Digital só no nome

Forum digital em SP emperra com processos de papel

Autor

15 de abril de 2011, 8h14

A juíza Teresa Cristina Castrucci Tambasco Antunes, diretora e titular da 3ª Vara Cível do Fórum Digital de São Paulo, na Freguesia do Ó, criticou a falta de recursos e de estrutura no Poder Judiciário paulista durante a cerimônia de instalação e posse da 223ª Subsecção da OAB de Nossa Senhora do Ó, no dia 7 de abril. Ela também falou da situação em que se encontra o fórum, onde os processos se acumulam por problemas no peticionamento digital.

“Instalar um fórum não é só arrumar um lindo prédio e colocar o nome à porta; compreende análise, estudo da área territorial de abrangência e sua consequente população, para se estimar o número de processos que ele receberá, e daí se calcular quantos funcionários, juízes, promotores e defensores públicos serão necessários. Também não se pode esquecer que, como digital, imprescindível que o sistema de informática adotado tivesse capacidade de armazenamento e de processamento dos feitos”, afirmou a juíza em seu discurso.

Ela destacou que o Fórum Digital, instalado para desafogar o Foro Regional da Lapa, tem mais de 18 mil petições para serem digitalizadas, isso porque ainda é elevado o número de petições que chegam por papel e também há falhas no peticionamento eletrônico. Teresa Antunes afirmou ainda que os juízes do Fórum Digital são os que mais recebem processos por mês, em relação aos juízes de outros foros regionais ou o central. “São em média 250 processos por mês para cada juiz, resultando em cerca de três mil processos novos ingressando anualmente para cada uma das varas, tanto cíveis como de família e sucessões”

Para a juíza, a Justiça paulista só terá autonomia quando alcançar sua independência financeira. Ela citou o fato das custas processuais recolhidas não serem repassadas para custeio do sistema Judiciário em São Paulo, diferentemente do que ocorre em outros estados, devido a suspensão dos efeitos legais por liminar concedida em ADI, que aguarda julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal. "Isso faz com que o Tribunal de Justiça encaminhe seu orçamento anualmente para que o Executivo acolha e submeta à aprovação pela Assembleia Legislativa. (..) O orçamento apresentado sofre cortes expressivos, sobrando valores suficientes apenas para o funcionamento do sistema como hoje posto, sem qualquer aumento de sua estrutura”.

Leia o discurso da juíza Teresa Cristina Castrucci Tambasco Antunes:

Saúdo todas as autoridades anteriormente nominadas, na pessoa do senhor presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo – doutor Luiz Flavio Borges D’Urso e cumprimento os demais senhores e senhoras aqui presentes.

Minha missão hoje, nesta solenidade, é a de representar o Fórum Regional Nossa Senhora do Ó. Que difícil missão a minha.

Isso porque este foro regional foi criado em 1985 e apenas 22 anos depois é que ele foi instalado, cercado, obviamente, de grandes expectativas de que o andamento dos processos seria agilizado, não só por ser um fórum novo, sem acervo acumulado, como por ser um fórum totalmente digitalizado, sem papel.

Infelizmente, as expectativas não foram alcançadas e as decepções vêm sendo suportadas por toda a comunidade que deste fórum precisa, seja pelos jurisdicionados, seja pelos advogados, juízes, promotores, defensores públicos e serventuários.

E por que isso aconteceu e ainda acontece? Verdade seja dita, não se pensou na instalação deste fórum com a necessária ciência que isso demanda. Instalar um fórum não é só arrumar um lindo prédio e colocar o nome à porta; compreende análise, estudo da área territorial de abrangência e sua consequente população, para se estimar o número de processos que ele receberá, e daí se calcular quantos funcionários, juízes, promotores e defensores públicos serão necessários. Também não se pode esquecer que, como digital, imprescindível que o sistema de informática adotado tivesse capacidade de armazenamento e de processamento dos feitos.

Enquanto projeto piloto, como era intitulado, guardamos esperança de que os necessários ajustes seriam feitos, para o aperfeiçoamento do funcionamento que já apresentava falhas desde o início, mas quatro anos se passaram e o resultado está longe de ser alcançado.

A questão do sistema, que basicamente se concentrava na digitalização, ainda permanece. Em parte porque elevado número de petições ainda chegam por protocolo, em parte porque os advogados reclamam de falhas no peticionamento eletrônico; o fato é que hoje, o nosso fórum digital tem mais de 18 mil petições para serem digitalizadas e “juntadas” aos autos respectivos. Nem preciso dizer o quanto isso representa de atraso ao andamento dos processos. Talvez a divulgação desse quadro estimule os advogados a usarem o peticionamento eletrônico, como forma de contribuição à melhoria do processamento dos feitos no “nosso” fórum, pois hoje menos de 10% usa este tipo de peticionamento.

Quanto à questão estrutural, conforme já mencionei, não se imaginava que o Fórum Nossa Senhora do Ó teria a maior distribuição de processos, por juiz, da capital. Sua abrangência territorial é imensa e de grande intensidade populacional, que justificaria a instalação de dois fóruns regionais, e não um só. A intenção de desafogar o Foro Regional da Lapa, notoriamente sobrecarregado até então, resultou numa divisão territorial e populacional tão desequilibrada, que transferiu todo o acúmulo de processos daquele foro para o novo, sem readequar a estrutura de um e de outro, revelando mais um sinal de que faltaram estudo e método na instalação do novo fórum.

Vale dizer que um juiz do “nosso” fórum recebe mais processos por mês do que qualquer outro juiz de foro regional ou central da Capital. São em média 250 processos por mês para cada juiz, resultando em cerca de três mil processos novos ingressando anualmente para cada uma das varas, tanto cíveis como de família e sucessões. Encerramos o ano de 2010 com 26.989 feitos cíveis e 17.761 feitos de família e sucessões, em tramitação.

O fórum funciona com cartório único, dividido em duas seções, uma para os processos cíveis, outra para os processos de família e sucessões. A seção cível conta com nove escreventes e a seção de família, com oito escreventes, resultando no fato de que temos quase três mil feitos para cada escrevente, no cível, e dois mil e duzentos processos para cada escrevente da família, sendo que a proporção estabelecida pela Corregedoria-Geral da Justiça do estado de São Paulo é de um escrevente para cada mil processos, no sistema digital. Daí a morosidade no andamento dos processos e até a paralisação dos mesmos, por meses, que são alvo de reclamações dos jurisdicionados e advogados.

Mas se o problema é falta de funcionários, a solução é simples! Seria, mas não é que se tem constatado. Desde que o fórum completou um ano de funcionamento, vimos pleiteando junto à presidência do Tribunal de Justiça o aumento no quadro de funcionários, levando em mãos de cada um dos presidentes que se sucederam desde então relatório pormenorizado da situação e o pleito quanto ao aumento do pessoal. Sem êxito. E este problema não é só vivenciado aqui. Espalha-se por todo o estado de São Paulo.

A alegação? Falta de verba no orçamento. Não é fácil, muito menos barato, administrar uma empresa com mais de 400 filiais pelo estado; igualmente não o é quando se trata de Tribunal de Justiça com mais de 400 fóruns.

Sabe-se que as custas processuais recolhidas não são repassadas para custeio do sistema judiciário deste estado, diferentemente do que ocorre em outros estados da Federação, em razão da suspensão dos efeitos legais por liminar concedida em ADI, que aguarda julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal. Há anos!

Isso faz com que o Tribunal de Justiça encaminhe seu orçamento anualmente para que o Executivo acolha e submeta à aprovação pela Assembleia Legislativa. Invariavelmente o orçamento apresentado sofre cortes expressivos, sobrando valores suficientes apenas para o funcionamento do sistema como hoje posto, sem qualquer aumento de sua estrutura.

Por certo que este “engessamento” da máquina judiciária inviabiliza o crescimento estrutural na mesma proporção em que cresce a população e, por conseguinte, o número de demandas judiciais, sobrecarregando esta máquina de tal modo, que prejudica o próprio funcionamento.

Quando no auge da minha rebeldia de adolescente eu contestava meu pai, ele dizia que, enquanto ele me sustentasse, eu teria que me submeter às suas regras. Foi minha primeira lição de que não existe autonomia sem independência financeira.

É chegado o momento em que precisamos dividir a culpa e a responsabilidade. Mais do que parabenizar a Ordem dos Advogados do Brasil da Secção São Paulo, pela instalação da duocentésima trigésima oitava subseção Nossa Senhora do Ó, venho conclamar todos aqui presentes, advogados, promotores públicos, vereador Claudinho, deputado estadual Celino, e demais autoridades e jurisdicionados, a incorporarem esta batalha, na medida de suas responsabilidades enquanto autoridades e cidadãos, para que contribuam, junto aos Poderes Executivo e Legislativo, por um Poder Judiciário com melhores condições orçamentárias, para só então podermos exigir que funcione de modo minimamente satisfatório.

Continuo na mesma certeza que tinha, quando nos bancos da universidade, de que, somente com um Poder Judiciário eficiente é que construiremos uma sociedade justa e equilibrada.

Obrigada.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!