Precedente do Supremo

Contribuintes podem questionar autuações fiscais

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  • Adib Abdouni

    é advogado constitucionalista e criminalista e autor do livro "Fake News e os Limites da Liberdade de Expressão".

2 de abril de 2011, 9h40

É histórica a sanha arrecadatória do Estado.

O descontrole dos gastos públicos tem levado os governos a buscarem seus créditos tributários por meio de ações fiscalizadoras que invadem a vida privada dos contribuintes, sem aparente preocupação com a violação aos direitos e garantias das pessoas naturais e jurídicas.

Para tanto, o Executivo insiste em editar normas pseudo regulamentadoras com vistas a atribuir um mínimo de legalidade às medidas investigatórias.

Em igual medida, o Legislativo, “sensível” às necessidades de arrecadação, subscreve leis com sucessivos privilégios à Administração Fazendária, em detrimento dos administrados.

Exemplo disso, consta da Lei Complementar n° 105/01, regulamentada pelo Decreto 3.724/01, que autorizou a fiscalização a quebrar o sigilo bancário dos contribuintes com a finalidade de proceder ao levantamento de movimentações financeiras do correntista investigado, junto às instituições bancárias.

A partir de então, formalizado um processo administrativo fiscal e frustrada a obtenção de dados diretamente dos contribuintes, os bancos passaram a se sujeitar à norma em foco, com a conseqüente transmissão à fiscalização de dados relativos aos montantes globais mensalmente movimentados, consistente em extratos e outros documentos bancários.

Os contribuintes passaram então a bater às portas do Poder Judiciário visando obter tutela jurisdicional capaz de repelir de forma preventiva ou repressiva o ato de invasão da vida privada pretendido.

Para a maioria dos mortais, o quadro de nulidade referente à devassa fiscal parecia manifesta sob o ângulo da Constituição Federal, pois a solicitação da Receita Federal junto às instituições financeiras ofenderia o postulado da inviolabilidade do sigilo de dados (inciso XII, do artigo 5º, da CF), que somente pode ser quebrado por ordem judicial.

Com efeito, para o intérprete comum, a inviolabilidade do sigilo de dados prevista pela Constituição Federal tornava essencial que as exceções da prevalência dessa garantia constitucional só pudessem emanar de órgãos do Poder Judiciário, e não por intermédio autorizativo de uma lei hierarquicamente inferior ao texto constitucional.

O poder de vasculha nos registros naturalmente sigilosos, sem a necessária intervenção judicial, não encontraria, porquanto, qualquer fundamento de validade na Constituição Federal.

Além do que, a quebra do sigilo bancário das pessoas naturais, violaria o princípio da dignidade humana, na medida em que exporia, de forma indevida, as informações da vida privada dos indivíduos, malferindo a intimidade e a privacidade do contribuinte (inciso XI, do artigo 5º da CF).

Entretanto, salvo poucas exceções em sentido contrário, os Tribunais sedimentaram o entendimento acerca da legalidade e constitucionalidade da quebra de sigilo bancário com finalidade de apuração fiscal, com base na LC 105/01, sob o argumento de que “o sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, devendo ceder diante dos interesses público.”

Decorrido quase 10 anos da edição da norma autorizativa, recentemente, em sessão realizada em 15 de dezembro de 2010 o Supremo Tribunal Federal (cumprindo seu mister de guardião da Constituição Federal), ao julgar o recurso extraordinário n.338.9808 (interposto por uma empresa que questionava a legitimidade da ação da fiscalização concernente na obtenção de sua movimentação bancária para fins tributários) por cinco votos a quatro, entendeu que não pode haver quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial.

Resume bem o espírito do decidido pela Suprema Corte, o voto proferido pelo Ministro Celso de Mello: “o Estado tem poder para investigar e fiscalizar, mas a decretação da quebra de sigilo bancário só pode ser feita mediante ordem emanada do Poder Judiciário. Em nada compromete a competência para investigar atribuída ao poder público, que sempre que achar necessário, poderá pedir ao Judiciário a quebra do sigilo.”

Referida decisão (embora tenha sido proferida em sede de recurso extraordinário, ou seja, irradiando efeitos somente entre as partes do processo) certamente desencadeará — ao menos — uma reflexão maior por parte dos magistrados de primeira instância e dos tribunais inferiores, na medida em que o requisito da repercussão geral acerca do tema “quebra de sigilo bancário” já fora reconhecida pelo STF, de modo a viabilizar a subida de recursos à Corte Suprema que desafiem decisões judiciais em sentido contrário.

Aliás, não se pode perder de vista que são inúmeros os autos de infração que tem como objeto a constituição de créditos tributários com base em movimentação financeira acessada sem a indispensável e prévia autorização judicial, que passam a ostentar — de forma mais nítida agora — o vício da inconstitucionalidade, pela quebra administrativa do sigilo bancário.

Nessa quadra, os contribuintes que tenham sido afetados em sua esfera íntima e privada, em razão da quebra de sigilo bancário perpetrada pelo Fisco, como forma de apuração e constituição de créditos tributários, poderão questionar em juízo as autuações fiscais, agora, robustecidos pelo precedente do Supremo Tribunal Federal.

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