Desvio de função

Fisco paulista e MP unem o inútil e o desagradável

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18 de abril de 2011, 5h46

A Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo divulgou recentemente que estaria desenvolvendo e ampliando ações conjuntas com o Ministério Público para combater fraudes e sonegação.

A notícia ainda informa que o MP vai participar de diligências para reunir provas de infrações fiscais e que haverá treinamento oferecido pela Fazenda e que tudo é parte de um termo de cooperação entre as duas instituições.

Parece-nos que as tais ações conjuntas entre fisco e MP correm o sério risco de se tornarem exageramente dispendiosas para o erário e ainda podem dar margem a discussões jurídicas que resultarão na nulidade de atos e diligências que venham a ser praticados em desconformidade com a lei.

A Constituição Federal define (artigos 127 a 130) as funções do MP e dentre elas não está mencionada qualquer ação relacionada com fiscalização de tributos ou mesmo com a investigação de crimes de qualquer natureza.

O MP deve exercer o controle externo da polícia, requisitar diligências e instauração de inquérito, mas quem realiza a investigação é a polícia, nos termos do que determinam, respectivamente, os artigos 130 e 144 da CF.

No caso de sonegação de tributos estaduais (este é o campo de atuação da Secretaria da Fazenda) a investigação de crimes cabe exclusivamente à polícia civil, na forma do parágrafo 4º do citado artigo 144.

Por outro lado, a Lei Orgânica estadual 939/2003, é bem clara no seu artigo 5º, inciso IX que uma das garantias do contribuinte neste estado é “o não encaminhamento ao Ministério Público, por parte da administração tributária, de representação para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária enquanto não proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente”.

Ora, se somente após o julgamento administrativo final é cabível a representação para fins penais, claro está que a participação de representantes do MP em diligências no ato de fiscalização é absolutamente nula, pois o MP não tem a função de fiscalizar tributos. Essa atividade é privativa de agentes fiscais de rendas, funcionários especializados e treinados para todas as verificações que se tornem necessárias. São técnicos selecionados através de um dos mais rigorosos concursos do país e treinados permanentemente numa escola fazendária de excelente nível técnico.

A Lei 6.374/2009, em seu artigo 72, parágrafo 1º, estabelece que:

§ 1º – A fiscalização compete, privativamente, aos Agentes Fiscais de Rendas que, no exercício de suas funções, deverão, obrigatoriamente, exibir ao contribuinte documento de identidade funcional fornecido pela Secretaria da Fazenda.

Em determinada ocasião um contribuinte que havia sido autuado pelo fisco federal foi intimado para prestar esclarecimento ao MP (no caso o federal) sobre a autuação e seu advogado respondeu por escrito informando que não poderia ele comparecer porque só estava legalmente obrigado a dar explicações por escrito ao fisco ou verbalmente em juizo, o que faria no momento oportuno. O representante do MPF, que já havia intimado e ouvido outras pessoas, preferiu não insistir no depoimento.

Também já ocorreu que um investigador de polícia compareceu a uma loja pretendendo examinar livros fiscais e, ante a recusa, deixou intimação para que os livros fossem remetidos à delegacia. O contribuinte informou ao delegado que livros fiscais só podem ser examinados pelo fisco e que um agente fiscal de rendas do estado ou auditor fiscal de receita federal poderiam obtê-los a qualquer momento, na forma da lei.

Ora, se a lei que regula o ICMS no estado diz que só o fiscal pode fiscalizar e se isso implica diversas diligências, não há nenhuma razão para ocupar o precioso tempo de membros do MP para fazer um trabalho que a lei diz que não lhes compete.

O Decreto federal 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda), em seus artigos 904 e 908, afirma que a fiscalização tributária é de competência exclusiva do Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. Também aqui a presença de membro do MP é desnecessária.

Não podem os policiais civis e nem mesmo os policiais federais, sejam investigadores, agentes, detetives, escrivães, peritos ou mesmo delegados, desempenhar tarefas privativas de agentes fiscais federais ou estaduais. Quando tomarem conhecimento de possíveis denúncias, deverão reduzi-las a termo, identificando o denunciante na forma da lei, até para que este responda, se for o caso, pelo crime de denunciação caluniosa. Registrada a denúncia, deve ser acionada a autoridade fazendária competente, esta sim autorizada a fazer as averiguações necessárias, a requisição de livros e documentos, e tudo o que for necessário para a apuração do tributo eventualmente sonegado.

Ademais, todos sabemos que os membros do MP , além de não possuirem o mesmo conhecimento e o mesmo treinamento que os agentes fiscais, possuem inúmeras outras funções em que sua presença e atuação são indispensáveis, e que são tantas e de tantas espécies, que seria cansativo relacionar neste espaço.

Caso o agente fiscal de rendas tenha alguma razão para suspeitar que sua ação será rejeitada, impedida ou prejudicada pelo contribuinte, basta que ele requisite a força policial da PM, conforme a lei prevê.

Considerando tudo isso e especialmente o fato de que os membros do MP já estão assoberbados de trabalho, com inúmeros encargos tão relevantes e perigosos, resta-nos a dúvida sobre quais seriam os motivos de tanto interesse em desenvolver uma ação que a lei não prevê. Não se trata, por certo, de uma situação de calamidade, de extrema urgência, pois a arrecadação do estado vem crescendo acima da inflação, com resultados extraordinários. Não podemos acreditar que haja alguém interessado em desprestigiar os agentes fiscais de rendas do estado, como se estes necessitassem de algum tipo de supervisão em seu trabalho. Isso já existe internamente na Fazenda e consta que funciona muito bem. Assim, a presença do MP na ação fiscal não vai ajudar nada, mas pode atrapalhar. Portanto, é inútil.

E considerando que muitas pessoas imaginam que Ministério Público serve só para pedir a condenação de bandido e dar entrevista na TV, a presença durante a ação fiscal, antes de qualquer lançamento, pode servir para constranger desnecessariamente o contribuinte. Portanto, é desagradável. Em síntese: o tal convênio consegue unir o inútil ao desagradável.

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