Processo administrativo tributário

Dispositivo da lei paulista 13.457 fere Constituição

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13 de abril de 2011, 16h01

O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) foi instituído em 5 de junho de 1935 pelo Decreto 7.184. Observa Marçal Justen Filho[1] que nossa Carta Magna, em seu artigo 5º LV, impôs a observância de um devido processo na via administrativa, ou seja, o respeito das formalidades inafastáveis que, segundo Marçal, é a submissão da autoridade pública ao dever de seguir uma rotina formalizada para praticar seus atos.

O processo administrativo fiscal deve respeitar os princípios constantes na Constituição Federal no tocante à administração pública, notadamente, os princípios da publicidade, objetividade e do contraditório. Dada a recente mudança no processo administrativo fiscal paulista com o advento da Lei 13.457, de 18 de março de 2009, nota-se que a celeridade também é vista hoje como um importante princípio.

Pois bem, a Lei 13.457, regulada pelo Decreto 54.486, de 26 de junho de 2009, trouxe algumas mudanças significativas no tocante aos procedimentos do processo administrativo fiscal, os quais elencamos abaixo e consideramos como as principais[2]:

I. O início do processo administrativo se dá com a impugnação do contribuinte. (artigo 33 da Lei 13.457). Antes, se iniciava com a lavratura do auto de infração;

II. Unificação dos julgamentos de recursos de ofício, voluntário e ordinário, quando no mesmo processo;

III. Redução dos prazos processuais, objetivando agilizar o andamento dos processos;

IV. Criação do depósito administrativo voluntário, visando a não incidência de juros de mora e a atualização monetária do valor;

V. Todas as intimações, em regra são feitas por meio do Diário Oficial do Estado. Antes, era realizado pessoalmente ou por carta registrada (AR) ou publicação;

VI. Mudanças estruturais e funcionais nas câmaras do TIT. Com a diminuição da quantidade de juízes, tanto na Câmara Superior quanto nas câmaras julgadoras, visou-se a celeridade e economia processual;

VII. Sustentação oral pelo advogado no dia do julgamento, sem necessidade de agendamento;

VIII. Incompatibilidade da concomitância de processo administrativo e processo judicial. Estabelecida a contenda judicial, torna-se inócuo o processo administrativo fiscal;

IX. A informatização de todo processo administrativo fiscal, deixando de ser autuados em papel e passando a existir em meio digital apenas.

A Lei 13.457/2009, em seu artigo 93, assim dispõe:

Não se compreendem na competência das Delegacias Tributárias de Julgamento nem do TIT as questões relativas a:
I – pedidos de compensação ou de restituição de tributos e demais receitas;
II – pedidos de reconhecimento de imunidade, isenção, não incidência e utilização de benefícios fiscais e regimes especiais;
III – autorização para aproveitamento ou transferência de créditos.
Parágrafo único – A atribuição para decidir questões relativas a pedidos de compensação ou restituição de tributos e demais receitas poderá ser conferida a órgãos de julgamento no âmbito da Delegacia Tributária de Julgamento, por ato do Poder Executivo.

Deste dispositivo legal, tiramos as seguintes conclusões: a nova lei estabeleceu que não é da competência do TIT os julgamentos acerca de restituição, isenção e compensação, salvo se existir ato do Poder Executivo que trate de compensação e restituição.

Silenciou a lei quanto à isenção, ou seja, tanto as delegacias quanto o TIT não são competentes para reconhecer uma eventual isenção. Na lei anterior, a 10.941, de 25 de outubro de 2001, a compensação e a restituição poderiam sim ser apreciadas pelos órgãos julgadores de primeira instância, mas somente se um decreto assim dispusesse e desde que emanado pelo chefe do executivo estadual, diferentemente da nova lei, que permite a apreciação por qualquer ato do Poder Executivo.

Já no tocante à isenção, a Lei 10.941 silenciava, parecendo-nos que tal matéria poderia ser reconhecida tanto pelo TIT quanto por órgãos julgadores de primeira instância. Mas o artigo 98 do Decreto Estadual 46.674, de 9 de abril de 2002 (que regulamentava a Lei 10.941), procurou reduzir a competência do TIT (em grau recursal), bem como em primeira instância, dispondo que estes órgãos eram incompetentes para reconhecer também a isenção.

A Lei 13.457/2009 alterou esses dispositivos, restringindo ainda mais a competência, tanto das câmaras Julgadoras quanto da Câmara Superior, não só em face da compensação e restituição, mas agora também quanto ao reconhecimento da isenção.

Curiosamente, ao revés dessa restrição de competência, o que antes a lei permitia somente ser atribuído por meio de decreto, agora pode ser atribuído por “qualquer ato do Poder Executivo”. Ora, em sentido lato, são atos do Poder Executivo, além é claro dos decretos, as resoluções e portarias, gerando assim grande insegurança jurídica e desrespeito a uma hierarquia normativa, pois tais atos poderão ser instituídos por qualquer autoridade administrativa, não se restringindo apenas ao chefe do Poder Executivo, refletindo maior dificuldade no controle ou fiscalização quanto a adequação de tais atos.

Observa Marçal Justen Filho que é um equívoco buscar institutos do Direito Processual Civil para aplicá-los ao processo administrativo fiscal, sob pena desse último perder sua celeridade, pois ficaria atravancado com os ditames burocráticos da Lei Adjetiva Civil.

Isso significa que, apesar da celeridade ser um importante princípio constitucional, não poderá ela se sobrepor ao direito de petição aos órgãos administrativos, previsto no artigo 5º, incisos XXXIV e LXXVIII, da Carta Magna. Ainda, os órgãos de julgamento inferiores e o TIT, ao deixarem de reconhecer uma isenção prevista em lei, estarão apunhalando a Carta Magna em seu inciso XXXVI, artigo 5º, onde se estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Para José Eduardo Soares de Melo[3], quando a Carta Magna, no artigo 5º, inciso LV, dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, significa que esta ampla defesa assegura ao contribuinte todos os elementos que integram o processo, tais como oferecer defesa, sustentação oral e os recursos, que abrangem, inclusive, competência para o reconhecimento de isenções, ou julgamento em face de restituição e compensação, independentemente de atos emanados do poder executivo.

Como conclusão, em nossa opinião, o disposto no artigo 93 da Lei 13.457 viola diversos princípios insculpidos no artigo 5º da Carta Magna, notadamente, o direto de petição, a ampla defesa e os recursos, todos insculpidos nos incisos XXXIV, LXXVIII, XXXVI e LV.

Assim, é indubitável que a supressão trazida pela nova Lei do Processo Administrativo Fiscal paulista poderá e deverá ser questionada judicialmente, pois essa malsinada supressão obstaculiza o avanço e o aperfeiçoamento de outras técnicas para se solucionar litígios fora do âmbito do Poder Judiciário.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal, Processo Administrativo Fiscal. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 33, p. 108.

[2] BALANIN, Rafael. BERTOLINO, Otávio Henrique; PINHEIRO NETO ADVOGADOS. Anexo Biblioteca Informa. nº 2050. Processo administrativo tributário paulista muda para entrar na era digital.

[3] MELO, José Eduardo Soares, Análise Crítica do processo Administrativo Fiscal no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Editora Dialética. In ROCHA, Valdir de Oliveira (Coordenador). Processo Administrativo Fiscal.

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