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A biblioteca do criminalista José Roberto Batochio

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20 de abril de 2011, 11h21

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"Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca." A frase de Emil Sinclair, personagem de Demian, escrito por Hermann Hesse, sintetiza a relação que o criminalista José Roberto Batochio tem com os livros. Na juventude, leu por conta própria Ilíada e Odisséia, de Homero, e já demonstrava interesse pelos títulos que tratavam de crimes, investigações e da busca pela liberdade, conceitos ligados à área em que atua. "Gosto de todos os gêneros. Claro que tenho meus preferidos, mas meu prazer é, sobretudo, pela leitura."

Na infância e na juventude, quando passava o tempo lendo grandes clássicos, Batochio talvez não imaginasse o quanto o hábito da leitura e o conhecimento conquistado por meio dos livros o ajudariam em seu ofício. "Quem não lê, não escreve, isso todos nós já sabemos. Mas quem não lê muito, não constrói metáforas, o que muitas vezes é a diferença para quem trabalha com o convencimento." Mas não é apenas em suas peças que é possível encontrar um traço literário. A leitura também fez do criminalista um bom orador.

Ao defender, no Supremo Tribunal Federal, o então deputado Antonio Palocci (PT-SP), quando acusado de mandar quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo, o advogado disse: "Senhores ministros, a imprensa fica verdadeiramente fascinada com essas ilações entre o humilde, o desvalido e o poderoso, o ministro mais forte do governo. Mas isso, senhores ministros, é uma versão falsificada de Davi contra Golias".

Para Batochio, as metáforas não devem ser encaradas apenas como analogias, como um simples jogo de palavras. Elas devem lembrar o advogado do alto grau de responsabilidade que ele tem ao desempenhar sua atividade, na medida em que está decidindo sobre a liberdade de um semelhante. "Esse grau de responsabilidade é sempre uma advertência que nos chama para a gravidade do assunto e a seriedade com que devemos enfrentá-lo. Não sou um devoto da justiça. No meu altar, há a deusa da liberdade. E defender a liberdade do outro é algo muito grave e muito sério."

O criminalista celebrizou-se como pai do Estatuto da Advocacia, lei cuja aprovação ele garantiu como presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que complementaria mais tarde como deputado federal.


Primeiros livros
O Tesouro da Juventude, coletânea de contos, foi o primeiro livro que Batochio leu, mas o criminalista também destaca obras do acervo infantil de Monteiro Lobato. "Ficava fascinado ao ler Os 12 Trabalhos de Hércules e Reinações de Narizinho. Mas Monteiro Lobato deve ser lembrado não só por seus títulos infantis. Ele tem títulos premonitórios, como A Onda Verde e o Presidente Negro", afirmou o advogado, fazendo uma relação com a escolha por Barack Obama como presidente dos Estados Unidos.

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Julio Verne – 20 mil léguas submarinas - Divulgação

Durante a infância, deixou-se levar pelas aventuras de Julio Verne, principalmente Vinte Mil Léguas Submarinas, com a misteriosa e intrigante personalidade do capitão Nemo. "Um misantropo que resolveu abrigar-se nas profundezas do mar, com as suas invenções científicas maravilhosas, como uma espécie de protesto e repulsa ao que ele tinha vivenciado na sociedade, acredito. Imagine o que isso provocou na cabeça de um garoto de 10 anos.

Muitos autores franceses também contribuíram para o pensamento de Batochio. Ele se lembra que, na época em que estudou o curso clássico, em Avaré — cidade do interior de São Paulo onde nasceu —, seu professor de língua francesa foi fundamental. "Era um professor muito disciplinado, nos ensinava gramática e literatura e exigia muito dos alunos, principalmente de mim, pois não aprovava muito meu comportamento. No fim do ano, não havia mais festa nem baile. Trancava-me no quarto e estudava todos as obras que tínhamos estudado durante o ano." Entre elas, Os Miseráveis, de Victor Hugo, J’accuse, de Émile Zola, Atala, de François-René de Chateaubriand, Os Subterrâneos do Vaticano, de Andre Gide, e Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand.

Ainda na juventude, partiu para as obras do russo Fiódor Dostoievski, referência para Batochio em relação aos temas ligados ao Direito Penal. Ele destaca Crime e Castigo e o semibiográfico Recordações da Casa dos Mortos, em que o autor usou a experiência vivida nos tempos em que esteve preso, em função de sua condenação por envolvimento com o Círculo de Petrashevsky. “São obras que tratam fundamentalmente de punição, cumprimento de pena, julgamento, investigação”.

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Herman Hesse - Demian - Divulgação

Mais tarde, veio Demian, de Hermann Hesse, outra referência para o criminalista por seu conteúdo psicológico. O livro conta a crise existencial vivida por Sinclair e seu processo de "libertação", tendo como uma de suas maiores influências a amizade com Max Demian, seu colega de classe. "É a tensão dialética entre o puritano e o conservador, o virtuoso e o burguês devasso dentro de cada um de nós. Esse conflito resume, na verdade, todo o dilema humano. Você está sempre escolhendo o correto, o puro, o ético ou fazendo concessões ao prazer." Para o advogado, a dialética que o personagem central viveu é enriquecedora como uma forma de introspecção, uma análise da sua própria conduta.


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O Primo Basílio – Eça de Queiroz - Divulgação

Literatura
Da literatura clássica, Batochio destaca O Primo Basílio, do português Eça de Queiroz, e Memórias Póstumas de Braz Cubas, de Machado de Assis, títulos que, apesar de terem sido lançados no século XIX, transcendem o tempo. "A alma humana é atemporal, ela reedita sempre as suas misérias e as suas grandezas, independentemente das circunstâncias."

Mas Batochio não dispensa um livro simplesmente pelo gênero ou pela capa. Não tem vergonha de dizer que leu O Monge e o Executivo, de James Hunter, Comer, Rezar e Amar, de Elizabeth Gilbert, e algumas obras de Paulo Coelho. "Só posso criticar aquilo que conheço. Paulo Coelho, por exemplo, não me sensibiliza. Mas recentemente li Meu Querido John [de Nicholas Sparks], uma história simples, até mesmo banal, mas escrita com muito talento, o que é o mais importante. Li o livro em dois dias."


Biografias
O criminalista também é um leitor voraz de biografias, entre elas Médico de Homens e de Almas, sobre São Lucas, o único apóstolo que não era judeu; e Um Pilar de Ferro, que conta a história de Marco Túlio Cícero, orador e político romano defensor da república; ambos da britânica Taylor Caldwell.

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Mauá, Empresário do Império - Jorge Caldeira - Divulgação

Porém, Mauá, Empresário do Império, do jornalista Jorge Caldeira, foi bem mais revelador para o criminalista. O título fala sobre Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, de sua ousadia como empreendedor e dos adversários do Império que combateu para poder expandir seu próprio império, também em benefício do país. "Depois de ler essa biografia, me dei conta de que tivemos um processo de colonização inverso ao processo americano. Enquanto que nos Estados Unidos há o american dream, aqui há o brazilian nightmare, em que todo empreendedor é caçado, espezinhado, atacado, tributado, perseguido, grampeado e investigado até que ele perca sua audácia e reflua para a mediocridade, onde todos nadam placidamente."

Para Batochio, Mauá foi um founding father (pai fundador), maneira como os americanos chamam as personalidades que lançaram fundamentos da nação, como George Washington. Mauá não foi aplaudido nem homenageado por isso. "Tivemos um processo de colonização exploratória, não houve o heroismo dos americanos. Por isso, muita gente não se dá conta que Mauá fundou o Banco do Brasil com o intuito de fomentar o nascimento e o desenvolvimento de empresas, de atividades industriais e comercias, ou seja, de tirar o Brasil dessa posição de colônia extrativista. Seu temperamento empreendedor despertou nos burocratas da corte, que viviam de heranças e descendências, um ódio mortal. Eles enxergavam aquele talento pulsante, que gerava riquezas e ideias, mas se ocupavam em intrigar Mauá perante o imperador. Esse tipo de perseguição ainda acontece."


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Ken Follet – Os Pilares da Terra - Divulgação

Li e recomendo
O advogado costuma descobrir bons títulos em suas viagens. "Fico neurastênico se não levo algo para ler quando viajo. Muitas vezes descobri autores com uma leitura prazerosa entre uma viagem e outra." Sua última descoberta foi a obra do galês Ken Follet. "Comprei Os Pilares da Terra na livraria do aeroporto e fiquei fascinado. Ele tem uma vasta bibliografia e escreveu, principalmente, sobre a história da Inglaterra na Idade Média. São histórias que mostram a influência do Clero, a tirania da nobreza, o sofrimento dos vassalos, dos servos da gleba." Os Pilares da Terra, romance histórico sobre a Inglaterra do século XII que tem como pano de fundo a construção de uma catedral, teve continuação: Mundo Sem Fim.

Batochio também gosta da bibliografia da chilena Isabel Allende, porém, destaca A Ilha sob o Mar. A obra trata do processo de independência do Haiti, que sofreu uma brutal colonização francesa e espanhola, e se desenvolve a partir do romance entre a escrava Zarité e o senhor de engenho Toulose Valmorain. "O Haiti foi a primeira república negra do mundo nascida de uma insurreição dos negros escravos. Jamais imaginei que a história da independência da ilha tivesse sido tão heróica."

Entre os romances históricos, destaca ainda A Catedral do Mar, do advogado catalão Ildefonso Falcones de Sierra. Ele conta parte da história da Barcelona medieval a partir da vida de Arnau Estanyol e a construção da Catedral de Santa Maria Del Mar. Entre os brasileiros que também se dedicam a esse nicho literário, Batochio aponta o jornalista Laurentino Gomes como um dos nossos talentos contemporâneos. Ele é autor de 1808 e 1822, obras que tratam da chegada da família real portuguesa ao Brasil, no primeiro, e o retorno da corte a Portugal, no segundo.


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Basileu Garcia – Instituições de Direito Penal - Divulgação

Livros jurídicos
Batochio destaca três grandes penalistas: os brasileiros Aníbal Bruno e Basileu Garcia e o alemão Claus Roxin. "Os três são antigos, porém, o rigor científico e a precisão de seus conceitos jamais foram ultrapassados."

Basileu Garcia, autor de Instituições de Direito Penal, foi orientador da dissertação de mestrado de Batochio. Também indica Democracia nas Américas, de Alexis de Tocqueville, e A Nova Defesa Social, de Marc Ancel.


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Clint Eastwood – Além da Vida - Divulgação

Música e cinema
"Uma das minhas frustrações é não saber tocar um instrumento", afirma Batochio, que atualmente está revendo várias óperas. As últimas foram O Barbeiro de Sevilha, de Rossini; Rigoletto e Aida, de Verdi; La Bohème, de Puccini; e Carmen, de Georges Bizet. Entre os clássicos, tem preferência pela Aria na Corda de Sol, de Bach, e Träumerei, de Schumann. Ele também gosta de música popular brasileira e canções executadas com gaitas escocesas, também chamada de pipe music.

Quando o assunto é filme, apesar de não frequentar muitos cinemas, prefere os gêneros aventura e suspense. "Gostei muito do último filme que Clint Eastwood dirigiu, Além da Vida. É um filme que gravita um pouco pela metafísica e é completamente diferente de tudo que ele fez até agora."

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