Comissão de Veneza

Especialistas desenham controle constitucional prévio

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1 de abril de 2011, 9h49

Conferir a validade de uma lei que sequer entrou no ordenamento jurídico é parte das funções da corte constitucional de alguns países, como Portugal. A Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho Europeu, discutiu qual a melhor maneira de manter esse controle prévio de constitucionalidade o mais afastado possível do jogo político. Ao final do encontro, foi aprovado um relatório que dá sugestões para atingir o objetivo.

A discussão sobre a análise constitucional prévia foi levantada pela Hungria. O país pretende, no próximo 18 de abril, adotar uma nova Constituição para substituir o seu primeiro e único texto constitucional até hoje, em vigor desde 1949. Durante o processo constitucional, o governo húngaro pediu que a Comissão de Veneza se pronunciasse sobre três questões para evitar o risco de a nova Constituição conflitar com normas do Direito europeu e internacional.

Uma delas foi sobre o controle prévio de constitucionalidade. A Comissão observou que não há um padrão europeu sobre o assunto. Alguns países permitem o controle prévio, como a própria Hungria. Mas, na maioria dos Estados, a análise das normas só acontece depois que elas entram em vigor.

Para a Comissão, não há nada que impeça o controle prévio. A preocupação discutida em Veneza, no entanto, foi como garantir que essa análise prévia não se torne mais uma ferramenta do jogo político. Pensando nisso, o grupo europeu chegou a algumas regras que, se seguidas, podem impedir a politização da Corte Constitucional. A primeira é que só o presidente possa questionar uma norma antes de ela ser promulgada. A segunda é que o chefe do Executivo só possa fazer isso depois que a lei foi aprovada pelo Parlamento e, portanto, já está em suas mãos para ser sancionada.

No relatório aprovado, a Comissão considera aceitável a criação de um órgão parlamentar ou independente para fazer uma análise constitucional prévia dos projetos de lei em tramitação no Legislativo, desde que a manifestação deles seja apenas opinativa, e não vinculante.

Outro ponto analisado pela Comissão de Veneza foi a possibilidade de qualquer cidadão ajuizar ação na Corte Constitucional para questionar a validade de uma lei, como é permitido hoje na Hungria. Os especialistas europeus se debruçaram sobre o assunto e concluíram que o cidadão que tenha sido pessoalmente atingido pela norma e que esteja discutindo o direito na Justiça ordinária já tem o direito de recorrer à Corte Constitucional.

A Comissão aconselhou a substituição das ações populares individuais por ações coletivas na Corte Constitucional. O sistema sugerido é tal e qual acontece no Brasil: uma entidade representante de determinado grupo de pessoas pode questionar a validade de uma norma no Supremo Tribunal Federal.

A Hungria também pediu opinião sobre a incorporação no seu novo texto constitucional da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. A Comissão desaconselhou a Hungria a simplesmente incluir na nova Constituição o que diz a norma europeia. Isso porque, de acordo com o grupo de especialistas que analisou as perguntas levantadas pela Hungria, a incorporação poderia criar conflitos de competência.

Por exemplo, a Corte Constitucional do país, a quem cabe zelar pela Constituição, poderia interpretar determinado direito de maneira contrária aos tribunais europeus, que zelam pela Carta de Direitos Fundamentais da UE. Por isso, a Comissão aconselhou o governo húngaro a tomar as normas europeias como padrões mínimos e fonte de inspiração, apenas, e não reproduzi-las.

Velozes e furiosos
A Comissão de Veneza aproveitou o questionamento da Hungria para criticar o processo constitucional húngaro. A previsão é que a nova Carta húngara seja aprovada já no dia 18 de abril. No entanto, só no dia 14 de março o projeto que desenha uma nova Constituição foi tornado público. Para o grupo europeu, o pouco tempo entre a divulgação das propostas e a sua aprovação prejudica a transparência do processo legislativo e impede debates públicos adequados sobre o que está sendo proposto.

O grupo também lamentou uma emenda feita em novembro à Constituição atual da Hungria, que limita os poderes da Corte Constitucional. De acordo com o que foi emendado, o tribunal só pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma em determinados casos de violação constitucional, e não em todos.

A Comissão de Veneza é um órgão consultivo do Conselho Europeu. Desde 2002, se abriu para países fora da Europa. Hoje, além dos 47 países europeus, fazem parte da Comissão o Brasil, Quirguistão, Chile, Coreia, Marrocos, Argélia, Israel, Tunísia, Peru e México. No último encontro, que aconteceu em Veneza nos dias 25 e 26 de março, o Brasil foi representado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

O relatório com as respostas para as perguntas da Hungria foi elaborado por um grupo de cinco especialistas: um da Áustria, um da Alemanha, da Polônia, Finlândia e um último da Bélgica. A Comissão fez questão de ressaltar que eles não tiveram acesso ao projeto de nova Constituição húngara. As opiniões, portanto, foram construídas a partir da realidade jurídica europeia, sem qualquer análise do que o Parlamento húngaro pretende aprovar.

Clique aqui para ler em inglês o relatório aprovado pela Comissão de Veneza.

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