Solução legislativa

Plebiscito sobre armas é desnecessário, diz Fux

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15 de abril de 2011, 11h37

O novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, disse em entrevista ao portal G1 que não deve ser feita nova consulta popular sobre desarmamento em razão da tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro. Defensor do desarmamento, ele avalia que o "povo votou errado" ao manter, no referendo de 2005, o comércio de armas de fogo. A entrevista foi feita pela jornalista Débora Santos.

Na entrevista, o ministro também disse que considerou "lamentável" a crítica que sofreu de setores da sociedade por ter votado contra a validade da Lei da Ficha Limpa na eleição de 2010. Com o voto dele, o julgamento no STF terminou com seis votos contra e cinco a favor da aplicação da lei no ano passado. "Eu achei lamentável ter que passar por isso em razão da desinformação", declarou.

Leia a entrevista concedida ao G1:

G1 — Quase dois meses depois de empossado, como o sr. se sente na posição de ministro do STF? Como lida com pressões sociais e de outros poderes?
Luiz Fux — Depois de uma semana e meia, já [se] é ministro há muitos anos. O volume é tão grande que você aprende no tranco. Eu tenho me sentido muito à vontade no Supremo.  Salvante os princípios-regra, [no Supremo] é um julgamento de valoração de interesses, de ponderação de valores éticos e que conferem legitimidade social à solução. No caso da união homoafetiva, você tem que sopesar o valor da família, a liberdade sexual, o princípio da não discriminação. Sobre feto anencéfalo, eu li um artigo e até guardei. Essa escritora usou uma expressão forte: será que uma mãe é obrigada a ficar realizando o funeral do seu filho durante nove meses? Eu acho que isso deveria ser uma questão plebiscitária feminina. As mulheres tinham que decidir. É um consectário [resultado] do estado democrático de direito. Não podemos julgar à luz da religião, porque o estado é laico.

G1 — Como o sr. viu a tragédia de Realengo, que antes era um tipo de crime muito comum em outros países, mas inédito no Brasil?
Fux — Nos Estados Unidos, tem o monitoramento de pessoas potencialmente perigosas. Hoje, com esse acesso à internet, a esses sites de redes terroristas, pessoas desequilibradas têm acesso a informações que exacerbam seu desequilíbrio. Olha essas fitas que antecederam a essa tragédia, onde esse sujeito gravou isso? É um sujeito que não podia estar solto nunca. Tinha que ter uma medida restritiva de liberdade. Será que ninguém viu isso? Porque não acharam antes isso? Esse homem não tinha um pendor para aquilo? Será que ninguém teve oportunidade de denunciar isso? É um problema que interessa à família e ao Estado também. A causa disso é o acesso que esse rapaz teve a essas redes internacionais que alimentam uma série de psicopatias. Nessa rede mundial de computadores, você tem acesso a tudo. A polícia tinha que ter, por exemplo, uma comunicação de que um sujeito acessou o site da Al Qaeda. Esse sujeito tem alguma coisa. Agora, o leite está derramado.

G1 — Para o sr., o massacre de Realengo é um motivo suficientemente forte para ensejar uma nova consulta à população?
Fux — Eu acho que tinha que vir uma solução legislativa, sem plebiscito mesmo. Todo mundo sabe que o desarmamento é fundamental.

G1 — Mas em 2005 a maioria da população decidiu manter o livre comércio de armas.
Fux — É um exemplo de defesa do povo contra o povo. Eu acho que o povo votou errado. Para que serve você se armar? Quando você se arma, pressupõe que se vive num ambiente beligerante. Muito melhor é uma sociedade solidária, harmônica. Eu acho que os políticos têm que avaliar o clima de insegurança do país. E já há o Estatuto do Desarmamento. Tem que fazer valer a lei, implementar políticas públicas no afã de desarmar a população. Não tem que consultar mais nada. O Brasil é um país que tem uma violência manifesta. Tem que aplicar essa lei e ter política pública de recolhimento de armas. Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população.

G1 — O sr. tem porte de arma? Já teve arma em casa?
Fux — A arma na mão de uma pessoa que tem seus instintos, fraquezas, ela vai reagir. Depois a pessoa cai em si e vê que tirou uma vida e vai sofrer para o resto da vida. São posturas que a gente tem que evitar ao invés de reprimir. Melhor do que reprimir o porte de arma, é evitar o porte de arma. [Como magistrado], eu sempre tive o porte de arma, mas nunca andei armado. Era importante ter o porte de arma, porque a gente ia sozinho para comarca do interior, não tinha cultura de segurança, mas eu não ia armado. Eu entendo que o povo tem que estar absolutamente desarmado. Se esse sujeito não tivesse acesso a arma e carregadores, quando muito ele entraria ali com uma faca, ia tentar matar um e todos iam correr para tentar evitar aquela tragédia.

G1 — Como o sr. avalia as reações e críticas ao seu voto contra a validade da ficha limpa na eleição de 2010? [quando estava com um ministro a menos, o STF analisou a aplicação da Lei da Ficha Limpa na eleição de 2010, e o julgamento terminou empatado em cinco votos a favor e cinco contra. Com a nomeação de Fux como ministro, em março, o julgamento teve continuidade e ele desempatou]
Fux — Eu confesso que a Justiça não é uma função popular. Eu achei lamentável ter que passar por isso em razão da desinformação. Não vou negar que eu acusei o golpe. Eu sempre fui uma pessoa que segui a vida com retidão. Vim para o Supremo Tribunal Federal, passei por uma sabatina de cinco horas, tenho currículo. Não tinha necessidade de passar por uma crítica imoderada e talvez desinformada. Como ser humano, não fiquei à vontade, fiquei aborrecido, principalmente, com alguns segmentos que tinham o dever de saber que tinha uma regra, na Constituição, explícita [a de que uma lei que muda o processo eleitoral não pode entrar em vigor no mesmo ano da eleição.]. Eu confesso a você que eu tentei, eu era ideologicamente favorável à Lei da Ficha Limpa. Mas essa regra da Constituição é tão clara que o precedente que se abriria com ela poderia mais tarde se voltar contra o próprio povo.

G1 — Quando terminou de elaborar seu voto, o sr. pensou na reação das pessoas ao resultado do julgamento?
Fux — Eu não fui lá com o compromisso de ter que ser o salvador da Pátria, de cair nos braços do povo. Eu não faço esse gênero. Seria demais que eu tivesse um voto tão qualificado assim para desempatar. Acho que essa expectativa que se criou se deve muito mais ao fato de ter ficado muito tempo sem ministro e, normalmente, essas questões teriam que ter sido desempatadas com o voto de qualidade do presidente, pela emenda regimental. Eu reconheço que assumi num momento muito delicado. Mas você há de convir que eu não poderia levar isso em consideração a ponto de me amesquinhar como magistrado.

G1 — O Supremo condenou no ano passado o primeiro parlamentar, desde a Constituição de 1988. Como o sr. avalia as críticas de que a Corte facilitaria a vida de réus de colarinho branco?
Fux — Seria de bom alvitre se tivesse um mutirão para julgar essas questões penais para apagar essa imagem junto a população. Agora, o Supremo não julga com benevolência. A lei estabelece tantas etapas que, até que o juiz consiga superar todas elas, obedecendo ao devido processo legal, os prazos se escoam, as testemunhas desaparecem. Então, você vai julgar 10, 15 anos depois. Eu cheguei ao STF e já encontrei ações penais iniciadas em 2003. Aí, eu dei um despacho e determinei que se elaborasse o relatório para acabar com aquilo. Disseram: ‘Não posso, ainda faltam quatro testemunhas’. Não pode, estamos em 2011. E nós não podemos fazer a prova. O juiz não pode ser um órgão acusador.

G1 — Diante da demora nos julgamentos e dos entraves do Judiciário, como o sr. avalia a proposta do presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de limitar a possibilidade de recurso depois que o processo é julgado pela segunda instância (tribunais de Justiça dos estados)?
Fux — Eu antevejo problemas de assimilação política dessa ideia. Em termos técnicos, estou analisando essa questão. Ela tem uma virtude que é permitir que a decisão transite em julgado antes do que vem ocorrendo hoje. Se a decisão transita em julgado, resolve alguns problemas pontuais. Como, por exemplo: só se considera culpada uma pessoa depois do trânsito em julgado [quando se esgotam as possibilidades de recurso]. Acaba com essa cultura de se buscar sempre a liberdade no STF a pretexto de dizer que a sentença ainda não transitou em julgado. Isso gera distorções na vida cotidiana porque está havendo um uso imoderado do habeas corpus [instrumento que garante a liberdade de alguém que corre o risco de ser preso ilegalmente ou por abuso de poder] por conta disso. […] É um excesso que impede que você  [o ministro do Supremo] possa se dedicar mais a outras matérias. Hoje tem habeas corpus para tudo, até o que não é matéria de habeas corpus. […] De qualquer maneira, precisa de um instrumento de gestão porque essa realidade tem que ser enfrentada. […] Hoje o trabalho no Supremo é irracional. É muito trabalho.

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