Parcelamento fiscal

Projeto paulistano de incentivos pode prejudicar

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11 de abril de 2011, 5h40

O prefeito de São Paulo enviou à Câmara Municipal o Projeto 144/2011 (ver diario oficial de 6/4) onde propõe várias mudanças na legislação do ISS – Imposto sobre Serviços.

A reabertura do programa de parcelamento (PPI) pode ser considerada atraente para algumas empresas que estejam em débito com o fisco. Mas, por outro lado, pode ser uma armadilha para aquelas que foram autuadas de forma injusta e arbitrária pela fiscalização, pois haverá a tentação de pagar por erros não cometidos ou mesmo por multas absurdas.

Também é uma boa peça de marketing a tal nota fiscal paulistana. Se eu conseguir juntar R$ 1 mil por mês em notas fiscais de serviços e todos os emitentes pagarem 5% de ISS, terei um crédito de R$ 15. Fazendo as contas, em apenas 20 anos eu conseguirei créditos para pagar o IPTU do próximo ano! Trata-se de pagamento ridículo pela atuação de um cidadão-fiscal. Juntar notas pode virar palhaçada.

Se a Prefeitura quer mesmo combater a sonegação, precisa de mais fiscais de ISS e para isso deve fazer logo o concurso que vem sendo anunciado há tempos e, sobretudo, dar condições de trabalho adequadas para seus funcionários, pois são muito precárias as instalações e equipamentos da Secretaria de Finanças.

Todos nós esperamos que o suposto aumento de arrecadação seja suficiente para cobrir as despesas de propaganda, as campanhas publicitárias e tudo o mais que for útil à vaidade e aos interesses políticos dos autores do projeto.

Há, contudo, norma que nos parece totalmente descabida e inconstitucional. Pretende a Prefeitura que pessoas jurídicas em geral e até mesmo condomínios edilícios passem a emitir um documento fiscal, que seria uma espécie de nota fiscal de aquisição de serviços. Querem criar um artigo 10-A na lei que regula o ISS, com a seguinte redação:

Art. 10-A – Fica instituída a Nota Fiscal Eletrônica do Tomador de Serviços, que deverá ser emitida pelas pessoas jurídicas e pelos condomínios edilícios residenciais ou comerciais por ocasião da contratação de serviços, ainda que não haja obrigação de retenção na fonte do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.

Parágrafo Único – Caberá ao regulamento disciplinar a emissão da Nota Fiscal Eletronica do Tomador de Serviços, definindo, em especial, os tomadores sujeitos à sua emissão.

A Lei 13.476, nesse artigo 10, já havia criado uma obrigação bastante discutível para os “tomadores de serviços” que é a manutenção de “escrita fiscal destinada ao registro dos serviços contratados”.

Quem contrata um serviço (ou dele é tomador na linguagem da lei) e não seja contribuinte do ISS não deveria ser obrigado a ter escrita fiscal relacionada com o imposto.

As pessoas jurídicas possuem contabilidade, e as que optem pelo lucro presumido são obrigadas a manter livro caixa. De igual forma, os condomínios possuem contabilidade, ainda que resumida ou simplificada, onde são lançadas todas as suas despesas, inclusive os serviços contratados.

Assim, a manutenção de uma escrita fiscal imposta pela Prefeitura para registro dos serviços que lhes são prestados representa uma burocracia a mais, totalmente desnecessária, servindo apenas para onerar os custos das pessoas jurídicas e dos condomínios.

Quando o projeto fala em pessoa jurídica, deixa em aberto a possibilidade de que instituições de fins não lucrativas, assistenciais, recreativas etc, possam ser importunadas por essa estranha “nota de serviço comprado”.

Aliás, a Prefeitura de São Paulo já tentou cobrar impostos de entidades imunes, inclusive igrejas, chegando mesmo a penhorar um cemitério da capital, pretendendo cobrar IPTU. O paulistano, como se vê, não se livra da voracidade do fisco nem mesmo depois de morto.

Obrigar condomínios a emitir uma nota fiscal para os serviços que contratarem é uma aberração jurídica tão evidente que dá a impressão de que o projeto foi elaborado por pessoas que não conhecem o Código Civil e tampouco o Código Tributário Nacional.

O artigo 44 do CC diz que há três espécies de pessoas jurídicas de Direito Privado: as associações, as sociedades e as fundações. Consideram-se sociedades inclusive as empresas, as sociedades de fins lucrativas. Os condomínios não são pessoas jurídicas, ainda que possam se fazer representar por um síndico e pratiquem atos no interesse de uma coletividade e não possuem finalidades lucrativas.

Ao pretender criar uma nova obrigação e burocratizar ainda mais a vida das pessoas jurídicas e dos condomínios, a Prefeitura presta um desserviço aos cidadãos, na medida em que isso implicará aumentar os encargos e custos de uns e outros, sem nenhuma razão séria. As despesas de condomínio dos cidadãos poderão aumentar por causa dessa bobagem fiscalista.

Não nos parece que o artigo 128 do CTN possa legitimar a descabida exigência. Vejamos o que diz a norma:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Ainda que possa alguem ser responsabilizado pelo pagamento de imposto que outro não fez, não faz sentido que quem esteja contratando serviços seja obrigado a emitir nota fiscal. Se o imposto existe e se a nota fiscal é exigida, obviamente só o prestador do serviço é que deve cumprir a obrigação.

Alguém poderia dizer que a tal nota é necessaria para combater a sonegação. Ora, para isso já existe a retenção do Imposto de Renda na fonte, cuja base de dados é disponibilizada pela Receita Federal ao fisco municipal.

Ademais, não é razoável que se possa atribuir obrigação acessória a quem não esteja obrigado a cumprir obrigação principal. Chega a ser engraçado alguém ter o acessório sem o principal.

O que se vê nesse projeto é um descumprimento óbvio de disposições expressas da constituição federal (artigo 37) e também da lei orgânica do município (artigo 81), que dizem:

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,l dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

Art. 81 – A administração pública direta e indireta obedecerá aos princípios e diretrizes da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, unidade, e indisponibilidade do interesse público, descentralização, democratização, participação popular, transparência e valorização dos servidores públicos.

Vê-se, portanto, que as normas superiores não estão observadas. Faltam pelo menos os princípios da eficiência e razoabilidade.

Surpreende-nos ainda o fato de que o prefeito possa assinar um projeto que cria problemas para os condomínios e pode criar ônus para todas as pessoas jurídicas, ao que parece deixando de lado os compromissos que diz ter com a livre iniciativa, especialmente as pequenas e médias empresas, os empreendedores imobiliários, administradores de condomínios etc. Mas deve sobretudo explicações ao cidadão, essa vítima final de qualquer besteira fazendária.

Tudo indica que o projeto foi feito de afogadilho por técnicos preocupados apenas com arrecadação, sem levar em conta até mesmo os seus custos de execução, pois não podemos acreditar que o prefeito tenha assinado projeto que, se aprovado como está, pode acabar de vez com sua imagem de político que honra compromissos.

Esperamos que os vereadores rejeitem o projeto ou tentem convencer o prefeito e seus assessores de que os erros precisam ser corrigidos. E que sua discussão pública, se houver, não seja apenas uma reunião de vaquinhas de presépio que sempre comparecem para bater palmas no final.

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