Meta e modelo

Causa do caos recursal deve ser revista

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6 de abril de 2011, 13h09

Nesta semana, jornal de grande circulação publicou duas reportagens, com base em números do Conselho Nacional de Justiça, com duras críticas ao desempenho do Poder Judiciário em geral e ao Tribunal de Justiça de São Paulo em particular.

Em linhas gerais, critica-se o Judiciário por haver cumprido 84,75% e 94,2%, respectivamente, da meta de julgar a totalidade dos processos entrados nos tribunais em 2010. Mesmo discordando da crítica, é preciso reconhecer que o ideal seria ter atingido a meta proposta. Mas quem atinge os percentuais antes mencionados merece respeito e não pode ser apresentado à sociedade como exemplo negativo.

Afinal, uma instituição que julga 16,1 milhões de processos num ano, o que representa perto de 95% do total de processos não merece a pecha de derrotada ou falida, como dissimuladamente se insinuou nas aludidas matérias.

Uma meta é uma referência, um ponto a ser atingido, um estímulo em prol do aperfeiçoamento e da eficiência. Mas não constitui um valor absoluto, nem pode ser vista pela absurda ótica maniqueísta com que tem sido constantemente divulgado na imprensa. Atingir uma meta é algo que não depende apenas da vontade de quem se propõe a alcançá-la porque a empreitada muitas vezes envolve outros fatores que não dependem somente do proponente.

A celeridade nos julgamentos é importante, mas não menos importante que a seriedade e a segurança do julgamento. As decisões judiciais não são tijolos ou telhas, fabricados em série, na forma, como levianamente pensam muitos incautos.

Um processo não é apenas um amontoado de papel, mas um conflito de interesses cuja solução envolve a liberdade, a honra, a propriedade, a vida, a saúde dos cidadãos. Lamentavelmente a estatística e os números não se ocupam desses valores.

Os casos judiciais mais antigos não são os mais fáceis. Ao contrário, seguramente são os mais complexos, que envolvem as mais difíceis e delicadas relações jurídicas a serem compostas.

Os números desse levantamento podem demonstrar que as metas não foram atingidas. Mas já que foram divulgados – e são confiáveis – numa análise crítica seria o caso de indagar: que país no mundo julga mais de 16 milhões de processos num ano? Não conheço nenhum, mas lanço um repto: mostrem-me onde se julga tanto como se julga aqui.

De qualquer modo, dada a dimensão dos números esse é o momento ideal para propor a revisão da matriz de todo esse caos recursal que se implantou no país. Para tanto não há necessidade de mudança constitucional ou legal. Basta a coragem de imprimir uma interpretação mais racional e menos romântica ao princípio do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, Constituição Federal), que deve ser ampla, sem dúvida, como se espera de uma sociedade democrática, mas que não pode ser irresponsável, ilimitada, infinita, um fim em si mesma, em descompasso com a realidade social.

Afinal, nos Estados democráticos o duplo grau de jurisdição consiste num juízo de revisão pelo qual se admite o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro. Não essa balbúrdia sem limites em que se transformou o modelo brasileiro com quatro graus de jurisdição e infindáveis recursos contribuindo para a eternização dos litígios e insegurança da sociedade.

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