PEC dos recursos

Índice de reforma de decisões preocupa advogados

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13 de abril de 2011, 12h07

Desde que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, anunciou a polêmica Proposta de Emenda Constitucional para que as decisões passem a ser executadas a partir do julgamento pela segunda instância, surgiu uma avalanche de críticas. Uma das justificativas do ministro, que abriu o texto para debate antes de apresentá-lo para integrar 3º Pacto Republicano, é o baixo percentual de reforma no mérito das decisões no Supremo.

Os dados do Conselho Nacional de Justiça sobre os índices de recursos das decisões não estão completos. Mas podem dar uma ideia de como funciona o sistema judiciário no país. Números do CNJ, divulgados em 2010 e referentes a 2009, demonstram que o índice de recorribilidade após decisão da Justiça Estadual é de 33%. De 1,430 milhão de acordãos publicados pelos Tribunais de Justiça, 473 mil foram objetos de recursos para o Superior Tribunal de Justiça ou para o STF.

Conforme os mesmos dados, o índice de reforma nos tribunais superiores é de 22,5%. De 112 mil recursos julgados, 25 mil foram providos. Esses dados quanto à reforma não abarcam números de oito tribunais, inclusive do maior do país e responsável por um em cada três recursos remetidos a Brasília: o TJ de São Paulo.

Na Justiça do Trabalho, os dados mostram que há mais recursos. São 40% dos acórdãos que geram recurso para o Tribunal Superior. O índice de reforma é de 27%. Na Justiça Federal, o índice de recorribilidade é de 31%. Dos 334 mil acórdãos publicados, 104 mil geram recursos. Já o índice de reforma não foi informado por nenhum dos cinco TRFs.

A preocupação
O índice de reversão das decisões é uma das preocupações da advogada Patrícia Rios, do Leite Tosto e Barros. Para ela, é necessário levar em consideração o percentual de mudança de decisões nas Cortes Superiores para que se possa fazer uma reflexão mais aprofundada sobre a chamada PEC dos Recursos.

O advogado Carlo Frederico Müller, do Müller e Müller Advogados Associados, conta que, recentemente, ouviu o revisor de um recurso dizer que não teve tempo de ler o caso e que por isso acompanhava o relator. “Mais de 30% dos recursos levados aos tribunais superiores são revertidos. É um número muito grande de erros na primeira e segunda instâncias. Eu não seria contrário à proposta se só 2% ou 3% das decisões fossem alteradas”, diz.

Já o advogado Jacinto Coutinho afirma que, caso a PEC seja aprovada, a natureza “recursal” dos recursos especial e extraordinário acabará e eles passarão a ter caráter revisional. “A diferença é que nesses recursos se poderá, tão somente, discutir matéria de direito. No processo penal, isso poderá ser um desastre, não fosse, antes, na minha singela opinião, inconstitucional”, diz.

“O interessante é que na Constituinte – e antes dela quando da Comissão de Notáveis – a OAB defendia que se criasse uma vara e própria Corte Constitucional e que o STJ fosse uma Corte de Cassação, com o número de juízes suficiente para dar conta da demanda”, conta. Ele disse que, naquela ocasião, houve uma luta de setores da magistratura, sobretudo do Supremo, para não perderem competência.

“Agora, sucedido o que era visível que iria acontecer, vem eles justamente com uma modificação que quer suprimir um direito que ninguém duvida estar no conjunto constitucional”, afirma o especialista em processo penal. Ele também considera importante a quantidade de Habeas Corpus que não é concedido. Os números indicam, diz, que algo não anda bem na qualidade das decisões nas instâncias inferiores. “Da forma que está hoje, o cidadão precisa – e muito! – dos tribunais superiores”, conclui.

A preocupação com a qualidade das decisões de primeira e segunda instâncias é compartilhada com a advogada Isabela Braga Pompilio, sócia do TozziniFreire. “As instâncias ordinárias não seguem, às vezes, o entendimento já consolidado no STF e no STJ. E, muitas vezes, os tribunais superiores acabam se tornando a tábua de salvação para os advogados”, diz ela.

A advogada Cristiane Romano, do Machado Meyer, considera que a solução para os problemas do Judiciário não é acabar com os recursos. “O foco tem de ser de gestão. É importante que os operadores do Direito como advogados e juízes saibam administrar”, diz ela. A advogada defende, inclusive, que faculdades tenham disciplinas sobre gestão administrativa na grade curricular.

Para o advogado Carlo Müller, em vez de impedir que os cidadãos recorram, o Judiciário poderia investir em tecnologia, melhor treinamento e salário dos serventuários. Ele sugere a criação de mais turmas nos tribunais, inclusive no STJ e STF. “Isso sim atenderia à necessidade básica do povo.”

Resultado das mudanças
Müller avalia que, na prática, a PEC vai gerar enxurradas de recursos com pedido imediato do julgamento. “O jurisdicionando vai ficar insatisfeito, inseguro, tendo que recorrer de novo ao Judiciário para tentar reaver seu direito”, diz.

Para o advogado, os maiores prejudicados serão a classe média baixa e a população carente, que não têm recurso financeiro para pagar advogado que vá semanalmente a Brasília exigir celeridade no julgamento e imediatidade dos recursos. “O advogado sofre na pele com a demora. Somos os maiores prejudicados. Não sei explicar ao cliente porque um recurso demora 10 anos para ser julgado”, diz.

O advogado Guilherme Setoguti J. Pereira, do Yarshell, Mateucci e Camargo Advogados, chama a atenção para outro aspecto da PEC: a aparente contradição entre a proposta e a última reforma pela qual passou o Código de Processo Civil.

“Embora louvável, a Proposta de Emenda à Constituição Federal que pretende estabelecer que a admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário não impede a formação de coisa julgada vai na contramão de uma recente reforma do Código de Processo Civil, empreendida pela Lei Federal 12.322, de setembro de 2010”, diz.

A lei, conta, alterou o artigo 544 do Código de Processo Civil, dispondo que na interposição de recurso contra decisão denegatória de recursos especial ou extraordinário não é mais necessária a formação do instrumento, já que caberá agravo nos próprios autos. “Os autos só retornam à primeira instância após o esgotamento dos recursos nos tribunais superiores e, consequentemente, a execução provisória de título judicial só terá lugar se o exequente tomar a iniciativa de extrair carta de sentença perante o juízo de primeiro grau.”

Embora não haja estatísticas, Guilherme Setoguti constata que apenas parcela pequena das execuções é iniciada mediante extração de carta de sentença. “No mais das vezes, o exequente aguarda o esgotamento de todos os recursos, e o consequente retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, para só então dar início à execução. Se essa premissa estiver correta, parece que pouco benefício prático trará o artigo 105-A da PEC, pois, ainda que se forme coisa julgada material na pendência de recursos especial e extraordinário – o que é bastante discutível -, na prática poucas pessoas extrairão carta de sentença e iniciarão a execução ‘provisória’ da decisão”, diz o advogado.

Com base nessa premissa, entende, a mudança na Constituição traria pouca ou nenhuma rapidez processual. “As partes tenderiam a esperar o esgotamento dos recursos nos tribunais superiores para executar a decisão que lhes é favorável. Justamente como ocorre atualmente”, diz.

Durante a sessão do Pleno do Conselho Federal OAB, o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, acrescentou outras eventuais consequências caso a PEC seja aprovada. “Com o acesso mais limitado, os Tribunais Superiores deixarão de exercer o papel de uniformizadores da jurisprudência”, disse. Para ele, tal missão ficará a cargo da segunda instância. “O que não é bom, porque será difícil ou quase impossível que esses Tribunais, por conta própria, unifiquem o entendimento a respeito de uma norma.”

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