Pivô da crise

Desafio de Obama: É o dólar, idiota!

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1 de agosto de 2011, 15h16

[Artigo publicado na Revista do Autor, em março de 2009]

Dentro em breve, ainda nesse começo de governo de Barack Obama, o dólar estará em rota fortemente declinante, eis que falta pouco para o mercado global perceber que o fulcro da problemática atual é o dólar. Sim, ele mesmo, a própria moeda dólar, e não as suas consequências que são a recessão no mundo real, a queda das comodities e a quebra das instituições financeiras. Naquela ocasião, o assessor de Obama irá perguntar qual é, efetivamente, o principal problema que deverá ser enfrentado pela administração, ao que Obama repetirá o título desse artigo.

Os Estados Unidos, seus sócios no clube G7 e as suas instituições financeiras usaram e abusaram do dólar como moeda de livre conversão, de tal maneira, que não se sabe ao certo, hoje, quantos dólares efetivamente circulam no mundo globalizado. Algumas cifras, porém, são claras para que se possa estudar o núcleo duro do problema: a emissão indiscriminada de dólares. Examinemos, a título de exemplo, o mercado de “derivativos” — ou devemos chamá-lo simplesmente de mercado de apostas? Aposta-se que o dólar estará, em tal data, 30% maior do que hoje. Se eu acertar, bingo, ganho a aposta e embolso o lucro. Se eu errar, pago a diferença entre o patamar que o dólar alcançar e minha aposta a menor.

Assim, Peter S. Goodmann do New York Times — conforme notícia de O Estado de S. Paulo, de 12 de outubro de 2008 — calcula em US$ 531 trilhões o volume global atual dos derivativos. Lembremo-nos de que apostas realizadas nesse mercado pelo Votorantim, pela Sadia e pela Aracruz Celulose comprometeram enormemente o resultado anual desses grupos. Veja-se por aí o estrago que pode causar na economia real as apostas nesse mundo virtual. Os derivativos já foram chamados de “bombas de hidrogênio” pelo banqueiro de investimentos Felix G. Rohatin, que salvou a economia da cidade de Nova Iorque de uma catástrofe financeira, nos anos 70.

Imagine-se o quanto dessa moeda “escritural”, multiplicada pela ação dos intermediários financeiros, circula livremente nas contabilidades privadas do mundo globalizado, dos seus bancos de investimentos, dos seus bancos comerciais, de suas corretoras de valores, de seus brokers e dealers. E, trata-se, como dito, de moeda simplesmente escritural, não tem ela a base, o substrato de qualquer reserva em ouro, bens reais ou outras moedas.

O sistema norte-americano auxiliou essa multiplicação dos pães, tornou-se um “livre-impressor” de papel moeda, bem como de seus títulos do tesouro, sem que nenhuma instituição a ele contrarie em seus desígnios. Não há Banco Mundial algum ou Fundo Monetário Internacional que efetivamente audite a economia americana. Por acaso, sabe-se de alguma agência de avaliação de risco que tenha avaliado a periclitante economia americana?

Suspeito mesmo que o PIB norte-americano — a soma dos bens e serviços produzidos durante um ano pelos Estados Unidos —, que hoje totaliza cerca de US$ 13 trilhões, não suportará a pressão inflacionária que aqueles dólares “boiando” ao redor do mundo, em diversas modalidades de contas virtuais, provoquem tentando voltar aos Estados Unidos, para comprarem alguma mercadoria, algum bem real ou mesmo um serviço. A inflação que a moeda norte-americana sofrerá, nessa condição imaginada, irá transformar o dólar e outros ativos financeiros em pó, talvez em “merposa”, ação em pó que já desfilou no Brasil em outros carnavais financeiros. Mas, agora, a “merposa” está por lá.

O mais incrível é que o dólar, moeda ainda não suficientemente surrada e sofrida, do país centro da crise financeira global, não é percebido como o “lame duck” do momento — o famoso pato que, atingido por uma bala desferida por um furtivo caçador, está agora com seus dias contados e dando o seu último vôo. O mercado ainda não se apercebeu dessa flagrante contradição: como pode uma moeda núcleo de um problema global, ainda ter procura? Veja-se que a primeira tentativa de se ir ao centro do problema, já se deu: foi quando o mercado quis avaliar a qualidade das hipotecas “sub-prime” americanas. Encontrou-se só fumaça, não há uma matéria real, uma garantia real por trás da operação: trata-se de uma operação “fria”.

Quanto tempo demorará ainda para que os operadores dos quatro cantos do mundo percebam que o dólar é a verdadeira moeda podre da vez? No entanto, o dólar já promete vida curta; veja-se a iniciativa atual do G20, tentando chamar o grupo de países para a corresponsabilidade de traçar novas bases para a economia global, o que passará certamente pela constituição de uma cesta de moedas desses mesmos países que compõem o G20, cesta essa que substituirá o dólar e que será guiada não mais pela especulação desenfreada. Acredito que essa nova moeda deverá ter o lastro fundado exclusivamente na economia real dos vários países do G20 e que também essa moeda seja assegurada através de completa regulação, se não anulação, da economia virtual, que tantos males já causou ao mundo com sua especulação, sua volatilidade e sua natureza incontrolável. E, dentro em breve, voltaremos a ter o sonhado crescimento efetivo e sustentado do mundo real que será atingido depois dessa fase dura de ajustes que deverá ser vivida pelos Estados Unidos e seu grupo G7, principais beneficiários dos últimos 70 anos da política global ditada por Bretton Woods.

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