Patrimônio da humanidade

Ideia não é objeto de proteção de direito autoral

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17 de abril de 2011, 8h38

Aplicando novo entendimento acerca da Lei dos Direitos Autorais, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reverteu decisão que havia condenado a Sul América Capitalização e a Sul América a indenizarem o criador de um título de capitalização inédito. Segundo o relator do caso, o desembargador Benedicto Abicair, "ideias, métodos, sistemas, projetos, esquemas, planos e negócios não são objeto de proteção do direito autoral".

Com a decisão, o representante comercial Rildo Ferreira, de 44 anos, não será indenizado em R$ 30 mil pelos danos morais sofridos. A história do representante comercial com a seguradora começou há dez anos, quando ele ainda era corretor de seguros e teve uma ideia inédita: incorporar ao título de capitalização o consórcio de motocicletas. Era 1999 e a fase do oba-oba do Real estava chegando ao seu fim. Pouco tempo depois, o sucesso foi copiado pela Sul América Capitalização, segundo ele.

O Moto Fácil de Rildo viraria, dois anos depois, o Super Moto Fácil da líder de mercado. Com a condenação imposta pela 4ª Vara Cível do Rio de Janeiro, no valor de R$ 30 mil por direitos autorais, a Sul América recorreu da decisão.

Segundo o relator do caso no TJ fluminense, a indenização não seria cabível, "pois a Constituição da República Federativa do Brasil consagra os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa. Não é possível a monopolização de ideias pois as mesmas são patrimônio comum da humanidade".

"Não merece o pleito do autor, ora apelado, de ser indenizado pelos serviços de corretagem que prestou pois sua relação contratual era com a Corretora Case, não tendo o apelado vínculo jurídico com os apelantes", anotou o relator.

E mais: "as apelantes terem se utilizado das supostas ideias ou métodos do apelado para otimização de venda de títulos de capitalizção de nichos específicos não configura enriquecimento sem causa".

O advogado que defendeu a Sul América, Rodrigo Borges Carneiro, do escritório Dannemann Siemsen, conta que hove falta de originalidade na poposta de Rildo. "A Sul América já vendia título de capitalização. O que o Rildo fez foi perceber que era mais fácil vender moto". Segundo o advogado, o Direito Autoral defende a forma, mas não pode defender a teoria. Para isso, existe outra opção. "A patente poderia proteger a ideia, mas ele nunca teve uma".

"Antes e depois de Rildo"
Ao contar sua história, Rildo brinca dizendo que "os títulos de capitalização podem ser divididos em a.R. e d.R.", em alusão aos marcos antes de Cristo e depois de Cristo. "O meu produto deu origem a produtos específicos que atendiam à necessidade do mercado naquele momento", conta. Ele lembra que o Moto Fácil nasceu quando ele se deu conta de que, em primeiro lugar, os consórcios de automóveis eram pouco acessíveis. Depois, ele atentou para o fato de que Goiânia possuía a terceira maior frota de motocicletas do Brasil.

Na época, a Sul América Capitalização possuía outro plano de capitalização, o Multicompras. "Mas era um produto sem apelo comercial. Com o Moto Fácil, a pessoa ia ao stand do shopping, colocava o filho na garupa e sonhava com a moto", recorda. Em um ano de experiência, foram quatro mil títulos vendidos. Ao passo que, em seis meses, a empresa havia comercializado apenas oito títulos de seu produto. As prestações variavam de R$ 30 a R$ 90. "Por volta de 80% da clientela era formada por mulheres. Elas iam em busca da Honda Bizz."

A história de Rildo acompanha a história da doutrina dos direitos autorais no Brasil. Thiago Carvalho Santos, advogado de Rildo, conta que o caso é novo na medida em que leva em conta a distinção entre planos de negócios — que não encontraria respaldo no ordenamento jurídico — e produto com finalidade lucrativa. Em junho do ano passado, a 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro julgou-se incompetente para analisar o pedido. A competência foi, então, transferida para uma vara cível.

Carvalho Santos explica que o centro da questão é o artigo 7º da Lei 9.610, de 1998, que trata dos direitos autorais. Se, de um lado, tem-se a interpretação da legislação a favor de inventores e inovadores, de outro, parte da magistratura ainda é conservadora e entende como limitado o número de bens protegidos sob o texto legal. "Muitos juízes ainda se prendem exclusivamente à lei", lamenta o advogado.

Já no caput estaria a certificação de que o dispositivo vai além, segundo ele. "São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro." São elencadas depois diversas criações como pinturas e fotografias e programas de computador. Para alguns juízes, a expressão "tais como", seria taxativa, e não exemplificativa, restringindo as obras protegidas.

De acordo com a decisão de primeira instância, "foi o autor quem vislumbrou o nicho de mercado, desenvolvendo não só o produto e sua denominação, mas também o marketing e a técnica de comercialização". Ainda de acordo com a sentença, "a criação de um método inédito de um plano de vendas para um produto é, sem dúvida, juridicamente protegida pela legislação pátria como obra intelectual, criação de espírito que, materializada, passou a ter conteúdo econômico e não pode, sem a autorização do seu inventor, sem aplicada e utilizada".

Ao comentar a Lei de Direito Autoral, o advogado Carvalho Santos explica que ela surgiu em momento dinâmico, no qual "o criador, por vezes, perde o controle de sua criatura. Nem por isso, o direito autoral desaparece ou sofre limitações que impeçam o criador de usufruir os benefícios de seu trabalho inventivo". Ainda de acordo com a defesa, essa área é complexa porque "trata de um produto peculiar e único no mundo: a ideia criativa que se transforma, gerando uma propriedade diferenciada, devendo ser protegida".

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