há uma série de considerações que devem ser levadas em conta. Primeiramente, não nos parece que possa ser aceita a afirmação de que a guerra fiscal do ICMS beneficia apenas alguns estados e prejudica a indústria e o país. Afirmar que a redução do ICMS nas importações cria empregos no exterior e prejudica as indústrias no Brasil é uma afirmação simplista e enganosa.

Já examinamos em artigo aqui publicado que as isenções ou reduções de base de cálculo no ICMS são matérias de competência dos estados, encontrando fundamento constitucional bastante claro. Por outro lado, o ICMS é um imposto interno, que jamais deveria incidir nas importações, pois sua função não é regular o mercado internacional. Para isso existe o imposto de importação.

Também não cabe afirmar que a importação causa prejuizos à nossa indústria. Se não houvesse a abertura do mercado, ainda estaríamos andando de carroças. A indústria brasileira só se desenvolveu mesmo com a chegada dos importados. A indústria textil, por exemplo, ainda estaria com máquinas de meio século de vida, não fosse a concorrência internacional.

Algumas industrias saíram de São Paulo nos últimos anos. Mas isso serviu para melhorar nosso estado, pois os terrenos das fábricas são hoje usados por centros comerciais, com maior número de empregados ganhando salários melhores. Tais fenômenos permitem que o país tenha um crescimento mais justo, levando o progresso para outros estados. Isso é bom para todos. Menos, é claro, para os que ainda vivem no século 19.

Hoje, a União fica com cerca de 60% de tudo o que se arrecada, os estados com 25% e os municípios com 15%. Essa distribuição não atende as necessidades nem de estados nem de municípios, fazendo com que prefeitos e governadores dependam de transferência de recursos federais. Nesse quadro são inevitáveis as interferências políticas de deputados e senadores, abrindo-se as portas para toda espécie de trocas, desvios e até corrupção.

Justiça tributária é muito importante e para que a alcancemos devemos nos orientar pelas normas gerais contidas na constituição. A cobrança de impostos é que viabiliza os recursos para o atendimento das necessidades nacionais. Daí é que surgem verbas para justiça, segurança, educação, saúde e também para a manutenção do regime democrático.

Nos artigos 170 a 181 da Carta Magna fixam-se as regras para o funcionamento da economia, que ordenam a valorização do trabalho e da livre iniciativa, o tratamento especial para as pequenas empresas, incentivos ao turismo etc.

Com uma carga tributária próxima de 40% do PIB a livre iniciativa não encontra meios para investir, pois sobra muito pouco, quando sobra.

Em síntese: a Constituição aponta o caminho que devemos trilhar. Se não estamos satisfeitos com o sistema tributário e a maior parte das pessoas deseja mudanças nesse setor, não importa que ela venha fatiada , que demore ainda um pouco mais. Mas é preciso fazer mesmo, levar a reforma em frente, mesmo que seja em pedaços ou fatias. Mas não podemos apenas ficar falando a respeito. Como disse Vieira: “Palavras sem obras são tiros sem bala; atroam, mas não ferem.”

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!