Tratamento dual

"Sistema criminal distingue ricos e pobres"

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7 de abril de 2011, 12h31

“A dualidade de tratamento entre ricos e pobres já foi discutida no passado e os países desenvolvidos já superaram essa fase. Mas parece que o Brasil não superou”. A afirmação é do desembargador Fausto Martin De Sanctis, que atuou no caso Castelo de Areia, em entrevista ao jornalista Flávio Ferreira, do jornal Folha de S.Paulo.

Negando-se a falar sobre o caso Castelo de Areia, De Sanctis disse que “o grande desafio do Judiciário brasileiro é reafirmar o princípio da igualdade e não fazer reafirmações que passam de forma concreta a ideia de que o crime compensa para alguns”.

Ao comentar os trabalhos de apuração baseados em interceptações e denúncias anônimas, mais uma vez o desembargador preferiu não falar diretamente sobre o caso Castelo de Areia. “A partir do momento em que determinados casos vieram à tona, e não estou falando da Castelo de Areia, a jurisprudência simplesmente vira e interpreta com rigor tal que não se tem como investigar ou processar, pois tudo leva à prescrição, à nulidade ou à inépcia da denúncia”, disse.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Como o sr. avalia a decisão do STJ que anulou os grampos da Castelo de Areia?
Não posso falar sobre esse caso concreto, mas posso falar sobre o sistema criminal de um modo geral. Em várias situações o Supremo Tribunal Federal já legitimou interceptações após denúncias anônimas e prorrogações de interceptações por longos prazos. A Justiça tem um compromisso, pois ela serve de estímulo ou desestímulo para outros órgãos de poder. Não se pode comprometer a imagem da Justiça como uma Justiça dual, que trata diferentemente pobres e ricos. O grande desafio do Judiciário brasileiro é reafirmar o princípio da igualdade e não fazer reafirmações que passam de forma concreta a ideia de que o crime compensa para alguns. A dualidade de tratamento já foi discutida no passado e os países desenvolvidos já superaram essa fase. Mas parece que o Brasil não superou.

Qual será a repercussão desse julgamento para outros casos que tiveram interceptações após denúncias anônimas?
Não posso falar desse julgamento, mas é nítido para juízes criminais, Ministério Público, Polícia Federal e advogados o desestímulo institucional já existente. Tudo o que é feito é sempre interpretado de maneira favorável às teses provenientes daqueles que lucram muito com elas. Não existem direitos sem deveres, mas parece que os deveres não são exigidos ou são muito bem flexibilizados em determinadas situações, o que é inconcebível.

O subprocurador que representou o Ministério Público no julgamento disse ser preciso reavaliar os cuidados nas apurações. O senhor concorda?
Não falo do fato concreto, mas acontece que há uma total desorientação da jurisprudência com relação aos trabalhos de apuração, porque a jurisprudência sempre permitiu interceptações por tempo indeterminado, denúncias anônimas e ações controladas. A partir do momento em que determinados casos vieram à tona, e não estou falando da Castelo de Areia, a jurisprudência simplesmente vira e interpreta com rigor tal que não se tem como investigar ou processar, pois tudo leva à prescrição, à nulidade ou à inépcia da denúncia.

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