Expediente alargado

TJs se articulam para funcionar por nove horas

Autor

9 de abril de 2011, 8h03

Nos três anos que ficou à frente da Comarca de Touros (RN), o então juiz de Direito Walter Nunes trabalhava no ritmo do cotidiano da pequena cidade: ao meio-dia, como é de praxe em cidades interioranas, o comércio abaixava as portas e a população ia para casa. Hoje, relator da resolução do Conselho Nacional de Justiça que pretende mudar a rotina de parte do Judiciário brasileiro, Nunes diz que "existe solução para a falta de uniformidade do horário do Judiciário, mas é preciso técnica de gestão".

Embora a resolução do CNJ ainda nem esteja numerada e sua publicação deva acontecer somente daqui duas semanas, Tribunais de Justiça — e servidores, inclusive — já estão se posicionando para se adaptar à nova norma. Ao prever que "o expediente dos órgãos jurisdicionais para atendimento ao público deve ser de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas, no mínimo", a resolução provocou reações favoráveis e outras nem tanto à mudança.

Os servidores, por exemplo, estão articulando uma paralisação para a próxima quarta-feira (13/4). Em nota divulgada no site da Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados, o diretor de Comunicação da entidade, Josafá Ramos, questiona: "Terão os tribunais condições de suprir as unidades judiciais sem prejudicar a jornada de trabalho dos servidores? Como fica a situação dos servidores que têm garantido por lei uma jornada de 6 horas em turno único ou até mesmo daqueles servidores que dispõem de jornada de 7 horas?".

O conselheiro do CNJ responde: "É preciso deixar claro que o CNJ não está criando um novo horário de funcionamento, mas, sim, uniformizando o que já existe, sem prejuízo da jornada de trabalho do servidor público". Segundo ele, a resolução, em nenhum momento, contraria o estabelecido no estatuto da classe e, para satisfazer a ambos os lados, precisa muito mais de um empurrão da equipe de gestão do que de ampliação na jornada de trabalho.

Uma dose de criatividade pode ser encontrada no Tribunal de Justiça do Maranhão. O órgão funciona para atendimento ao público das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, graças a um programa especial de gratificação para aqueles que aderirem à jornada de oito horas de trabalho. O esforço extra é acertado com a Gratificação de Atividades Judiciária, conhecida entre os servidores como GAJ.

Por meio dela, a folha de pagamento vem com um acréscimo de 20% sobre o vencimento habitual. Como resultado, o tribunal apresenta um quadro 1,5 mil servidores trabalhando as oito horas diárias, de um total de 4,5 mil. O TJ-MA calcula que já em janeiro de 2012 o benefício poderá alcançar todos os servidores.

Os presidentes dos Tribunais de Justiça evitam falar sobre o assunto antes que uma solução definitiva seja encontrada. Dados do Fenajud apontam que o turno único de seis horas de jornada pode ser encontrado, atualmente, em Alagoas, Sergipe, Maranhão, Mato Grosso, Espírito Santo, Bahia, Amazonas, Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pernambuco. Já Acre, Ceará, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, Amapá, Rio de Janeiro, Piauí, Roraima, Paraná, São Paulo e Paraíba operam na base das sete horas diárias. Somente no Judiciário dos estados de Goiás, Rio Grande do Sul e Tocantins funcionam oitos horas por dia, com as equipes divididas em dois turnos.

Essa última opção é recomendada pelo conselheiro Nunes. "Se o gestor instituir dois turnos de seis horas, o tribunal pode ficar aberto até por 12 horas, superando o tempo recomendado pela resolução, que fala em nove horas diárias", calcula. Alguns estados, como é o caso de Santa Catarina, possuem leis estaduais que autorizam o expediente de seis horas diárias.

Os trabalhos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina começam ao meio-dia e seguem até as 19 horas. O juiz Paulo Ricardo Bruschi, presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses, lembra que o funcionamento é amparado por uma lei do estado. A Lei Complementar 68, de 2010, determina que os servidores devam trabalhar em jornadas corridas de sete horas.

Apesar da existência desse tipo de lei, Nunes lembra que a própria Resolução 88/2009 — que sofre alteração com a recém-nascida resolução — recomendou que o Judiciário estadual encaminhasse projeto de lei às assembleias legislativas pedindo a adequação do horário. Foi o que fez o Tribunal de Justiça do Ceará. A proposta foi encaminhada à Assembleia Legislativa a fim de aumentar a jornada de trabalho em dez horas semanais, passando para 40 horas.

A Assessoria de Imprensa do Judiciário alagoano informa que uma comissão está estudando a melhor forma de atender ao pedido do CNJ. No Amazonas, cujo Tribunal de Justiça funciona das 8h às 15h, o assunto está sendo debatido na corte. No Acre, onde as portas do tribunal abrem para o público às 7h30 e cerram às 14h30, o Tribunal Pleno Administrativo decidiu acatar a resolução de uma vez por todas, com a fixação de dois turnos de trabalho: os primeiros servidores chegam às 7h e trabalham até as 14h e, outra parte entra às 11h, saindo às 18h.

Enquanto alguns tribunais funcionam em período aquém do esperado pela nova resolução do CNJ, o Tribunal de Justiça de Goiás abre uma hora antes do que pede o CNJ, às 8h, e segue até as 18h.

Por outro lado, tanto o Judiciário do Distrito Federal quanto o de Minas Gerais e do Espírito Santo dizem que só vão fazer alterações no esquema de funcionamento depois que a resolução for publicada. "Não podemos aprovar uma nova Resolução sobre o horário, sem que o Conselho tenha publicado oficialmente a alteração feita na Resolução 88", disse o presidente do TJ-ES, desembargador Manoel Alves Rabelo. Segundo ele, para atender à resolução do CNJ que determina que o Judiciário deveria economizar energia, o atendimento ao público acontece do meio-dia às 19h.

A Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça mato-grossense explica que a ampliação do horário de atendimento, que hoje é do meio-dia às 19h, está sendo estudada "para que isso não resulte em um aumento de despesa na folha de pagamento". Na Paraíba, a Justiça estadual está estudando formas de moldar a capacidade do TJ ao horário exigido pelo CNJ.

Durante sessão, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná decidiu adiar a definição sobre o funcionamento para 90 dias, a contar de 1º de abril. A intenção é travar um diálogo com o CNJ. Com isso, pelos próximos três meses o tribunal continua com seu horário costumeiro: do meio-dia às 18h para atendimento externo e do meio-dia às 19h para expediente interno.

Em Pernambuco, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Fernandes de Lemos, garante que "a determinação do CNJ não implicará em aumento do horário de expediente do servidor" e que está analisando de que maneira a mudança será implantada.

O conselheiro Walter Nunes não acredita em justificativas como necessidade de economia de energia ou baseadas em condições climáticas. Como a Consultor Jurídico noticiou, o presidente da Associação dos Magistrados da Paraíba, juiz Antonio Silveira Neto, diz que no estado "como em quase todo Nordeste, a população rural é muito grande. As pessoas acordam lá pelas cinco da manhã e vão para o fórum, para a feira, resolver tudo logo cedo, quando o sol ainda é suportável".

Para o CNJ, o cidadão é o maior prejudicado quando não há uniformização dos horários de atendimento no sistema de Justiça. O próprio Judiciário da Paraíba funciona em dois horários distintos: Campina Grande e João Pessoa, do meio-dia às 19h, e municípios interioranos, na parte da manhã. "Há uma sensibilidade do CNJ para analisar quando comarcas muito pequenas, por exemplo, que tenham quatro ou cinco funcionários, não precisam funcionar as nove horas diárias", garante Nunes.

De acordo com o conselheiro, o acompanhamento da mudança de horários "é mais fácil do que parece". "Pode ser feito das mais diversas formas", explica, "até com uma simples ligação. E nós ainda temos o usuário ao nosso lado. Ele sabe se o tribunal está ou não obedecendo à determinação".

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!