Metas do CNJ

CNJ impõe tarefas de administradores a juízes

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17 de abril de 2011, 7h07

Suum cuique tribuere (lema do TJ-BA)[1]

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou no dia 31 de março o Relatório Final sobre o cumprimento das metas prioritárias do Poder Judiciário para 2010. A meta 1 previa o julgamento de “quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque”. Em nível nacional, esta meta teve cumprimento de 94,23%. Com relação à justiça estadual, o percentual de cumprimento pode ser verificado no quadro ao abaixo.

Jeferson Heroico
Tabela - Cumprimento das metas do CNJ na Justiça estadual - Jeferson Heroico

Como se percebe, apenas os tribunais dos estados do Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Roraima, Rio Grande do Sul e Sergipe superaram 100% o cumprimento da meta. A Bahia, como de outras vezes, foi o último colocado, com o percentual de 58,40%. Portanto, isto é fato: nós, juízes da Bahia, julgamos pouco mais da metade com relação ao número de processos distribuídos durante o ano de 2010, ou seja, nosso passivo foi aumentado em 42% com relação aos processos distribuídos em 2010.

Antes de querer apontar alguma causa para esta situação do judiciário baiano, quero compartilhar esta experiência: quando cheguei à comarca de Conceição do Coité, em agosto de 1997, uma pessoa me solicitou para acabar com o sistema de entrega de fichas para atendimento pelo Cartório de Registro Civil.

No dia seguinte, fui informado pelo cartório que a distribuição de fichas era necessária para limitar o número de atendimentos diários. Não me convenci com a justificativa e determinei ao cartório que encerrasse a distribuição de fichas e passasse a atender todas as pessoas que solicitassem o serviço. Não adiantou. As pessoas começaram a dormir na porta do fórum para serem atendidas.

Tentei nova solução com o remanejamento de mais servidores para o cartório e as filas continuaram. Determinado a acabar com a fila, resolvi observar durante uma manhã o atendimento no cartório para tentar outra medida e, depois de alguns minutos, entendi todo o problema da lentidão. Pois bem, os registros eram feitos à mão em um “livrão” medindo mais ou menos 60 cm por 40 cm e pesando mais de um quilo.

Enquanto uma pessoa lavrava o registro “na caneta”, as demais apenas observavam, pois não tinha como lavrar dois registros ao mesmo tempo. Estava tudo explicado. A solução não passava por senhas, filas, hora marcada ou pela quantidade de pessoas trabalhando no cartório. A única solução era acabar com o tal “livrão”.

A solução definitiva foi adotada algum tempo depois com o desenvolvimento, por um servidor do Juizado Especial Cível (Luciano Medreiros), de um aplicativo para o Cartório do Registro Civil e a doação de dois computadores por empresas da cidade. O aplicativo foi batizado de R e acabou com as filas do cartório, pois agora se concluía um registro em poucos minutos e a busca de registros antigos era realizada em poucos segundos. Assim, uma solução de baixíssimo custo e “made in Coité” resolveu um problema que parecia sem solução.

Evidente que não se pode comparar o problema de uma fila em um cartório de cidade do interior com o problema da morosidade do Poder Judiciário de um estado com as dimensões e peculiaridades como a Bahia. Da mesma forma, não se pode esperar que a mesa diretora de um Tribunal de Justiça, composta exclusivamente por desembargadores, possa estar presente em todas as comarcas do interior do estado em busca do diagnóstico para a morosidade da Justiça baiana, ou seja, em busca do “livrão” causador do problema.

Além disso, pode ser possível a um juiz observar e resolver um problema de gestão localizado em sua comarca. De outro lado, para uma crise desse tamanho, a tarefa da elaboração do diagnóstico e encaminhamento de soluções deve ser empreendida por quem é do ramo, ou seja, que tem formação em gerenciamento e administração, o que não é o caso dos desembargadores membros de uma mesa diretora de tribunal.

Na verdade, o que muitas vezes agrava a crise do Judiciário é o fato de desembargadores pensarem que realmente entendem de gerência de pessoal e administração de serviço público e passarem a baixar decretos e portarias, tentando solucionar o problema pelo alto e de forma autoritária.

Eu, de minha vez, sem a mínima pretensão de fazer isso sozinho, partindo apenas da minha experiência, posso garantir que, sem pessoal qualificado nas varas, sem assessores, sem estagiários e sem um sistema moderno de gerenciamento das varas e movimentação processual, é impossível fazer mais do que temos feito. De fato, eu não posso fazer mais do que faço se a estrutura do gabinete do juiz do Judiciário baiano é composta apenas por ele mesmo. Como tenho dito, aqui sou eu e eu mesmo!

Finalmente, penso que devemos ter a coragem e a humildade de assumir que somos o último colocado; que não temos condições de fazer mais do que estamos fazendo e, por fim, ter a consciência de que não somos administradores ou gerentes de secretarias de varas, pois não temos conhecimento e nem competência para desempenhar tarefas para as quais não fomos formados.

Nosso negócio, de juízes e desembargadores, é buscar a realização da Justiça por meio de nossas sentenças e decisões. Administrar o Poder Judiciário, definitivamente, não é o nosso forte. Em outras palavras, “cada qual no seu cada qual”, ou seja, juiz julgando e administrador administrando, apesar do CNJ nos impor, cada vez mais, tarefas típicas de administradores.

Artigo originalmente publicado no blog http://gerivaldoneiva.blogspot.com/ no dia 5 de abril de 2011.


[1] Brocardo latino que pode ser traduzido como “dar a cada um o que é seu”.

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