Mudança de direção

Ministros debatem a relativização da coisa julgada

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4 de abril de 2011, 10h23

Uma das questões apresentadas aos ministros das cortes superiores, no Anuário da Justiça 2011, diz respeito à relativização da coisa julgada ser decidida nos atos processuais da fase de execução da sentença transitada. A variedade nas respostas dos ministros mostra o quanto o assunto é polêmico.

O ministro Mauro Campbell é taxativo. “No lugar de relativizar a coisa julgada, o Judiciário tem de qualificar ainda mais seus julgamentos, julgar melhor”, afirma. Outro ponto para o qual ele chama a atenção é quanto à modulação dos efeitos da decisão. “Com isso, evitaremos a necessidade de revisão da coisa julgada, esta sim uma prática de enorme risco à segurança jurídica.”

Hamilton Carvalhido afirmou que a relativização é necessária, mas em casos “absolutamente excepcionais”. Para Arnaldo Esteves Lima, a coisa julgada só pode ser desfeita com ação rescisória. “A 2ª Turma já decidiu por unanimidade que ‘vício insanável pode ser impugnado por meio de ação autônoma movida após o transcurso do prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória”, contou Humberto Martins.

Para o ministro Benedito Gonçalves, em regra, não se pode relativizar a coisa julgada na fase de execução de sentença. “Muitas vezes, um processo leva 15 anos para ser decidido. Depois disso tudo, não me parece razoável rever uma sentença que fixou a regra que está regulando aquela relação social da qual surgiu o conflito”, disse.

Já o ministro Teori Zavascki diz que há um “mito” em torno do tema. “A discussão começou na época da inflação galopante. Ações demoravam tanto e na fase de execução resultava em um valor pífio. Logo, o princípio da coisa julgada comprometia a justa indenização, que é outro princípio constitucional”, afirmou. Para o ministro, a discussão estaria liquidada se houvesse um prazo de dois anos para se propor ação rescisória em casos especiais.

Castro Meira entende que admitir a relativização total é muito grave. “Mas, nas questões que envolvem a constitucionalidade, há outros valores. Quando uma lei é declarada inconstitucional, a relativização é plenamente aceitável, mas a decisão que a invalidou também tem de transitar em julgado. E os efeitos só se aplicam a situações que ocorrerem depois disso”, entende. As respostas dos ministros integram o Anuário da Justiça 2011.

No lançamento da publicação, o tema também foi repercutido. “O absurdo não transita em julgado”, disse o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra. O desembargador afirmou que há questões equivocadas que, muitas vezes, mesmo cobertas pela autoridade da coisa julgada, não podem ser objeto de execução. “Na Vara de Fazenda Pública, eu me deparei com centenas de execuções com erro de cálculo imenso, coisa de bilhões de reais, e que estava de algum modo coberto pela coisa julgada”, contou. Ele afirmou que procurou afastar o resultado absurdo, mostrando que havia um erro de conta.

Calandra lembrou que o Supremo tem se deparado com hipóteses sobre a relativização da coisa julgada. “Essa decorre muito menos de colocar em dúvida a autoridade daquilo que já não cabe mais recurso, que chamamos de coisa julgada material, e sim do fato da morosidade do processo. Ele demora tanto, percorre um caminho tão longo que, quando bate no Supremo Tribunal Federal, aquele julgado já não se mostra mais adequado à interpretação atual do Supremo”.

O advogado-geral da União Luís Inácio Adams considera o tema importante. “É um instrumento que, se bem aplicado, evita situações absurdas.” Ele citou o exemplo de uma decisão judicial que declara a isenção ou imunidade fiscal de uma empresa. O Supremo, após julgar uma ação em que foi reconhecida a repercussão geral, emite uma Súmula Vinculante, dizendo que as empresas do setor não têm imunidade. Na opinião de Adams, manter a isenção para a empresa que tem uma decisão favorável transitada em julgado vai fazer com que ela esteja em uma situação privilegiada em relação às concorrentes no que diz respeito à matéria tributária.

Diretora jurídica da Souza Cruz, Maria Alicia Lima, afirma que é sempre preocupante qualquer tendência que possa, de alguma forma, prejudicar segurança jurídica. “A partir do momento em que há uma posição consolidada do Judiciário, nós contamos com ela.” Maria Alicia compreende que a iniciativa de modernização para atender melhor o jurisdicionado que, de certo modo, justificaria essa relativização. “Mas, de uma forma geral, preferimos a segurança jurídica a uma situação de indefinição”, completou.

Para o desembargador Marco Aurélio Bellizze, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relativizar é suprimir a coisa julgada. Ele afirma que o mecanismo é fundamental para a segurança jurídica e que só em situações de evidente dolo autorizariam a supressão da coisa julgada. “A eterna busca pela Justiça perfeita, certamente, impedirá a pacificação das relações sociais. O sistema tem de estar equilibrado para, dentro de um período razoável, julgar com segurança os conflitos.”

Também do TJ fluminense, o desembargador Luiz Felipe Francisco afirma que a coisa julgada só deve ser alterada caso se constate algum erro ou nulidade que tenha contribuído para que houvesse o transito em julgado indevidamente.

O secretário da Reforma do Judiciário, Marcelo Vieira, do Ministério da Justiça, afirmou que o assunto está sendo discutido nos tribunais superiores. “Conseguimos debater o tema no novo CPC. Não está maduro.” Ele contou que o assunto estará inserido nos debates que vão acontecer em maio para ouvir opiniões de todos os profissionais sobre o projeto do novo CPC.

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