Restritiva de direitos

Pena de prisão não é unica resposta possível

Autor

  • Salvador José Barbosa Júnior

    é procurador do estado de São Paulo pós-graduado em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura membro do Conselho Editorial da Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal co-autor da obra Direito penal: reinterpretação à luz da Constituição: questões polêmicas. Rio de Janeiro Elvesier 2009.

12 de abril de 2011, 17h32

A legislação brasileira ainda não encontrou a fórmula adequada para combater a criminalidade grave e violenta. Pior ainda, há algum tempo deu início à inglória tentativa de diminuir a criminalidade violenta e organizada por meio da expansão significativa do direito penal e da exasperação das sanções privativas de liberdade sem qualquer atenção à manutenção do equilíbrio do sistema punitivo. Sem dúvida, há motivos para se postular a punição mais rigorosa de graves e violentas condutas que ofendem a sociedade, mas não se vê razão na fúria legislativa que busca pontualmente resolver o nosso caótico sistema criminal.

A intervenção na esfera do indivíduo somente se reveste da roupagem de legitimidade se atendidos os princípios constitucionais tanto no momento de elaboração da norma incriminadora como durante a imposição e execução da medida sancionatória. A Constituição Federal prevê exemplificativamente no artigo 5º, inciso XLVI, como espécies de pena a privação ou restrição da liberdade; a perda de bens; a multa; a prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos. Por sua vez, o artigo 32 do Código Penal dispõe que são espécies de pena as privativas de liberdade, as restritivas de direitos e a multa.

A pena privativa de liberdade é dividida em três modalidades: reclusão, detenção e prisão simples. À vista da possibilidade de progressão ou regressão durante o desconto da pena de prisão, a lei estabelece os regimes fechado, semi-aberto e aberto para seu cumprimento. Havia a previsão legal do cumprimento da pena integralmente no regime fechado, conforme disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990. Todavia, essa modalidade de regime foi considerada inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 82.959-SP. Em seguida, houve alteração do parágrafo 1º. do artigo 2º da Lei 8.072/90, por meio intermédio da Lei 11.464/2007, e a previsão de resgate da pena integralmente no regime fechado foi abolida do sistema de penas.

Nos artigos 43 a 48 do Código Penal estão previstas as modalidades de penas restritivas de direitos e a forma da substituição da sanção carcerária por uma ou mais de uma delas. O sistema ali desenhado foi aperfeiçoado pela Lei 9.714/1998, a qual deu nova roupagem à Parte Geral do Código Penal e passou a permitir a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando, nos crimes dolosos, a sanção carcerária não superar quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou qualquer que seja a quantidade da reprimenda, se o delito for culposo.

São modalidades de penas restritivas de direitos: (i) a prestação pecuniária; (ii) perda de bens e valores; (iii) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; (iv) interdição temporária de direitos (v) limitação de fim de semana. Essas penas, embora autônomas, têm caráter unicamente substitutivo. Portanto, tirante a hipótese prevista em lei na qual se concede ao juiz a alternativa em escolher entre uma pena privativa de liberdade ou multa (Código Penal, artigos 146, 147, 155, § 2º.), a sentença penal condenatória sempre deve conter pena de prisão, até mesmo quando possível a aplicação de pena restritiva de direitos. É que as penas restritivas de direitos podem ser convertidas em pena de prisão, até mesmo para garantir a coercibilidade da sanção. O principal objetivo das ditas penas alternativas foi tentar encontrar resposta adequada para punir determinadas pessoas que, conquanto transgressoras, ainda não devem ter acesso ao falido sistema prisional[1].

Agora se vê o ressurgimento da tendência a prestigiar a corrente mais conservadora[2]. E o que mais impressiona é a adoção dessa conservadora política criminal justamente no momento em que o STF começou a admitir a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos nos crimes de tráfico de entorpecente (HC 88.319-MG), fato que não deixa de revelar verdadeiro descompasso entre as propostas do legislador ordinário e a atuação das autoridades públicas que formulam políticas criminais com a mais autorizada interpretação jurisprudencial da Constituição Federativa brasileira.

Além disso, convém não perder de vista o impacto da adoção de política criminal conservadora no sistema carcerário do país.

O crescimento populacional no Brasil não foi seguido pelo enriquecimento da sociedade, pois a adoção seguida de desastrosas políticas econômicas gerou manifesta desigualdade social. E o produto dessa equação é altamente prejudicial à política penitenciária, pois uma de suas consequências foi o aumento potencializado da população carcerária. Acrescente-se a este contexto que a ultrapassada legislação penal prejudicou a adoção de correta política penitenciária. De fato, ainda se enxerga na pena de prisão a única resposta penal possível de sustentar-se perante a população, quando não é verdade[3].

Um direito penal racional e democrático, caracterizado pela intervenção mínima, mas contendo dispositivos firmes a serem aplicados quando indispensável o controle estatal por intermédio de imposição de normas incriminadoras na seara individual, desde que respeitados os princípios constitucionais, notadamente o princípio da dignidade da pessoa humana, é a medida mais adequada e econômica para diminuição da elevada população carcerária.


[1] Assim sendo, não há como deixar de concordar com os que advogam a possibilidade de substituir a pena de prisão aplicada a quem é condenado pelo delito de tráfico, desde que demonstrados os requisitos exigidos pelo Código Penal. De fato, inicialmente chegamos a sustentar o acerto do artigo 44 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Revista IOB de Direito Penal, 40:7/18), o qual veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito a quem é condenado nos delito de tráfico de entorpecente. Todavia, após melhor refletir sobre o tema, mudamos de opinião.

A pena mínima a quem pratica o tráfico de entorpecente hoje é de cinco anos. O que, por si só, impediria a conversão porque excedido o limite máximo de quatro anos. Contudo, o artigo 33, § 4º., da Lei 11.343/2006 prevê causa de diminuição de pena a ser aplicada em benefício de quem é condenado no crime de tráfico de entorpecente, mas é primário, ostenta bons antecedentes e não se dedica às atividades delituosas nem integra organização criminosa.

A medida é interessante porque gerou a possibilidade de o indivíduo jovem, pilhado por tráfico de entorpecente, condenado à pena privativa prevista no caput do artigo 33 ter a reprimenda diminuída para um ano e oito meses, o que em tese permitiria a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, evitando o envio de pessoa jejuna no mundo criminoso ao falido sistema penitenciário. Porém, a própria lei subtrai do juiz de Direito a discricionariedade de analisar, caso a caso, se o agente nessas circunstâncias é merecedor de escapar da pena privativa de liberdade, ao dispor expressamente que é “vedada a conversão da pena privativa de liberdade diminuída em reprimenda restritiva de direitos”.

[2] Prova disso é a recente notícia da exoneração do dr. Pedro Abramovay do cargo de Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, motivada pela irritação criada por ter defendido a aplicação de penas substitutivas a pequenos traficantes, quando possível no caso concreto (Folha de S. Paulo, p. C3, de 22-1-2011).

[3] O Brasil não tem condições financeiras para manter população carcerária semelhante à americana. É notório entre os especialistas em ciências criminais que deve haver maior flexibilidade na previsão da pena privativa de liberdade. Delitos que comportam a sanção de penas alternativas, em face da baixa potencialidade ofensiva à sociedade, devem ser punidos de outra forma, e não com pena de prisão.

Autores

  • é procurador do estado de São Paulo, pós-graduado em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura, membro do Conselho Editorial da Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, co-autor da obra Direito penal: reinterpretação à luz da Constituição: questões polêmicas. Rio de Janeiro, Elvesier, 2009.

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