Contramão do tempo

Lei que proíbe expressões estrangeiras é anacrônica

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25 de abril de 2011, 17h39

Causa arrepio, para não dizer frisson, a aprovação da lei do deputado Raul Carrion (PCdoB/RS), que proíbe o uso de expressões estrangeiras na comunicação social. A ideia do parlamentar é proteger o idioma de estrangeirismos que se incorporam à língua escrita.

Contraditória atitude de quem deveria ser “aberto” ao mundo; afinal o comunismo é fruto da internacionalização desde 1864 com a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) de Marx, com ápice em 1919 na III Internacional Comunista (Komintern) que espalhou as diretrizes ideológicas ao mundo. E nesse caso, a língua foi o mais ativo instrumento de divulgação.

Os tempos são outros e a pluralidade de ideias alcança espectro maior, inclusive para além da política. Mudaram comportamentos, grupos e formas de expressão.

Portanto, duvidosa, senão pífia, a medida legal. Com a palavra filólogos, linguistas e gramáticos que melhor demonstrarão que a vividez da língua é o que ela tem de mais importante, eis que se incorpora aos modos e usos do cotidiano. Os dizeres situam-nos no tempo e espaço. E tempo e espaço presentes são fluídos quase “líquidos”, no dizer de Zygmunt Bauman, em face à globalização e encurtamento de distâncias, do saber, da informação. Não há como ser local sem ser global.

O próprio deputado que acredita que “outro mundo é possível” sabe isso. Se assim não fosse, as ditaduras na África e Oriente não estariam ruindo graças a tweets, posts e blogs, com clicks em mouse ou send de celular.

As possibilidades de diversificação cultural e inclusão social, política, econômica estão ao alcance de todos aqueles que estejam abertos às experimentações sem o viés de xenofobia que contamina percepções.

Medida sã é educar o povo sobre a língua portuguesa, sem afastá-la do colorido de outros idiomas. Questões da língua são importantes demais para serem tratadas de forma prisioneira, pois como dizia Pessoa, no Livro do Desassossego “Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita (…)”.

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