SP não pode parar

Desembargadores se mexem para acabar com atraso

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30 de abril de 2011, 8h51

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A Resolução 542/2011 do Tribunal de Justiça de São Paulo, baixada com o objetivo de dar celeridade a prestação da Justiça no estado mais rico do país, controlar a produtividade dos desembargadores e extinguir o acervo de processos que entraram no Judiciário de São Paulo antes de 2006, começa a dar frutos, mesmo antes de sua efetiva aplicação.

Em suas andanças pelo país, o presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, tem destacado que não se pode submeter a sociedade à grande injustiça de não ver seus litígios terminados. A população, diz o ministro Peluso, anseia por uma Justiça mais eficaz, que resolva conflitos com a rapidez que o momento exige. "A aspiração por um resultado rápido é ingrediente de segurança jurídica e sem a qual o Direito não tem ética", afirmou no início de abril o presidente do STF numa palestra para advogados em São Paulo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo parece ter entrado em sintonia com o discurso do presidente do CNJ e do Supremo. Esta semana, ofícios encaminhados a desembargadores deram início a execução do que determina a Resolução 542/2011. Num primeiro, a presidência da corte paulista informa o número de processos anteriores a 2006 que estão ainda no acervo de desembargadores e juízes substitutos em segundo grau, em débito com a prestação jurisdicional. Em outro pede que os desembargadores justifiquem os motivos do atraso.

Depois dessas iniciativas, o próximo passo será dar início a redistribuição de um volume calculado em mais de 47 mil recursos da Meta 2 do CNJ que aguardam decisão. O presidente do Tribunal de Justiça,desembargador José Roberto Bedran, e o corregedor geral da Justiça, Maurício Vidigal, acompanharão as determinações da Resolução. O primeiro terá atribuição em relação aos desembargadores e o segundo em relação aos juízes substitutos em segundo grau. Em quatro meses, os cartórios encaminharão ao presidente e ao corregedor-geral informações sobre os processos que foram encaminhados à mesa de julgamento.

Muitos desembargadores se anteciparam às medidas e mandaram trazer para seus gabinetes os recursos que aguardavam decisão no chamado Acervo do Ipiranga, um velho prédio onde se acumulam processos já distribuídos aos relatores. Tem gente trabalhando como nunca para dar conta no prazo de 120 dias dos processos que ficaram anos encalhados. Como diz um desembargador, a Resolução 542 teve o poder de tirar da inércia uma parte dos integrantes da maior corte de Justiça do país.

O presidente do TJ-SP, desembargador Roberto Bedran, acredita que a corte paulista entrou nos trilhos. Sereno sem parecer alheio e seguro sem demonstrar arrogância, Bedran é o maestro dessa renovação, mas não aceita o carimbo de idealizador da Resolução. Atribui os louros ao Órgão Especial e à comissão de desembargadores que colocaram a ideia no papel. E o colegiado tem sido rigoroso na preservação dos objetivos da norma. Anulou duas tentativas de mudanças nas regras do jogo.

A Resolução
Baixada no final de março, a Resolução 542 tem como regra atingir a chamada Meta 2 do CNJ, que prevê que sejam julgados todos os processos que deram entrada até 31 de dezembro de 2006. Mas vai um pouco além ao fixar metas de produtividade para todos os desembargadores e possibilitar a aplicação de sanções administrativas para os que não as cumprirem. A norma determina nova distribuição dos processos que estão na corte até 2006. A redistribuição atinge os desembargadores com atraso no acervo e manda para os gabinetes dos magistrados que estão com os recursos em dia para que façam os julgamentos dos litígios parados por tanto tempo.

De acordo com o ato, os julgadores que receberão os acervos não serão prejudicados por terem sido mais rápidos. Para compensar, terão suspensa a distribuição. Os retardatários, ao se livrarem dos processos antigos, receberão três novos para cada um que mandarem aos seus colegas. Essa regra foi uma estratégia importante para arrefecer o ímpeto de quem não se conformava em trabalhar para os “outros”. Nos primeiros dias da resolução, havia até ameaças de representação ao CNJ.

Além disso, os processos antigos em mãos dos retardatários deverão ser julgados em 120 dias, sob pena de apuração de responsabilidade disciplinar. Da mesma forma, serão responsabilizados os que tiverem produtividade igual ou inferior a 70% da média da Seção onde atua. Há ainda outro detalhe: os que são professores terão reexaminadas as autorizações para docência. Em outras palavras: serão lembrados de que a magistratura é a atividade principal.

Para a maioria dos desembargadores paulistas, a Resolução 542, por si só, não será a solução para todos os problemas da morosidade da Justiça. Porém, ela tem a grande virtude de colocar um basta na tradição de tolerância que sempre existiu em relação aos atrasos nos tribunais. “Alguma coisa tinha que ser feita. Não era mais possível continuar na mesma situação, pois o jurisdicionado está na outra ponta aguardando a solução de seu litígio”, afirmou o desembargador Artur Marques.

“Os tempos mudaram, o tribunal mudou e o jurisdicionado também”, destacou Arthur Marques, que integrou a comissão responsável pela redação da Resolução 542. “O juiz deve estar preparado para as mudanças do mundo da tecnologia e da Justiça”, argumentou o desembargador José Reynaldo, integrante do Órgão Especial e da 12ª Câmara de Direito Privado. Ele lembrou da iniciativa do ex-presidente Celso Limongi, que quando dirigiu a corte mandou comprar notebook para os desembargadores.

Apelidados de “limonginhos”, os equipamentos ficaram encalhados. “Muitos foram devolvidos ainda empacotados”, contou o desembargador mostrando a resistência de desembargadores com o uso de novas tecnologias. José Reynaldo destacou, ainda, que a Resolução exige mudanças na administração dos gabinetes. Alguns desembargadores estão indignados com o ato que prevê intervenção na forma de gestão dos recursos da segunda instância e o acompanhamento rigoroso do acervo em poder do desembargador.

Levantamento disponível na página do CNJ aponta que o acervo geral na segunda instância do Judiciário paulista é de 626.687 recursos. Há desembargadores com o número de processos em dia, julgando recursos já na distribuição, enquanto outros julgadores têm acervo fora de controle. O levantamento aponta 56 desembargadores com mais de três mil recursos aguardando julgamento. Desses, 14 contam com acervo entre quatro mil e cinco mil processos.

Aposentadoria
No início de abril, o desembargador Antônio Carlos Vieira de Moraes decidiu antecipar a aposentadoria, depois de 30 anos de magistratura. O desembargador divulgou uma carta entre os colegas explicando os motivos de sua decisão. Disse que, em toda a sua carreira nunca foi alvo de uma representação sequer e agora estava sob o risco de ser objeto de uma investigação administrativa, por força da Resolução 542/2011.

"Sombrios tempos vive nossa Corte, que, com muito orgulho, até agora integrei, pois, sob os influxos inquisitoriais e midiáticos vindos de Brasília, pretende dar valor, apenas, ao ‘juiz moderno’, desprezando aqueles que não mostram condições de se adaptarem aos novos valores reinantes. Distribuir Justiça às partes, analisando criteriosamente cada caso, doravante assume papel secundário, pois o valor maior, agora, é produzir a qualquer custo e de qualquer forma”, afirmou o desembargador na carta.

De acordo com os últimos dados — de fevereiro — no site do Conselho Nacional de Justiça, informados pelo gabinete do desembargador, Vieira de Moraes tinha em seu acervo total 3.873 processos. O CNJ também informa que o magistrado esteve de férias no período de 7 de fevereiro a 4 de março.

“Sombrios tempos atuais onde se impõe ao magistrado que se dispa de sua toga para envergar um macacão fabril, transformando o legítimo operário do direito, como sempre fomos, em um mero aplicador de súmulas, ementas e decisões padrão, em busca, apenas, de atingir a produtividade estabelecida”, destacou ele na carta demonstrando sua insatisfação com o teor da Resolução.

“Se verdade que justiça tardia não é justiça, não menos verdadeiro que a pronta injustiça também não o é. E, muito mais grave, essa pronta injustiça é final e definitiva, pois produzida no segundo grau de jurisdição", completou.

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