Segunda leitura

A administração do tempo e o profissional do Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

17 de abril de 2011, 10h26

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Administração do tempo / profissional do Direito. A administração do tempo deve ser separada por uma barra do profissional do Direito? Será que uma coisa nada tem a ver com a outra? A resposta é: não, ao contrário, deve ser conhecida e aproveitada.

Evidentemente, o curso de Direito não se preocupa com este tipo de estudo. Afinal, tantas e tão complexas são as matérias da graduação, que ninguém teria tempo de pensar em administração do tempo, oratória, relacionamento humano, condução de reuniões e outros temas paralelos às profissões jurídicas. Só que eles serão, mais tarde, decisivos. Podem ser a diferença entre o fracasso e o sucesso.

Minha preocupação com o assunto começou quando era juiz de primeira instância. Percebi que não bastava trabalhar muito para ter a Vara em dia. Era preciso eliminar atos inúteis. Atualmente, o tema desperta maior interesse, principalmente na área da administração de empresas. Há uma grande quantidade de livros  cursos, inclusive alguns por preço irrisório (R$ 30),outros on line, beneficiando quem não mora nos grandes centros. No mundo jurídico, contudo, a matéria é praticamente ignorada.

Mas, como, onde e quando o operador jurídico pode (ou deve) administrar o seu tempo? A resposta varia conforme a profissão. Há, todavia, uma premissa que vale para todas: o profissional que vive às voltas com dezenas de coisas, perdido em meio a papeis, que não almoça porque não tem tempo e sai do trabalho depois das 21 h, não é um herói nacional, na verdade, é um incompetente.

Se uma pessoa adota este tipo de vida e faz dele sua rotina, é porque não sabe cuidar de si próprio, de sua família, de sua profissão. Quem não consegue pôr ordem na sua rotina, como cuidará de seu gabinete ou do seu escritório? Não fomos colonizados por ingleses, por isso, respeitar horários não é nosso forte. Mas um pouco de organização não faz mal à vida de ninguém.

Entre os profissionais do Direito, o magistrado, por ser o condutor do ritual judiciário, é o ator principal. Cabe-lhe cuidar do tempo em respeito à administração da Justiça e a todos que dela necessitam. Só que isto não lhe é ensinado nas Escolas da Magistratura, faz por iniciativa própria ou não faz. Vejamos alguns exemplos.

O juiz de primeira instância, que marca duas ou mais audiências para horários próximos e deixa as pessoas esperando, não só é um mau administrador do tempo como pode chegar a ser um irresponsável. Na sala de testemunhas podem estar um médico cheio de compromissos, um policial com muito serviço à sua espera, uma mãe que necessita apanhar o filho na escola ou simplesmente alguém que, com todo o direito, deseja ir caminhar em um parque. Portanto, audiências devem ser marcadas com um mínimo de previsibilidade de horário e, se houver atraso, um pedido de desculpas com justificativa cairá muito bem.

Nas solenidades do Judiciário nunca se começa na hora. Imagine-se uma posse de desembargador. O convite é para as 17 h. O relógio marca 17h45 e nada. As autoridades estão em uma sala VIP tomando café e falando sobre amenidades. Mas aquele que, cumprindo o horário, às 17 h colocou-se no auditório, tem que esperar. Como se seu tempo de nada valesse. Óbvio que nada justifica tal atraso (nem mesmo esperar a chegada do governador) e que isto constitui um desrespeito.

Nas sessões de julgamentos nos Tribunais, pouca importância se dá ao tempo de duração. Alguém já pensou sobre o gasto de dinheiro público com uma simples hora de discussões desnecessárias? Imagine-se os vencimentos dos magistrados, dos servidores envolvidos, energia elétrica, aparelhos e toda a estrutura necessária.

Evidentemente, não estou a dizer que o julgamento deve ser rápido para que haja economia. Mas estou a observar que quando as discussões são absolutamente desnecessárias, está-se, sim, a gastar dinheiro público inutilmente. Por exemplo, em casos repetitivos, o relator não precisa ler o extenso relatório e um voto cheio de citações de doutrina e jurisprudência para concluir o que todos já sabem. O seu precioso tempo deve ser reservado para as discussões de teses controvertidas. Neste particular o ministro Luiz Fux, do STF, tem conduta exemplar, pois apenas explica o seu voto e lê a ementa.

Nos escritórios de advocacia há uma noção mais acentuada de que tempo é dinheiro. Alguns advogados, mais refinados, cobram os honorários com base no tempo de atendimento. Mas, ainda assim, nunca é demais lembrar que um advogado organizado não faz o cliente aguardar na sala de espera, não se atrasa para as audiências (mesmo sendo o tráfego caótico), nelas não faz perguntas inúteis, mantém um arquivo de petições que lhe permite agilizar os serviços do escritório, só procura falar pessoalmente com o juiz quando é realmente necessário e daí é direto e objetivo, não faz sustentação oral em casos que a dispensam (v.g., de jurisprudência pacífica).

Tudo o que se disse vale para o caso de intimação para comparecer no Ministério Público, seja como testemunha em um inquérito civil, seja para uma reunião para deliberar sobre um TAC.

Também nas delegacias de Polícia, onde não se justifica, exceto por absoluta impossibilidade, deixar a vítima aguardando para que seja lavrado um B.O. ou uma testemunha para prestar um depoimento. Felizmente, agora, nos casos de prisão em flagrante os depoimentos são tomados e vítima e testemunhas dispensadas, enquanto no passado tinham que aguardar o término do auto.

Os professores de Direito também devem organizar o seu tempo. Não podem converter-se em tutores de seus alunos, mesmo dos orientandos. Fixar hora para início e término de uma reunião e um dia da semana para troca de e-mails será uma boa forma de administrar o tempo.

Finalmente, os alunos. Dividir o tempo de estudo, os prazeres da juventude, o estágio e as atividades paralelas, é uma arte. Se não for bem exercida, fatalmente se pagará por isso mais tarde.

Em suma, o bom profissional sabe separar o tempo e dele tirar o máximo proveito, inclusive para cuidar de sua vida, saúde e felicidade. Aqueles que não têm agenda, não delegam, mandam e respondem e-mails 24 horas por dia, almoçam às 3h da tarde e saem do trabalho às 21 h, não são modelos a serem seguidos. Quem não sabe administrar sua vida não sabe administrar seu trabalho. É a minha opinião, com todas as vênias e até uma condescendente simpatia aos “trapalhões jurídicos”. 

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