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PEC dos Recursos impede exercício da cidadania

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9 de abril de 2011, 11h04

A PEC dos Recursos, além de nitidamente inconstitucional, pois viola princípios inseridos nas cláusulas pétreas da Carta de 1988, é extremamente injusta para com o povo brasileiro, que, finalmente, está aprendendo a conhecer quais são seus direitos e recorrendo ao Judiciário para vê-los garantidos.

Conforme vão se passando os anos e vou ganhando experiência de vida e jurídica, constato quão injusta e nefasta tem sido a postura do Estado brasileiro ao longo da história. Desde os tempos da colonização, raramente nossos governantes, do Império à República atual, se preocuparam em solucionar as verdadeiras causas dos problemas nacionais, mas tão somente buscaram, ao remendar as leis, atacar seus efeitos.

Mesmo muito antes do golpe militar de 1964, o Estado brasileiro já era criticado pela comunidade internacional pela falta de conhecimento legal dos seus cidadãos e a decorrente ausência da cidadania, pois o povo brasileiro não pôde cultivar o saudável costume de exigir que seus direitos fossem atendidos e de buscá-los, recorrendo ao Poder Judiciário.

Passados 47 anos do golpe militar, com o retorno da democracia, o fim da inflação galopante e a criação de uma nova classe média, o povo brasileiro, progressivamente, passou a conhecer seus direitos e a exercer sua cidadania na plenitude.

Assim, cada vez mais, o brasileiro deixa de ser omisso e subserviente aos desmandos do Estado e às injustiças que as empresas, entidades financeiras e o próprio Estado, por anos a fio, praticaram sem que houvesse uma resistência suficientemente forte, capaz de alterar aquele modus operandi.

Mas, justamente quando o povo passa a exercer de forma crescente seu direito/dever de cidadania, corre o risco de ver suas expectativas serem frustradas com a edição da PEC dos Recursos, cuja origem, lamentavelmente, é justamente a corte constitucional.

Em vez de o Estado brasileiro ter investido em educação, saneamento básico, saúde, moradia e no Poder Judiciário, buscando combater a causa dos problemas e não suas consequências, mais uma vez o povo corre o sério risco de ser vitimado pela inércia, incompetência e irresponsabilidade de seus governantes, eleitos diretamente ou por eles nomeados, para defender os interesses da coletividade, e não para fazer o contrário.

Com efeito, ao longo dos últimos dez anos, não houve suficiente investimento em construção de novos fóruns, na modernização da infraestrutura do Judiciário, para dar mais agilidade à tramitação dos feitos, conforto e dignidade para os postulantes, embora, é verdade, os magistrados e membros do Ministério Público tenham sido agraciados com melhores salários, ainda que os serventuários mais humildes da Justiça tenham de recorrer a greves sazonais por melhores vencimentos e condições de trabalho.

O Estado brasileiro assistiu inerte ao aumento das demandas judiciais, sem nomear maior número de juízes, sem criar novas turmas nos tribunais estaduais e federais e, assim, permitiu que o gargalo do Poder Judiciário fosse a cada dia se estreitando mais. Respeitada a opinião do eminente ministro idealizador da PEC em referência, não se pode buscar celeridade na tramitação dos feitos pela simples imposição de limitação de recursos.

Cerca de 90% dos recursos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal têm a participação ativa da própria administração pública, principalmente do Executivo. O Poder Executivo e órgãos públicos, empresas públicas ou de economia mista, recorrem habitualmente de toda e quaisquer decisões que não os favorece, sustentando na maioria das vezes teses vencidas pela doutrina e contrárias à jurisprudência majoritária de todos os tribunais da República.

O Estado é contumaz litigante de má-fé, inadimplente e desrespeitador das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, pois não paga os precatórios e nenhuma medida efetiva é tomada contra tais desmandos.

São raros os casos de pedido de prisão contra os governantes que desobedecem reiteradamente as determinações judiciais, raras as intervenções deferidas, raros os sequestros de valores para pagar os precatórios vencidos há anos e anos e, mais raro ainda, a aplicação de multa, por litigância de má-fé, à administração pública.

Em matéria tributária, é público e notório que o Estado tem o costume de editar normas ilegais e inconstitucionais, além de muitas vezes cobrar do contribuinte por valores já pagos. Nesses casos, geralmente, o contribuinte somente tem êxito em sua defesa quando consegue finalmente chegar aos tribunais superiores, que verificam o abuso da administração pública e reformam as decisões dos tribunais de segundo grau.

Imaginem a situação do contribuinte com a eventual promulgação da tal PEC. Julgado em segundo grau o recurso em desfavor do contribuinte, mesmo sendo sabedor que terá êxito nos tribunais superiores, a ilegal cobrança deverá ser paga, para posteriormente ter que aguardar, por anos a fio, para obter a devolução por meio de um precatório.

Na área criminal, então, os efeitos dessa PEC serão igualmente nefastos. A cada dia que passa, a mídia nacional publica os desmandos e ilegalidades cometidas por setores da Polícia e do Ministério Público.

A mídia nacional vem exibindo que não são raros os casos de “privatização” de ações da própria Polícia Federal, quando elementos a ela filiados praticam o uso ilegal da máquina do Estado para interesses de particulares, assim como abusos de poder e nulidades de toda ordem, às vezes cometidos por serventuários da própria Polícia, do Ministério Público e até por magistrados, nas famosas e espetaculares operações policiais.

Incontáveis sentenças e acórdãos são totalmente reformados pelos tribunais superiores, que verificam as patentes nulidades perpetradas ao longo de toda a tramitação de determinados feitos. Como fazer com o cidadão preso injustamente? Após longos anos de cárcere, alijado de seus direitos, dignidade e liberdade, se faz simplesmente um pedido de desculpas pelo erro Judiciário e alguma indenização ao restituir-lhe a liberdade?

Nos casos de ações de família, os efeitos dessa PEC tampouco serão melhores. Sem entrar, aqui, no mérito, se corretas ou não, as decisões proferidas nos casos de rapto, sequestro internacional de crianças, ou mesmo de pedido de mudança de país, ao se legalizar que uma mera decisão de segunda instância, determinando o envio imediato de um menor para o exterior e sendo vedada a concessão de efeito suspensivo, como evitar que um eventual e irreparável equivoco ocorra?

E se tal criança for enviada para um país cujas leis difiram substancialmente da legislação brasileira? E se determinado país não tiver qualquer tratado de cooperação judicial com o Brasil? Como trazer esse brasileirinho de volta para casa quando eventualmente for reformada a decisão “transitada em julgado em segundo grau”?

A PEC dos Recursos visa tirar o efeito suspensivo de todos e quaisquer recursos aos tribunais superiores. Nem os militares, nos tempos da ditadura, ousaram tamanha iniquidade em relação aos direitos do povo brasileiro, em nome dos quais deve funcionar o Poder Judiciário.

Para solucionar o problema de celeridade na tramitação de processos, basta que o Estado cumpra a finalidade para a qual foi criado e, entre seus deveres fundamentais, invista com responsabilidade no Poder Judiciário, com a criação de novos fóruns, na informatização da Justiça, na formação de mais juízes e promotores, fiscalize os cursos de Direito, crie mais varas judiciais, mais turmas nos tribunais de segunda instância e que o Estado não mais tenha o prazo em quádruplo. E, por que não, uma PEC para criar mais uma turma no Superior Tribunal de Justiça e outra no Supremo Tribunal Federal?

Ajudaria também se o Estado deixasse de recorrer sistematicamente aos tribunais superiores de toda e qualquer decisão que lhe seja desfavorável por meio dos repudiados recursos de caráter unicamente protelatórios. Só isso já diminuiria significativamente o número de recursos que os ministros teriam que julgar, deixando-os com mais tempo para analisar e decidir os casos que realmente são importantes para a nação e o povo brasileiro.

Seria producente que o Estado passasse a ser multado por litigância de má-fé, quando interpõe repetidos e desnecessários recursos protelatórios; que se obrigue o pagamento de precatórios na data de seu vencimento, sob pena de imediata intervenção no Estado devedor, e que pratique o pertinente confisco de valores.

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