Dívidas agrícolas

Negócio válido e eficaz afasta dever de indenizar

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19 de abril de 2011, 11h30

‘‘O autor teve a oportunidade de ler os contratos e os assinou, sem qualquer alegação de que estivesse sendo coagido a fazê-lo. Neste passo, não é razoável que, estimulado pela necessidade na utilização dos valores, no caso para compra de insumos, assuma, de livre e espontânea vontade, o contrato, para depois, em razão da inadimplência, alegar ausência de ânimo de contratar e ilegalidades no ajuste.’’ O entendimento unânime é da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou provimento à apelação de um associado que perdeu na primeira instância ação revisional de contrato interposta contra a Cooperativa Tritícola Santa Rosa. O julgamento do recurso ocorreu em 24 de março, com a participação dos desembargadores Ergio Roque Menine, Paulo Sérgio Scarparo e Marco Aurélio dos Santos Caminha (relator). Cabe recurso.

Na fase recursal, o agricultor cooperado desfiou uma série de fatos para embasar seu triplo pedido — ação ordinária de revisão de contrato, repetição de indébito e reparação a título de danos morais. O pedido foi negado pela juíza de Direito Inajá Martini Bigolin de Souza, da 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Rosa.

De relevante, pediu novamente a nulidade das cláusulas contratuais, por afronta às regras do Código de Defesa do Consumidor. Sustentou previsão de capitalização mensal dos juros e comissão de permanência, além dos juros remuneratórios superiores a 12% ao ano. Esclareceu que as Cédulas do Produto Rural (CPRs) firmadas com a Cooperativa ensejaram dação em pagamento para quitação integral da dívida. Referiu tratar-se de contratos de adesão, cujas cláusulas são impressas previamente e sem anuência do contratante. Aduziu a necessidade de exclusão das cláusulas abusivas, a seu ver, nulas de pleno direito. Finalmente, mencionou ter sofrido dano moral, pois a ré deixou de conceder-lhe benefícios, garantias e ofertas de créditos estendidos aos demais associados.

A Cooperativa apresentou contra-razões. Ressaltou a ‘saúde’ dos títulos, a existência da dívida e negou o tratamento diferenciado. Explicou que o demandante não quitou sua dívida nem comercializou seus produtos com a associação. Asseverou que a dação em pagamento quitou apenas parte do débito. Sustentou ausência de previsão de cláusulas abusivas ou cobrança de juros exorbitantes. Rechaçou a alegação de ocorrência de danos morais. Por fim, pediu o desprovimento do recurso.

O relator do recurso, desembargador Marco Aurélio dos Santos Caminha, examinando os documentos juntados na inicial, identificou as CPRs contratadas: a de número 3687, emitida em 29 de dezembro de 1999, vencida em 30 de abril de 2000, para entrega de 30.323kg de soja; a de número 4043, emitida em 22 de agosto de 2001, vencida em 30 de abril de 2002, para entrega de 12.120kg de soja; a de número 5058, emitida em 20 de maio de 2002, vencida em 31 de março de 2003, para entrega de 4.823kg de soja; a de número 3772, emitida em 22 de agosto de 2001, vencida em 30 de abril de 2003, para entrega de 13.320kg de soja; e a de número 3773, emitida em 22 de agosto de 2001, vencida em 30 der abril de 2004, para entrega de 14.888kg de soja.

Conforme o acórdão, as partes firmaram contrato de dação em pagamento para viabilizar renegociação da dívida e encontro de contas. Ou seja, ficou evidente que a emissão das CPRs não se deu em função de um financiamento propriamente dito, mas para quitação de dívidas vencidas e impagas, relativas à aquisição de insumos agrícolas para o plantio de safras pelo embargante, diretamente da embargada. O relator citou, ipsis literis, parte da fundamentação da juíza Inajá Martini Bigolin de Souza, para deslindar o caso:

‘‘Desta forma, conclui-se que, em relação às CPRs nºs 3772 e 3773, houve, sim, uma sub-rogação de dívidas. A CPR nº 4043, sinale-se, embora tenha data de emissão coincidente com a lavratura da dação em pagamento e das CPRs 3772 e 3773, e, apesar de conter obrigação idêntica à avençada na dação, não possui a mesma numeração da emitida quando da dação, para a entrega de produtos (lembrando que a emitida foi a de nº 3770). Portanto, não se mostra crível a tese do Autor de que todos os débitos foram quitados com a dação, pois, repita-se, no próprio termo o Autor, além de dar em conta bens móveis, assumiu outras obrigações insertas em CPR. Com efeito, três das Cédulas advém de renegociação, mas as de nºs 4043 e 5058, não. Diante disso, a possibilidade de revisão das obrigações assumidas pelo autor somente poderia afetar as Cédulas comprovadamente vinculadas a dívidas anteriores…”.

Caminha ressaltou que, embora exista divergências jurisprudenciais, entende que a relação entre cooperado e cooperativa, de fato, está sujeita às normas do CDC, ainda que se cuide de ato cooperativo, pois a demandada atua como fornecedora de produto ― nos exatos termos do artigo 2º da Lei n. 8.078/90 ― enquanto o produtor, como destinatário final dos bens adquiridos (artigo 3º da mesma lei).

Entretanto, para o relator, o negócio jurídico revelou-se válido e eficaz, não só porque não houve a alegada simulação ou coação, bem como porque firmado por pessoas absolutamente capazes para gerir os atos da vida civil. ‘‘Registre-se que o termo foi assinado pelas partes, duas testemunhas e não recebeu qualquer impugnação’’, observou. Assim, encerrou, não há que se falar em encargos abusivos ou valores a restituir e compensar — bem como na existência de ato ilícito a amparar dano moral.

Leia aqui a íntegra do acórdão.

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