Curso de Direito

Baixa remuneração de professor prejudica ensino

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2 de abril de 2011, 7h00

Abordar a crise do ensino superior do curso de Direito não é um tema novo, onde dificilmente alguém poderá ser original, mas é necessário tratá-lo mais uma vez e expor detalhes e opiniões que podem contrariar o senso comum e o silêncio hipócrita da maioria.

No passado, o curso de Direito foi o responsável por formar as primeiras lideranças de um novo país, com o pioneirismo da criação das Faculdade de Direito do Largo São Francisco e da Faculdade de Direito de Olinda, ambos já incorporados na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal de Pernambuco, respectivamente. As faculdades possuíam currículos baseados nas faculdades europeias, especialmente as portuguesas, e o ensino era predominantemente magistral e solene. O ingresso não era democrático e sim reservado para as elites políticas e comerciais, muito distinto do que é hoje.

Foi por meio desse ensino que o país criou uma classe nova de profissionais que foram os responsáveis por dirigir os dois impérios e principalmente a velha república, consolidando a nossa independência e soberania.

O ensino superior do curso de Direito não sofreu mudanças importantes durante todo o século XX, a não ser pelo surgimento dos maiores especialistas jurídicos da história do Brasil, com nomes como Nelson Hungria, Aníbal Bruno, J.M. Carvalho Santos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Arnold Wald e Humberto Theodoro Júnior, por exemplo. O ensino era tradicional, baseado no dogmatismo e nas ciências sociais, como sociologia, filosofia geral, economia e história.

Mas foi a partir dos anos de 1980 que começaram as mudanças no ensino superior do curso de Direito, resultados da crise econômica e social, que colocaram o ensino superior em crise e o curso de Direito em colapso.

As razões para isso são perfeitamente claras e podem ser explicadas. O primeiro problema tem origem no próprio Estado, por meio do Ministério da Educação. Conforme a Constituição Federal, compete exclusivamente à União legislar sobre educação e, no Brasil, a fonte legislativa do ensino superior é um cipoal interminável de normas, umas sobrepondo-se às outras, sendo muito difícil qualquer instituição de ensino acompanhar o que de fato está em vigência.

É uma cadeia confusa de atos administrativos, portarias, resoluções, lei de diretrizes e bases da educação, competência do Conselho Nacional de Educação e sistemas novos de avaliação de cursos como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Para se ter algum controle sobre isso, é preciso acompanhar o Diário Oficial e consultar o ministério, o que pode ser demorado e incerto.

Não há permanência de normas, criando-se novos sistemas e subsistemas, múltiplos programas, sempre com os jargões próprios da área da educação, próprios do ministério, que afirma serem resultados de obrigações constitucionais e legais, em razão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e da Constituição Federal.

As normas do curso são geralmente vagas, dotadas de expressões superficiais, que podem se prestar a qualquer interpretação e, no final, se resumem a amplo leque de alternativas, deixadas às instituições de ensino, sob a proteção da chamada autonomia universidade, com efeitos claros na autonomia didático-pedagógica. As diretrizes do curso são tomadas de normas marcadamente esquerdistas, todas elas tratando do ensino superior como se fosse um assunto exclusivamente social e não sobre ciência, ensino e pesquisa, baseados no mérito e na eficiência.

A começar pela Constituição[1], que prevê no caput do artigo 6º que são direitos sociais entre outros a educação. Continua no artigo 205 que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação[2], continua na mesma linha ideológica, determinando que a educação superior tem por finalidade estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo, no inciso I do artigo 43. A Resolução CNE/CES 9[3] que institui as diretrizes curriculares nacionais do curso, prevê no parágrafo 1º que o projeto pedagógico do curso, sem prejuízo de outras diretrizes, deverá ter uma concepção e objetivos gerais contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social.

Desde os anos de 1980, em razão da nova Constituição e das mudanças, os cursos de Direito passaram a sofrer pouca ou nenhuma supervisão, possibilitando que inúmeras instituições privadas pelo país oferecessem cursos sem nenhuma coesão curricular, corpo docente competente e rígido regime de avaliação discente. O resultado imediato foi a formação de profissionais que sequer assistiam às aulas, diplomados e habilitados a exercer qualquer atividade jurídica, como a advocacia, antes da exigência dos exames de proficiência da Ordem dos Advogados do Brasil e os concursos jurídicos.

Nos anos de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com o advento da nova LDB e da Lei 10.172[4] que instituiu o Plano Nacional de Educação, a demanda dos egressos da educação básica, uma vez que as instituições públicas não possuíam meios financeiros de ampliar o número de vagas e que a pouca quantidade delas tornava o ensino superior seletivo e não democrático, fez iniciar um processo de liberdade de criação de novas instituições de ensino, especialmente as particulares, criadas por mantenedoras de toda ordem, muitas das quais próximas de políticos em Brasília, que sozinhos ou com sócios, desembaraçavam o credenciamento e as autorizações de cursos.

O propósito inicial da LDB e do Plano Nacional de Educação pode até ser justo mas, por trás havia apenas a vontade política de atender demandas eleitorais e foi acolhida pelos empresários do setor para ampliar sua base, sem nenhum compromisso real com a qualidade acadêmica. Com isso houve uma explosão de novos cursos de Direito no Brasil.

A ampliação foi extraordinária. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação criada para organizar e manter o sistema de informação e estatísticas educacionais, foram graduados 24 mil em 1990, 29 mil em 1995, 44 mil em 2000, 73 mil em 2005 e 85 mil em 2008[5]. Há no Brasil, hoje, 1.096 cursos, divididos em faculdades isoladas, centros universitários e universidades, públicas e privadas, que vão das tradicionais faculdades da Universidade de São Paulo (pública) à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (privada) às instituições do interior do Brasil.

Entre os cursos com o maior número de matriculados, seja no ensino presencial como no EAD, o curso de Direito é o segundo maior, com 651.730 matriculados, abaixo apenas do curso de Administração, de acordo com o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior de 2009, produzido pelo Inep.[6] O Brasil (190 milhões) é assim o terceiro país em número de advogados do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (308 milhões) e da Índia (1,92 bilhão). Segundo a OAB há 741.051 mil profissionais registrados em 26 de fevereiro de 2011.[7]

Com isso, no Brasil, a seleção se dissolveu, pois, na verdade, praticamente não existe seleção discente. As instituições possuem mais vagas do que pretendentes, transfigurando o concurso vestibular num mero ato de matrícula, sem nenhuma publicidade e transparência quanto ao processo. Não há fiscalização real e a má formação escolar dos estudantes se reflete durante o curso universitário. Hoje, sobram vagas, fazendo as instituições promoverem verdadeira liquidação dos valores das mensalidades. No Brasil, só não cursou Direito quem não quis ou não pôde pagar a mensalidade.


As instituições criam os cursos sem muitas vezes possuir infraestrutura adequada, com salas de aula lotadas ou pequenas demais, sem refrigeração moderna, carteiras ou quadros adequados. As bibliotecas são as mínimas para atender a autorização para o curso e os recursos de informática costumam ser escassos e burocráticos, apesar da ampliação do acesso a internet sem fio.

Entretanto, os problemas e má-fé dos empresários e gestores privados se mostram mais claros em outros setores. Os cursos são montados com currículos sem sistematização, coerência e coesão, critérios mínimos e lógicos para a eficiência do ensino do Direito. Os programas das disciplinas são divididos sem saber ao certo quantos minutos serão precisos para sua exposição e consequentemente o número de aulas necessário a ela.

Elas são articuladas confusamente, incluindo disciplinas dogmáticas do eixo de formação profissional como Direito Civil, com disciplinas do eixo de formação básica como ciência política ou filosofia geral com disciplinas novas, sem justificação epistemológica a critério da instituição. A supressão do currículo mínimo em benefício das diretrizes curriculares é prejudicial ao ensino. A ambição utópica que as centenas de instituições conseguiriam inovar e trazer novas disciplinas ao currículo, atendendo às mudanças rápidas da sociedade brasileira, não são concretizáveis. Sem sistematização e coerência, não é possível ensinar nada e muito menos ensinar ciência.

Há ainda um ponto a ser observado quanto ao currículo. As disciplinas do eixo de formação básica são as mais importantes do curso, pois são por meio delas que os estudantes serão capazes de interpretar corretamente e aplicar com eficiência e justiça o Direito. As instituições são incapazes de encontrar professores competentes para essas disciplinas e os estudantes relegam seu aprendizado como sendo de pouca importância. Os danos são permanentes.

As avaliações são outro problema. As instituições não possuem critérios objetivos sobre como avaliar os estudantes, apesar de haver a exigência do projeto didático-pedagógico. São aplicadas avaliações de múltipla escolha e dissertativas, como também outras avaliações no curso do bimestre para compor a nota final ou simplesmente completar a nota dos estudantes, preocupados pelo seu baixo rendimento acadêmico.

Podem ser aplicadas avaliações durante o ano e o excesso delas não é eficiente e onera o professor com correções dispendiosas e inúteis. As instituições privadas especialmente, se veem na necessidade de aplicar muitas avaliações para completar a aprovação dos estudantes como um meio de aplacar as críticas entre eles e mantê-los firmes no curso pagando suas mensalidades e evitando assim a evasão.

O regime de série é outro fator. Não é coerente e lógico a existência de regimes seriados semestrais ou qualquer outro, como o de créditos. Para que haja planificação e coerência, com controle interno por parte da instituição e do próprio estudante, o regime seriado anual é o mais adequado.

No final do curso, há ainda o problema dos trabalhos de conclusão de curso e os estágios. Os trabalhos de conclusão de curso são uma ilusão. É impossível conseguir que os professores que lecionam o currículo, tenham tempo e disposição para orientar os estudantes no trabalho. Cada instituição se utiliza das regras de metodologia que acha conveniente, sendo impossível encontrar dois trabalhos numa mesma turma, quiçá em instituições diferentes que possuam as mesmas regras de metodologia.

Isso é o contrário do que deve ser o correto. Qualquer pessoa deveria ser capaz de identificar igualdade nas regras de metodologia entre as instituições. Cada aluno é orientado por professores que desconhecem as regras e não produzem em geral nenhum trabalho aplicável ou válido.

Os estágios são geralmente desorganizados, não sendo atingindo o objetivo lógico deles que é aplicar o conhecimento teórico em práticas processuais e audiências. Há uma quantidade enorme de atos processuais que deveriam ser corrigidos e que é impossível para os professores de fato acompanhar.

A falência do curso de Direito entretanto é mais evidente ainda por outros aspectos. Principalmente quanto ao verdadeiro responsável pelo seu sucesso ou fracasso: o professor. Há dois modos de abordar o problema: o primeiro por meio do ensino superior público e o outro, no ensino superior privado.

O ensino público é um pouco mais sólido mas mesmo assim é ineficiente. A Universidade Estadual de Maringá (UEM) possui critérios objetivos de ingresso na carreira, como qualquer instituição pública por força da lei, por meio de concurso público, passando a fazer parte do serviço público estadual, com garantias próprias, que não são aplicáveis no ensino privado.

Assim, usando a Universidade Estadual de Maringá como exemplo, veremos que há dois modos de acesso, o teste seletivo, que contrata professores por contrato temporário, e o concurso público de provas e títulos, cujo ingresso se dá no cargo de professor auxiliar. Segundo a tabela de remuneração docente da universidade[8], o professor auxiliar precisa obrigatoriamente ser graduado ou possuir pós-graduação lato sensu, a especialização, e será remunerado de acordo com o tempo dedicado, variando de nove aulas até 40 e depois, por meio do Tempo Integral de Dedicação Exclusiva (Tide).

O T-09 terá remuneração de R$ 382,14, enquanto o T-40 será de R$ 1.648,42 e o Tide de R$ 2.632,54. Cada um deles terá um acréscimo de 20% pela titulação de especialização. Para que o professor ascenda na carreira é preciso que ele tenha concluído o curso de pós-graduação stricto sensu, o mestrado ou doutorado, onde, após um processo administrativo, passará a professor assistente A, B, C e D. A remuneração é continuamente aumentada, proporcional agora, acrescida de 45%. Um professor assistente D em Tide receberá R$ 3.308,15, acrescido de 45%, totalizando R$ 4.796,81.

Para os professores adjuntos será obrigatório o doutorado, com o mesmo regime explicado acima, agora com o acréscimo de 75% na remuneração. A carreira não se altera de professor adjunto até a de professor associado. No final, a carreira de professor associado, com regime de T-40, receberá R$ 3.272,17 acrescido de 75% totalizando R$ 5.726,29 e o professor Tide com o acréscimo totalizando R$ 8.875,75.

A partir desse ponto, o professor que quiser ascender, terá de participar de outro certame para professor titular, raro, difícil, de critérios imensos quanto à titulação e produção científica do candidato. O professor titular T-40 receberá R$ 6.298,91 e o Tide receberá R$ 9.763,32, ambos já com acréscimo de 75%. Em todos os casos citados, esses valores são brutos, sendo obrigatório aplicar o imposto de renda e descontos previdenciários para se obter a remuneração líquida.

Há ainda dois aspectos a citar no caso do ensino público. O primeiro é que no regime de aulas não é obrigatório que seja totalmente lecionado, assim por exemplo, um professor T–40 deverá lecionar 24 aulas durante a semana, reservando o tempo restante para preparo das aulas, correção de avaliações, produção científica por meio de livros, artigos ou conferências. O problema é que falta transparência sobre a eficiência dessa produção científica ou se ela é mesmo feita. A universidade pública deve prestar contas. E há nas instituições públicas, um problema crônico quanto ao abandono das aulas, com longos períodos vagos, em razão do complexo e burocrático sistema legal de contratação e a assiduidade e pontualidade dos professores.

Outro aspecto relevante é que, uma vez empossado, somente em casos previstos em lei haverá perda do cargo público, após o processo administrativo ou judicial, garantindo a ampla defesa e o contraditório e, por fim, o direito a estabilidade e aposentadoria integral. No regime geral de previdência do INSS o teto de aposentadoria hoje é de R$ 3.689,66.[9]


Já no ensino superior privado, há total vilipêndio e má-fé na relação de emprego com os professores do curso de Direito, com graus variados, aplicáveis a todas as regiões do país e salvo poucas exceções.

Em Maringá, segundo a convenção coletiva de trabalho de 2010-2011[10], o professor tem como remuneração mínima o valor da hora/aula de R$ 15,24, incluídos nele salário base, DSR e hora-atividade. Assim para se saber a remuneração mínima de um docente do ensino superior do curso de Direito nas instituições privadas de Maringá, é necessário multiplicar o valor da hora-aula pela quantidade de horas lecionadas, depois multiplicar o resultado por 4,5 para se chegar ao resultado final. Exemplificando, um professor horista que tenha uma carga horária semanal de 12 aulas, receberá no mês R$ 822,96.

As instituições podem afirmar que a remuneração segue a determinação econômica de nossa época e que é igual para outras regiões do país. Os professores, afirmam, devem lecionar em outras instituições, compondo sua remuneração, até atingir o nível de remuneração das instituições públicas, federais ou estaduais.

Esse argumento não é exatamente aplicável ao curso de Direito. Por que a maioria dos docentes não pode e não se dedica exclusivamente ao ensino superior. Assim, para a maioria dos professores, terão de se sujeitar a baixa remuneração.

As instituições privadas afirmam que o método incentiva a dedicação exclusiva na docência, até para atender padrões exigidos pela lei, afugentando o professor que utiliza o ensino como mero complemento de renda e que assim deve atrair profissionais que sejam vocacionados à docência. No curso de Direito nas instituições privadas é muito difícil encontrar um professor que possa renunciar a outra atividade jurídica, seja na advocacia, magistratura, ministério público ou procuradorias em razão da baixíssima remuneração nas instituições privadas e mesmo nas instituições públicas.

No estado do Paraná por exemplo um promotor ou juiz substitutos recebem hoje R$ 19.643,95 brutos e líquidos R$ 12.974,24[11][12]. Um desembargador ou procurador de Justiça recebem R$ 24.117,62 brutos e R$ 15.763,58 líquidos. Pode ser somado a eles ajuda de custo, quando promoção ou remoção importe em mudança de domicílio, de 10% do subsídio quando promotor ou juiz de direito mude seu domicílio até 100 quilômetros, no valor de R$ 1.964,40 até 60%, acima de 500 quilômetros, no valor de R$ 11.786,37 para promoção.

Há diárias de R$ 654,80 para juiz e promotor substitutos até R$ 803,92 para desembargadores e procuradores de Justiça. Há ainda gratificações por exercer direção dos órgãos superiores da administração das instituições de R$ 1.494,99 para juízes e promotores, ou exercer funções no gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça ou do Tribunal de Justiça, bem como de suas corregedorias, no valor de R$ 1.494,99. Soma-se por fim, quando houver, a gratificação eleitoral no valor líquido de R$ 2.985,48. Esses valores não incidem imposto de renda ou qualquer outro. E, por fim, a aposentadoria é integral, proporcional ao tempo trabalhado na carreira. No Brasil, a remuneração tem a ver com o prestígio da função ocupada e não com sua real produtividade ou eficácia.

Os cargos em comissão podem ser mais reveladores. No Poder Judiciário do Paraná, de acordo com o portal de transparência, o ocupante de DAS-5 de uma escala até 1, recebe R$ 4.370,01. O DAS–1 recebe R$ 8.404,05. Cargos esses de livre nomeação por parte dos agentes políticos. Na cidade de São Paulo, diretores jurídicos ganham muito mais. O valor médio de remuneração de um advogado júnior, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo é de R$ 3.503 e R$ 7.553 para advogado sênior para o mercado em geral, de acordo com a consultoria Deloitte, para o jornal[13].

As instituições privadas defendem ainda que a baixa remuneração, se comparada a qualquer outra carreira jurídica, é variável, dependendo de cada contrato, de acordo com a titulação acadêmica, reconhecimento e avaliação discente. De fato, isso é verdade mas, com poucas exceções pelo país de professores que são notoriamente grandes doutrinadores e que podem negociar seu contrato, todos os outros recebem baixa remuneração.

Muitas instituições atrasam o pagamento, muitas vezes defendendo-se afirmando que a mora é culpa da inadimplência dos estudantes. É estarrecedor e causa perplexidade esse argumento. Ainda, muitas fraudam os contratos, dividindo a remuneração, sem os seus reflexos. Professores recebem em contas bancárias comuns, não conta-salário, que podem pagar altas taxas bancárias, descontada da remuneração líquida recebida por ele.

As janelas muitas vezes não são pagas e a distribuição das aulas fica ao arbítrio das coordenações, dividindo durante a semana as aulas, com consequente aumento na despesa de deslocamento do docente. Os reajustes não acontecem e, quando ocorrem, mal cobram a inflação “oficial”.

Os comprovantes de pagamento são muitas vezes complessivos, não se sabendo o que é hora-atividade, adicional noturno e horas extras. A remuneração é paga até o quinto dia útil do mês subsequente ao trabalhado, de acordo com a lei. As grandes instituições se utilizam desses lapsos legais para se alavancarem financeiramente no sistema bancário com o salário dos docentes. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná paga no último dia útil do mês trabalhado. É o mínimo de respeito devido.

É interessante afirmar que, não há nenhuma explicação sobre o contrato de emprego firmado pelas mantenedoras. Os professores da instituição sem formação jurídica ficam à mercê de poucas informações dos departamentos de recursos humanos ou precisam procurar a assistência sindical.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, de acordo com a Convenção Coletiva[14], as mantenedoras são obrigadas a manter às suas expensas, assistência médico-hospitalar a todos os professores. Não há previsão similar na convenção de Maringá e acredito que na maioria do país.

As instituições afirmam que a péssima qualidade do ensino superior do curso de Direito é da responsabilidade exclusiva dos professores, apesar dos esforços delas em atender os padrões exigidos pela legislação através do Enade. Defendem, por exemplo, que sejam ampliados os dias letivos para além dos 200 atuais, já que o Brasil ainda seria inferior ao das principais nações. Defendem ainda a ampliação da hora-aula, dos atuais 50 minutos para 60, bem como rigorosos métodos de avaliação discente e institucional sobre o corpo docente.

Agravar a jornada de trabalho dos professores e ampliar sua responsabilidade não irá modificar a qualidade do ensino jurídico no Brasil. A responsabilidade por ela é de vários agentes e entre eles, as instituições de ensino são as maiores responsáveis.

Todas as iniciativas de aperfeiçoamento do ensino devem ser defendidas pelos próprios professores. Os professores universitários não devem se esquivar das suas obrigações legais e éticas. Todavia, as instituições privadas precisam remunerar adequadamente o corpo docente do curso de Direito, o de maior rentabilidade e o menos oneroso.

O Ministério da Educação deveria descredenciar instituições privadas em massa pelo país e reduzir drasticamente o número de vagas nas remanescentes se quiserem atingir um nível de qualidade adequado, em número muito maior do que já vem sendo feito nos últimos três anos e não deveriam no futuro ampliá-los sem boa justificativa.

Há hoje, em razão desse cenário desolador, belicosidade entre estudantes e professores, esses, desestimulados em suas funções, inseguros e sem a autoconfiança necessária para transformar os estudantes em líderes de suas próprias vidas e criadores da ciência jurídica.

Entre os professores intimamente, há resignação, desconfiança, medo, desestímulo, onde sua atividade se transformou em uma atividade robótica, meros funcionários demissíveis a qualquer momento, e a sala dos professores se transformou num local soturno, triste e onde qualquer iniciativa nobre é recebida com discreto escárnio. Entre os estudantes, há frustração, decepção e no final paralisia quanto ao seu destino profissional, muitos em choque pela sua inaptidão e reprovações constantes no exame da OAB. Forma-se entre eles e seus familiares uma má impressão sobre os operadores do Direito e suas instituições que serão deletérias no futuro.

No final de tudo, os grandes prejudicados serão os estudantes que estão lutando por ascensão econômica e social, muitos dos quais em sua única ou última chance, os professores e a sociedade em geral, e os únicos beneficiados serão os proprietários das mantenedoras. Pagaremos caro por isso.


[1] BRASIL. Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988, P.1, Anexo.

[2] BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996, P. 27883.

[3] BRASIL. Resolução CNE/CES nº 9 de 29 de setembro de 2004. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p.17.

[4] BRASIL. Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 10 de janeiro de 2001, P.1.

[5] Revista Análise. Anuário 2010. Advocacia 500. Os Escritórios e Advogados mais Admirados do Brasil. P.32 e 33.

[6] INEP. Resumo Técnio – Censo da Educação Superior de 2009

[7] Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal. www.oab.org.br.Instituicional.Quadro de Advogados regulares e cadastrados.2011.

[8] UEM. Universidade Estadual de Maringá. Vencimento básico e remuneração. Carreira de Professor de Ensino Superior.2011.

[9] INSS. Instituto Nacional de Seguridade Social. Ministério da Previdência Social. www.previdenciasocial.gov.br.

[10] SINTEMAAR. Convenção Coletiva de Trabalho2010-2011.

[11] Portal de Transparência. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Poder Judiciário do Estado do Paraná.

[12] Portal de Transparência. Procuradoria de Justiça do Estado do Paraná. Ministério Público do Estado do Paraná.

[13] O Estado de S. Paulo. Domingo. 27 de fevereiro de 2011. Edição nº 42866, Caderno Empregos, página 4, Tabela Geral de Salários Correntes.

[14] Sindicato dos Professores de São Paulo – SINPRO SP. Convenção Coletiva de Trabalho 2010.

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