Consultor Jurídico > Entrevista: Luís Inácio Adams, Advogado-Geral da União
Processo banalizado

"Impeachment sem fundamento jurídico substitui voto por pesquisa de satisfação"

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9 de dezembro de 2015, 18h05

Agência Brasil
Uma vez deflagrado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a principal barreira entre opositores e apoiadores da presidente passou a ser o Advogado-Geral da União, Luís Inácio Adams. A discussão que, a princípio, era política, passou para o campo jurídico e a defesa foi centralizada nas mãos dele.

A saída de Adams do governo já começava a ser planejada, pelo menos por ele. Pessoas próximas ao ministro diziam que, em 2016, ele entregaria o cargo que ocupa há seis anos. Não contava, no entanto, que iria para frente uma aposta que a própria oposição já vinha descartando, de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, dar andamento a um pedido de impeachment.

Conhecido como homem forte da presidente, Luís Inácio Adams afirma categoricamente que “agora é impossível falar em sair”. Sua missão, desde a posse como advogado público, em 1993, é defender o Estado. E, para ele, a tentativa de tirar Dilma do cargo coloca em risco toda a estabilidade do país, pois a insatisfação de uma parcela da sociedade passaria  a ser motivo para quebrar o rito das eleições e depor um presidente eleito pelo voto direto. “Apontam que a presidente caiu nas pesquisas, como se dissessem que isso fosse tão importante quanto eleição”, critica.

O pedido de impeachment aceito por Cunha leva em conta dois pontos: o atraso no repasse para bancos públicos de recursos utilizados pelo tesouro, chamados de pedalada fiscal, e o desrespeito às leis orçamentárias. Segundo Luís Inácio Adams, nenhum dos dois pontos traz a afronta à Constituição que é exigida pela própria Carta Magna para caracterizar crime de responsabilidade da presidente, muito menos sua deposição. Principalmente porque a cláusula que permite o atraso no repasse aos bancos públicos sempre foi considerada legal pelo Tribunal de Contas da União.

Nesta terça-feira (8/12), o ministro recebeu a ConJur em seu gabinete para entrevista. As manchetes dos jornais estampavam a carta do vice-presidente Michel Temer criticando Dilma Rousseff — vista como uma tentativa de se descolar do governo e acelerar o impeachment. Um chamado ao Palácio do Planalto para audiência com a presidente e para receber o apoio de governadores que foram a Brasília fez com que a entrevista, marcada para as 15h, tivesse início só às 18h30. Respondendo mensagens em dois telefones celulares e parando de tempos em tempos para atender o fixo de sua mesa, Luís Inácio Adams falou sobre todos os aspectos da luta que vem travando para manter a presidente em seu cargo.

Leia a entrevista:

ConJur — O ministro Ricardo Berzoini disse em entrevista que se o governo não conseguir os 171 votos para impedir o impeachment na Câmara, não tem base para governar. Isso não mostra que o governo está tratando o processo como político, em vez de jurídico?
Luís Inácio Adams —
A disputa também é política. A gente sabe disso. Agora, o que leva uma pessoa a votar uma posição não se resume a um apoiar ou não uma pessoa ou um partido. A decisão exige um elemento de fundamentação, de demonstração de conduta típica que aponte que aquela mandatária, no exercício das suas funções, violou a Constituição, nas hipóteses presentes no texto Constitucional e na legislação. Os parlamentares são obrigados a estarem atentos a esses elementos jurídicos. A acusação que temos hoje parece pescaria.

ConJur — Como assim?
Luís Inácio Adams —
A acusação tem [a compra da refinaria de] Pasadena, tem [operação] “lava jato”, tem pedalada fiscal, mas o que é o fato que justifica o impeachment da presidente?

ConJur — É o atraso no repasse aos bancos?
Luís Inácio Adams —
Mas qual é o ato da presidente nesse processo todo? Qual é o ato dela que violou a Constituição? Não tem. O Tesouro estabelece um limite financeiro. Quem pactuou para admitir a possibilidade de atraso? O órgão. É ele que vai fazer os pagamentos e repasses. O TCU, então, disse ter identificado problemas e indicou 17 autoridades para responder a esse processo, para esclarecer as questões. A presidente não está entre os 17! O TCU disse que ela não é responsável. Agora, o Congresso diz que tem responsabilidade política, mas não existe esse crime de responsabilidade política. A Constituição não fala que o presidente da República responde por crime para responsabilidade política geral da nação.

ConJur — A insatisfação com a atuação política não serviria para o impeachment
Luís Inácio Adams —
Do ponto de vista da política, existe espaço para questionar o evento, dizer que a presidente não deve ser reeleita, criticá-la e fazer um movimento no Congresso e fora dele. Outra coisa é a cassação do mandato presidencial, com a retirada forçada de um presidente de um mandato conferido num processo eleitoral. Não se estará simplesmente retirando uma pessoa, mas cassando uma escolha da sociedade, dos brasileiros, que votaram nela.

ConJur — A insatisfação apontada nas pesquisas não é o bastante?
Luís Inácio Adams —
Não se substitui uma eleição com pesquisa de popularidade. Apontam que a presidente caiu nas pesquisas, como se dissessem que isso fosse tão importante quanto eleição. Para que, então, gastamos bilhões de reais para fazer uma eleição no Brasil inteiro? Bastaria então fazer uma pesquisa de boca de urna e nossos problemas se resolveriam? Esse é o erro, a banalização. Tratam esse processo como se fosse uma trivialidade. Não é trivial, não é uma ação simplória. Ela tem um peso e nós temos que compreender esse peso, até para dar o valor à decisão que for tomada. Pois temos, sim, formas sérias de retirar um presidente do mandato.

ConJur — E por que não tem sido tratado, na sua visão, com a seriedade merecida?
Luís Inácio Adams —
É um problema que acontece quando há, no processo de decisão, um fator exógeno ao processo, que, no caso, é a disposição pessoal do presidente da Câmara [Eduardo Cunha] de abrir um processo. Isso contamina o processo.

ConJur — Mas não caberia a ele aceitar ou não aceitar o pedido de abertura de processo?
Luís Inácio Adams —
Cabe a ele, mas por que não aceitou antes? O que ele estava esperando? Ele disse que sabia desde de manhã, por que divulgou somente à tarde? Não questiono o poder que ele tem na condição de presidente da Câmara. A eletividade que exerceu no próprio processo gera um vício que contamina o processo. A deferência institucional obriga que a decisão seja contida nos limites que a tornem inquestionável. E isso se dá mediante um respeito a momentos, prazos, que não contaminem a decisão. Atos e condutas que contaminam o processo geram suspeição. Esse também foi o motivo de eu sustentar que o ministro do TCU [Augusto Nardes] estava suspeito. Que toda a conduta dele contamina o processo, porque fomenta um ambiente de condenação. É esse ambiente de condenação que gera o dirigismo.

ConJur — Que dirigismo seria esse?
Luís Inácio Adams —
Então, com todo respeito, ao ministro Luiz Fux [do STF, que indeferiu o pedido de suspeição], a decisão não compreende esse fenômeno, se apoia em formalidades. O devido processo legal não dá simplesmente o direito de falar, mas o direito de ser ouvido. E isso não foi respeitado.

ConJur — Por quê?
Luís Inácio Adams —
O juiz tem obrigação de ouvir os argumentos das partes. Não é dar prazo para juntar uma petição nos autos e depois colocar de lado e decidir como quer. Isso não é um processo legal, é um arremedo de processo legal. Formalmente processual, formalmente legal, mas não é a garantia constitucional que consta na Magna Carta. É uma grande conquista que está na substância na materialidade, no conteúdo desse processo. E o conteúdo exige que o magistrado tenha deferência ao argumento. Tem que observar, compreender, analisar, estudar aquilo que está sendo dito. E, se a defesa não faz sentido, cabe a ele rejeitar. Mas é preciso que haja deferência ao processo, que permita entender todos os argumentos colocados.

ConJur — O senhor acha que esse ambiente atinge todo o colegiado?
Luís Inácio Adams —
Ele surge a partir do cerco ao qual submete um colegiado. Abrir o Judiciário para a sociedade não pode ser submeter o tribunal à pressão. Ter manifestação de “plateia” em plenário, com vaia, não tem nada a ver com democracia nem com Direito. Dentro do tribunal a deferência é fundamental. Se não, exigem que o acusado se prove inocente, quando o processo exige o contrário [, que a acusação prove a culpa do réu].

ConJur — A presunção da inocência tem sido deixada de lado?
Luís Inácio Adams
— Nosso Direito não traz a expressão beyond reasonable doubt — acima de qualquer dúvida. A dúvida razoável é a compreensão de que aqueles fatos podem ser justificados de várias maneiras. Se essas dúvidas introduzem na minha convicção uma dúvida razoável, sou obrigado a absolver. O processo de condenação não é cartorial, mas nós, brasileiros, estamos acostumados a sistemas cartoriais.

ConJur — Como assim?
Luís Inácio Adams —
O sistema cartorial convive com as formas e com os processos. Lida com volumes, formalidades, carimbos, assinaturas e petições, mas não consegue extrair disso as pessoas e os fatos. Responde a uma espécie de maquinário. Um exemplo é o julgamento em lista, um conceito brasileiro onde ministros chamam centenas de processos e o julgamento é apenas dizer “deferido” ou “indeferido”. O ministro olhou aqueles milhares de processos e chegou a uma posição? É o cumprimento de uma etapa, um carimbo.

ConJur — O que se coloca, muitas vezes no debate público sobre as pedaladas é que isso já era feito em outros governos. Essa é uma defesa plausível?
Luís Inácio Adams —
Não. O argumento de defesa foi distorcido para justificar o contra-argumento. Na verdade, o que acontece é que sempre se interpretou a cláusula que permite as pedaladas como não violadora da Constituição. A questão foi enfrentada e afastada. No momento que o Tribunal de Contas olhou a cláusula e admitiu a pedalada, disse não é ilegal. Como é que podem, agora, dizer que a pedalada é uma infração se a cláusula que dá substrato a ela — que diz que o banco pode pagar as suas despesas com a compensação de juros — é considerada legal?

ConJur — É uma questão de jurisprudência, então?
Luís Inácio Adams —
Como esse contrato é considerado legal se permite o que seria uma infração? O TCU não leu o contrato que aprovou? Em todo esse processo, ninguém disse que o contrato está ilegal.

ConJur — Colocam que agora é feito em maior volume…
Luís Inácio Adams —
A lei fala de operação de crédito. Operação de crédito é operação de crédito com R$ 50 mil ou com R$ 500 milhões. O que se tem aí é interpretação subjetiva  da ideologia a distorcer os fatos. Nesse caso, nunca se considerou infração o que está sendo apontado agora. É a figura de linguagem da mulher meio grávida [ou está grávida, ou não está]. Ou se permite a operação de crédito, ou não se permite. Não existem esses limites. Se são dez dias ou cinco dias no cheque especial não faz diferença, a operação é a mesma. Ignoram que no fim do ano a Caixa se tornou devedora, ganhou mais do que perdeu. Parece que escolhem o que deve entrar ou não na discussão. Por isso que a decisão durou 19 minutos, quando a minha sustentação oral durou 20.

ConJur — É mais rápido decidir do que defender?
Luís Inácio Adams —
É mais fácil oito ministros decidirem em 19 minutos, analisando todos os pontos que eu defendi em 20?

ConJur — Um Congresso que aprova centenas de leis que depois são julgadas inconstitucionais tem condição de julgar se a pedalada fiscal afronta a Constituição a ponto de gerar um impeachment?
Luís Inácio Adams —
A garantia da cláusula democrática é respeitar as forças políticas representativas da sociedade na forma de um sistema representativo, que é o Congresso. Não há uma forma alternativa.

ConJur — Mas como esse julgamento vai ser jurídico?
Luís Inácio Adams —
É um debate que está com toda a sociedade, que se envolve no processo e envolve também os atores do processo. E participa, provocando. Não podemos assumir que as pessoas são exclusivamente irracionais. Toda a racionalidade se faz presente na defesa e na acusação. E ela foi testada. O debate foi travado no TCU. As questões foram apresentadas com racionalidade. E as incongruências demonstraram-se consistentes, tanto que hoje tem um volume grande de juristas que não concordam com a decisão. O debate sobre as contas incorporou não só argumentos jurídicos, mas argumentos pensados ideologicamente, interpretados ideologicamente. Aí entra a clausura que procura se impor à ação do executivo, eliminando a sua discricionariedade executiva na aplicação de políticas.

ConJur — O que é essa clausura?
Luís Inácio Adams —
É uma clausura que está construída em cima de uma ideologia. Coloca-se que a única coisa importante é meta fiscal. Não importa que as pessoas morram nos hospitais. Não importa que suspendam o Bolsa Família ou investimentos do Estado. Essa clausura que se criou não é o sistema correto. Esse debate não se encerrou. Ele está acontecendo no processo de impeachment, na discussão das contas… E vai acontecer nos estados, porque os governadores sabem que vai repercutir com eles. Eu sempre defendi, por exemplo, que esse relacionamento do sistema financeiro público fosse algo mais objetivo, mais controlado. Hoje tem uma flexibilidade perniciosa, que é a de não pagar. Essa capacidade do Estado tem que ter limites.

ConJur — Houve uma reunião do governo com 36 grandes nomes do Direito, que entregaram 10 pareceres contra o impeachment. Como vai ser organizada a defesa?
Luís Inácio Adams —
Estou centralizando na AGU. A ideia é sistematizar os argumentos, juntando todos os pareceres. Eles trouxeram elementos diferenciados. Por exemplo, o parecer do Heleno Torres fala da necessidade da demonstração do dano e da ideia do saneamento decorrente da manifestação subsequente do Congresso, sanando possíveis infrações. A mudança da meta fiscal tem um efeito jurídico de sanear eventuais situações que estejam em desacordo com essa nova meta. A Rosa Maria Cardoso da Cunha fala da ideia da necessidade e da concorrência entre princípios constitucionais diferenciados e princípios orçamentários.

ConJur — O orçamento seria um “princípio menor”?
Luís Inácio Adams —
São princípios concorrentes. O próprio Supremo veio estabelecer um precedente importante, ao julgar a questão prisional. A cláusula de contingenciamento não subordina, por exemplo, a questão prisional. Assim, a corte excluiu o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) da abrangência dessa lei. Não existe dispositivo nenhum na lei. É uma interpretação constitucional de que a dignidade da pessoa humana associada à questão prisional impõe a impossibilidade de contingenciamento. Existem valores e cláusulas constitucionais, que, de certa maneira, concorrem e limitam essas clausulas. Eu acho que existe o debate de criminalizar as políticas corretas do governo. No fim das contas, buscam inviabilizar ou criticar o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e as políticas de investimento. Que são as políticas corretas de governo.

ConJur — Até que ponto, ao atuar no caso do impeachment, a AGU faz uma defesa de governo e não do Estado?
Luís Inácio Adams —
Em hipótese nenhuma. Presidente é uma instituição, a AGU participa da defesa de órgãos de instituições do Estado. A presidente da República é uma instituição. Essa simplificação que se faz em relação às instituições é uma amostra e um exercício de manipulação de um conceito que procura expurgar a instituição num papel que é essencial: defesa. Falam como se o governo não fosse um elemento essencial do Estado. É a tradição e a experiência que afirmam ou não independências. Ter que provar que sou independente é uma fragilidade. Quando um juiz fala, como eu já ouvi falar, que não pode “votar contra o povo”, não é independência, é insubordinação. Não tem capacidade de juízo, vai decidir de acordo com o resultado das pesquisas de opinião. O exercício da independência é a capacidade de afirmar a sua convicção. E isso só existe pelos fatos, pela realidade. Quando a presidente vetou a questão dos royalties do petróleo, eu apoiei. Quando o Congresso derrubou o veto, eu sustentei a posição do Congresso, porque minha competência constitucional me obriga a isso e minha diretriz de trabalho é essa.

ConJur — Como está a presidente?
Luís Inácio Adams —
Ela está bem. Tem pessoas que crescem na adversidade, entendeu. A maresia mata. Na adversidade, no enfrentamento, ela cresce, ganha disposição. Ela tem essa característica capacidade de enfrentamento.

ConJur — O senhor acha que os deputados vão abrir mão do recesso para agilizar a decisão sobre impeachment?
Luís Inácio Adams —
Defendo que a responsabilidade do país exige que não haja recesso. Isso mostra o grau de responsabilidade. Colocar o país na perspectiva da cassação do mandatário e, na sequência, paralisar o processo para jogar com os tempos e oportunidades é manipulação.

ConJur — O que podem os advogados fazer para contribuir com a melhoria desse cenário de instabilidade que vivemos?
Luís Inácio Adams —
Nós temos que construir mais padrões de legalidade. Avançamos muito no Direito Constitucional, mas nós estamos perdidos no ponto de vista de alguns parâmetros de objetivos e limites. Fundamentalmente dentro do próprio Estado. Ao Estado e aos agentes têm que ser impostas condutas, regras de compliance e de comportamento. Seja do sistema tributário, seja na administração pública, nas ações de controle e administração… O Estado incorpora e mantém uma natureza inquisitorial muito forte, a lógica do devido processo legal aplicado ao sistema administrativo ainda é muito frágil. E isso vale para todos. O advogado tem uma responsabilidade, porque ele é o portador desse contraditório, ele é o portador da pretensão de ser ouvido, de falar e ser compreendido. Acho corretíssimo o novo Código de Processo Civil obrigar o juiz a fundamentar e analisar os argumentos da parte. Ele tem que responder sobre o que está sendo provocado, mesmo para dizer que é um absurdo.

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Organização do Estado

"Na prática, autonomia funcional só tem sido usada para buscar benefícios"

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5 de julho de 2015, 8h03

Spacca" data-GUID="luiz-inacio-adams-spacca.png">O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, vive dias agitados. Como decano da Esplanada dos Ministérios, é ele o responsável por defender tanto o governo quanto as políticas públicas, o Estado e a presidente da República.

Por isso é que ele hoje divide as atenções entre as discussões sobre “pedaladas fiscais” no Tribunal de Contas da União, costurar junto ao Ministério do Planejamento formas de valorizar a carreira da advocacia pública federal e mostrar ao meio empresarial que os acordos de leniência são seguros e valem a pena, mesmo com toda a exposição à qual submete as companhias.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Adams reconhece que a lei Anticorrupção (12.846/2013) tem suas falhas, principalmente porque distribui competências concorrentes. Segundo ele, o esforço da administração pública agora é o de uniformizar sua atuação para dar segurança jurídica aos acordos. Do ponto de vista legislativo, Adams acredita que o texto deve ser mais completo para dizer, por exemplo, qual o papel do Ministério Público na investigação administrativa da corrupção.

E se o ministro-chefe da AGU tem papel fundamental no alto índice de judicialização de conflitos, a postura do AGU atual foi bastante elogiada durante as discussões dos projetos de lei sobre mediação e arbitragem, recentemente aprovados pelo Congresso. Ambos os textos pretendem estimular a cultura da não judicialização, mas é o poder público quem responde por quase 40% de todas as ações em trâmite, que hoje estima-se que cheguem a 100 milhões.

O ministro Adams é, por exemplo, um defensor de saídas não judiciais para as execuções fiscais, que representam 30% dos processos em acervo nos tribunais. Ele é autor de um projeto para tornar a cobrança de impostos uma ação administrativa, e não mais judicial.

Mas ele sabe que o caminho apenas começou: “A mediação é um instrumento que depende de uma cultura de acordo, o que é muito difícil ainda na administração tributária. Não é impossível, pois diversos países têm isso, mas, como é uma obrigação que decorre de lei, não é disponível, a princípio”.

Lei a entrevista:

ConJur — O senhor acha que o governo pode perder no TCU, no caso das chamadas “pedaladas” fiscais?
Luís Inácio Adams —
Espero que não. É uma decisão que, em termos técnicos, a União não perde. Os argumentos são consistentes. Hoje se pontuam questões da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) que evidenciam como são feitas as coisas. Veja a questão do contingenciamento. A lei, no artigo 9º, caput, deixa claro que não é atribuição apenas do Executivo fazer o contingenciamento. Mas onde está o contingenciamento do Judiciário, do Legislativo e do próprio TCU? Não existe, mas a lei exige. O Executivo não pode fazer contingenciamento em nome deles. Diz a lei: “Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos 30 dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.

ConJur — Isso comprova a correção do governo?
Luís Inácio Adams —
A rigor, posso garantir que usamos a metodologia adequada. As ações foram feitas da melhor forma. Em relação aos repasses aos bancos, eles seguiram a sistemática adotada há 14 anos e que foi referendada pelo próprio TCU. Nunca foi objeto de qualquer apontamento. Essas sistemáticas, do ponto de vista objetivo, nunca resultaram em prejuízo para o banco. Entre depósitos e pagamentos, a União sempre foi credora, nunca pagou juros, já que nunca ficou devendo.

ConJur — Vale a pena para as empresas fazer acordo de leniência?
Luís Inácio Adams —
Eu acredito que vale, porque as empresas que têm um agente seu envolvido em prática de corrupção se submetem a todo o rigor da Lei 12.846, que é a Lei Anticorrupção. Ela impõe multas pesadas e é focada fundamentalmente na formação de compliance. Ou seja, de comportamentos por parte de empresas e instituições em favor do combate à corrupção, que são regras de transparência, de gestão, de controle etc. que a empresa tem que adotar para garantir isso. Ora, o acordo da leniência é um instrumento que permite fortalecer esta implementação de compliance associado a outros elementos, que são a recuperação dos valores e a colaboração com a investigação. Esse conjunto representa, no meu ponto de vista, o que eu chamo de um resgate reputacional da empresa. Uma empresa que se vê envolvida numa situação de corrupção contra o Estado tem a sua imagem fortemente afetada na sociedade e isso também repercute no próprio sistema de financiamento das empresas. Portanto, vale para a companhia que queira de fato fazer esse exercício de reestruturar-se em favor do combate a essa situação de corrupção.

ConJur — Agora, a empresa abre todos os seus números, confessa, denuncia etc. para fazer um acordo com acordo com a CGU, mas fica sujeita à ação do Ministério Público ou do Tribunal de Contas da União. Que vantagem ela tem?
Luís Inácio Adams —
Temos trabalhado para que haja uniformidade de entendimentos entre esses órgãos, o que não conseguimos ainda alcançar, mas já temos um caminho via Tribunal de Contas da União. Quer dizer, um acordo firmado numa modelagem que nós construímos hoje passa em algum momento pela homologação do Tribunal de Contas, o que dá efetividade maior ao próprio acordo. Então até mesmo quando o MP não concorda com o acordo, ele ganha força e isso dá segurança. Não é de se menosprezar, por exemplo, que o Cade faz acordos de leniência, inclusive com repercussão penal, e essa leniência ninguém discutiu. Já foram 49 acordos firmados, as empresas não deixaram de firmá-los.

ConJur — Mas o acordo com o Cade é igual a esse da nova lei, com a CGU?
Luís Inácio Adams —
Tem dois tipos de acordo de leniência, um que trata da corrupção e um que trata dos crimes contra a concorrência, como os crimes de combinação de preços, cartel etc. Este segundo espectro de atuação é do Cade há bastante tempo.

ConJur — Já existe algum caso do acordo previsto na Lei Anticorrupção bem sucedido?
Luís Inácio Adams —
Até onde eu estou informado, não.

ConJur — Isso quer dizer que a lei até agora não funcionou nesse ponto
Luís Inácio Adams —
A lei é nova e o evento que ela está sendo chamada a regular é muito grande, muito impactante. Sua aplicação causou grande controvérsia, e isso gerou insegurança. É claro que, no Brasil, temos a dificuldade de que, para as mesmas situações há vários órgãos incidindo sobre aquela situação: Tribunal de Contas, Ministério Público da União, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União, Petrobras… É uma multiplicidade muito grande. Veja a questão ambiental, por exemplo: tínhamos um problema regulatório em que o mesmo evento ambiental podia ser submetido à fiscalização ambiental do estado, do município e da União, criando uma verdadeira balbúrdia, uma babel. Em parte isso foi regularizado com a Lei Complementar 140, mas, de qualquer maneira, essa realidade sobreposta da atuação estatal permanece, o que gera uma grande insegurança, de fato.

ConJur  — E qual é a solução?
Luís Inácio Adams
 — Do ponto de vista da administração, o esforço é tentar uniformizar isso, tentar construir soluções que deem o maior grau de segurança possível. Por isso que, por exemplo, a gente procurou uma forma de o próprio TCU poder se manifestar no mérito do acordo de leniência, e aí ele adquire consistência, força, substância  — inclusive do ponto de vista da própria “confissão”, vamos dizer assim.

ConJur — Mas por mais que a lei seja nova, o fato de ninguém ter se interessado até agora não é um sinal positivo…
Luís Inácio Adams —
Foram poucas empresas, quatro ou cinco, interessadas em fazer um acordo. Mas é uma dinâmica complicada, porque um acordo de leniência requer tempo, não é meramente arbitrário. E o Brasil ainda não estabeleceu como fazer isso, como lidar com isso. O governo conseguiu dar força a esse espaço de investigação, de persecução, e essa força tem resultados nessas grandes operações que têm conseguido identificar situações de núcleos de corrupção no Estado. Agora, a controvérsia política suscitada dentro da sociedade, associada também a algum nível de protagonismo que muitos órgãos procuram ter, faz com que o tema seja ainda suscetível a debate e forma uma percepção de insegurança, de incerteza.

ConJur — A lei foi mal feita?
Luís Inácio Adams —
Talvez ela precise ser aperfeiçoada, sim. O próprio Ministério Público, por exemplo, requer a possibilidade de fazer acordo de leniência, o que hoje não está previsto.

ConJur  — Outra questão que se coloca é a da repercussão da decisão na esfera penal na esfera administrativa. O que acontece se a empresa assina um acordo de leniência com a CGU, mas depois há absolvição criminal? Tudo o que está na CGU é desconsiderado?
Luís Inácio Adams –
Não, porque a CGU está na esfera administrativa. Você não faz o acordo de leniência só depois que o processo penal foi julgado em definitivo.

ConJur — Mas e no caso de os dois correrem paralelamente?
Luís Inácio Adams —
O acordo permanece válido. A empresa reconheceu algum grau de ilícito. Mesmo que o agente da companhia venha a ser absolvido, por exemplo, por atipicidade penal ou até por prova de inocência, o acordo está firmado. Ele não deixa de existir por causa disso.

ConJur — Mudando um pouco de assunto, o que muda com a nova Lei de Mediação e com as mudanças na Lei de Arbitragem?
Luís Inácio Adams —
Nos dois casos há um forte espaço para o setor público. Conseguimos avançar muito na admissão dos instrumentos extrajudiciais como ferramentas de solução de conflitos com o Estado. Tem um capítulo na Lei de Mediação que foi desenvolvido a partir de uma discussão aqui com a AGU e conseguimos prever a mediação como modelo factível de solução de conflito entre os cidadãos e Estado, o que é fundamental. É um primeiro passo importante. O segundo ponto é que a mediação nunca chegou a ser de fato regulada, nunca teve um instrumental para isso, e agora temos todo um regramento. A mediação procura facilitar o entendimento entre as partes, o que se dá por intervenção de um agente treinado e que procura distensionar o litígio que existe entre essas partes. E um ponto importante é a existência de uma tentativa de mediação prévia ao próprio litígio, à fase judicial, o que facilita a redução de litigiosidade.

ConJur — Essa nova forma de relacionamento pode facilitar a execução fiscal pela via administrativa? 
Luís Inácio Adams —
Sou a favor, mas o problema da execução fiscal é que nós não estamos mais com o modelo administrativo, em que pese o fato de que texto que está lá admita uma fase semiadministrativa. Ou seja, estamos trabalhando com um modelo que se aproxima do Código de Processo Civil. Já encaminhamos ao Congresso uma proposta de aperfeiçoamento do processo de execução para que sejam retirados da esfera judicial os dois elementos que hoje estão soterrando o Judiciário: a localização do devedor e a localização de bens. Só vai pra juízo se tiver bens e se o devedor estiver devidamente identificado.

ConJur — A mediação ganharia espaço aí?
Luís Inácio Adams — 
A mediação é um instrumento que depende de uma cultura de acordo, o que é muito difícil ainda na administração tributária. Não é impossível, pois diversos países têm isso, mas como é uma obrigação que decorre de lei não é disponível, a princípio. Depende de uma legislação que autorize essa composição. E também, por haver toda uma visibilidade pública social, o exercício da mediação é muito mais complexo nesse caso. Mas eu acredito que sim, que ele pode ser adotado com as especificidades próprias.

ConJur — Porque que foi vetada a arbitragem para relações de trabalho e consumeristas?
Luís Inácio Adams —
Havia uma preocupação de que a lei não deixava claro que a adesão, no caso do consumidor, não fosse em contrato padrão. Ou seja, que o fato de ele ter assinado um contrato padrão já o obrigaria, uma vez iniciada a arbitragem, a ela ser realizada, e não como um entendimento no qual tivesse livre disponibilidade. Por isso se vetou e agora está procurando uma formulação mais clara nesse sentido.

ConJur — E na área trabalhista?
Luís Inácio Adams —
Há uma resistência muito grande do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho às dinâmicas arbitrais e de mediação. Essa resistência se deve à lógica protetiva aos direitos do trabalhador. Isso resulta em perda muito grande das alternativas eleitas pelas próprias pessoas interessadas. Evidentemente há pessoas carentes, que não têm poder decisório real, mas muita gente tem. Mas o que se acertou na própria comissão de juristas, que propôs o anteprojeto da nova lei, é que haveria uma legislação própria para esses institutos no âmbito da Justiça do Trabalho e que não ficaria apenas a mera admissão genérica do modelo de lei geral. Haveria a necessidade de se trabalhar melhor num texto específico para a implementação dessas soluções na esfera trabalhista.

ConJur — Sobre as demandas da categoria, a grande reclamação é a remuneração. Há no Congresso duas PECs, uma dando autonomia administrativa à AGU e outra vinculando o salário do advogado público ao do ministro do Supremo. Há uma competição de autonomias. Como equacionar isso?
Luís Inácio Adams —
As chamadas áreas jurídicas vivem em certo grau de distanciamento em relação às demais funções – exceto a advocacia pública, pelo menos a federal. Então, com as PECs 82 e 443 o Congresso Nacional veio a responder ou a parametrizar a realidade da advocacia pública a essas outras instituições. Porque somos a única função essencial à Justiça que está em uma posição de defender tanto uma política pública quanto o administrador. A própria administração, aguçada por ações judiciais, tem na advocacia pública sua primeira linha de frente, e esse esforço que a advocacia pública faz exige também que ela tenha um grau de reconhecimento equivalente. Acredito que as PECs são uma resposta do próprio Congresso. Nesse sentido elas são importantes, para dar esse reconhecimento, que alguns chamam de paridade de armas, para ter equivalência do ponto de vista de captação de quadros.

ConJur — O senhor concorda com essa ideia de autonomia administrativa que está sendo proposta?
Luís Inácio Adams —
A questão da autonomia administrativa está virando uma coqueluche, como se isso fosse solução. Entendo que, se essa é a solução para o Estado brasileiro, a AGU tem que estar nela, necessariamente. Só que eu vejo que a prática dessa autonomia tem sido não para a finalidade do órgão, mas para a concessão de benefícios. É o exercício da finalidade da autonomia para fins internos. Na Defensoria Pública da União, as resoluções que estão propondo são só para aumento, férias, salário, auxílio etc. Agora, o caso da PEC 82 tem uma diferenciação. Ela não trata de um problema de autonomia administrativa. Está tratando uma questão orçamentária. Ela dá à AGU a autonomia de fazer a própria proposta orçamentária sem que o Executivo possa contingenciar. Então ela é muito mais focada na questão orçamentária que administrativa.

ConJur — E como a AGU tem encaminhado essas questões administrativas internas?
Luís Inácio Adams –
Estivemos com os ministros Nelson Barbosa [Planejamento] e Aloizio Mercadante [Casa Civil] e enviamos essa proposta para o Ministério do Planejamento para discussão. Outra proposta é o plano de carreira, um tema antigo e que está com o Planejamento e acredito que agora deve avançar, seja no âmbito da Casa Civil, seja do Ministério da Fazenda ou do próprio Planejamento. Também encaminhamos um texto para termos uma agenda estruturante, e isso já foi acertado com a Casa Civil.

ConJur — Estruturante em que sentido?
Luís Inácio Adams —
Seja a estrutura de comissionamento da AGU, seja a estrutura de funcionamento, de estrutura material dos prédios e assim por diante. A AGU muitas vezes responde por coisas que ela não administra. Por exemplo: a AGU tem mais de mil unidades presentes em diversos órgãos federais. Porém, dessas unidades, cerca de 300 estão sob gestão administrativa da AGU, ou seja, os recursos orçamentários e financeiros de custeio são da AGU. As demais são alocadas em outros órgãos, sendo os recursos orçamentários e financeiros dos ministérios, no caso das Consultorias Jurídicas, ou das autarquias e fundações federais, no caso de algumas procuradorias federais. Por isso a estruturação desses órgãos vai exigir algum nível de coordenação para que haja condições de trabalho adequadas para todos os servidores, advogados e procuradores. E a Casa Civil deu até o dia 30 de julho para que a AGU, o Planejamento e a Fazenda concluam essas conversas para que possamos iniciar o segundo semestre com propostas concretas.

ConJur — Então vai fazer os órgãos se articularem melhor entre si e dentro de uma cadeia de comando?
Luís Inácio Adams — 
Sim. E também dar os meios. O quadro de pessoal, as condições de trabalho, a remuneração compatível com a captação de quadros no mercado e com o que outras organizações têm. O que não pode acontecer são essas situações de o analista judiciário que atende o balcão ganhar mais que o advogado público. Isso é uma distorção, porque as funções são diferentes: uma é meramente administrativa e a outra é a representação judicial de um órgão.

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