Aplicação com qualidade

Pena não se confunde com vingança coletiva

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

23 de abril de 2011, 11h22

Discutida a questão das prisões brasileiras, duas posições discordantes surgem, entre muitas outras, quando predomina, na avaliação da matéria, o ângulo do pagador de impostos, de cujo bolso sai a construção de cadeias e a manutenção dos encarcerados.

O assunto perturba a avaliação racional da sociedade. Tome-se, em contraposição, o simbolismo econômico-social do trabalhador comum. Enfrenta a jornada diária de trabalho, com seus encargos de família, mas ganha por mês menos que o custo mensal de manter cada prisioneiro pelo Estado.

Ao lado das questões jurídicas e científicas do penitenciarismo contemporâneo, crescem as da delinquência e do sistema punitivo, no cotejar com a avaliação dos crescentes encargos envolvidos.

A complexidade do combate ao crime, nos três poderes constitucionais, é grande. Vai da elaboração de leis e códigos à sua aplicação prática, com a constante busca de aprimoramento; da vigilância e fiscalização preventivas às investigações e à captura dos delinquentes.

Completa-se no julgamento final, na condenação ou na absolvição. Tudo tem custo para a administração pública e, portanto, para a cidadania. E os custos tendem a aumentar sempre mais.

Devemos ter consciência de que a questão econômica não é a mais importante. A pena é dado fundamental no enfrentamento da criminalidade, mas não se confunde com atos de vingança coletiva.

Compõe os elementos de garantia da sociedade, quando tenha aplicação rápida sem perda da qualidade. Os pedidos da população para o agravamento desmedido das punições não satisfazem o requisito da defesa da comunidade, cuja realização não tem sido assegurada pela administração.

Sabe-se que faltam prisões. O espaço disponível para recolhimento dos condenados é insuficiente. O ritmo da construção de novos presídios, mesmo lento, sai de nosso bolso, por meio de impostos e taxas cada vez mais altos.
Sendo certo que todos pagamos pelo enfrentamento da criminalidade, o assunto não é só dos governos, mas reclama que a comunidade conheça o problema, esteja atenta para o que vem sendo feito e daquilo a se fazer.

As prisões superlotadas de hoje são o oposto do desejável. Não diminuem o custo médio de cada criminoso recolhido. A violência e a promiscuidade estimulam mais delitos. O quadro se completa ao se saber, na teoria e na prática, que a avaliação social das comunidades brasileiras mostra grande descrença nos resultados obtidos pelos três poderes constitucionais.

Os desejáveis resultados não têm surgido. Desse modo, para discutir qual o melhor efeito concreto, com menor gasto operacional, seria bom que houvesse cadeias bem aparelhadas, seguras, aptas à classificação dos tipos de condenados, para sua distribuição ponderada, a ponto de impedir que autores de condutas mais graves, sob penas mais longas, se tornem mestres ou estimuladores de novos criminosos.

Se o Judiciário tivesse condições administrativas e humanas de ser menos lento, seria afastada a quase certeza de que apenas uns poucos são condenados e levados a cumprir condenações, raramente em prazo integral.

Ressalvado que o problema não é apenas brasileiro, a distância entre as providências necessárias e o mínimo exigido a curto prazo parece imensa.

*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, neste sábado (23/4).

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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