Constituição de Portugal

Corte constitucional pode avaliar atos antes de sanção

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

30 de setembro de 2010, 15h43

Há textos normativos portugueses que datam da baixa Idade Média, a exemplo das Ordenações Afonsinas, de 1446. Esses livros de leis contam com recursos discursivos inusitados, a exemplo de amplo prólogo, que se presta para narrar a gênese dos textos que explicitam (cf. CAETANO, 1985, p. 531). No início do século XVI, há notícias das Ordenações Manuelinas, de 1521, ligadas ao soberano da dinastia de Avis, relacionado ao descobrimento do Brasil, e marcada por forte aliança com a burguesia mercantil. As Ordenações Filipinas, de 1603, remontam à União Ibérica e ao domínio da casa espanhola dos Habsburgos, que por 60 anos deteve o poder em Portugal, e consequentemente no Brasil. O Livro V deste documento é conhecido pelo rigor draconiano, explicitando Direito Penal que confundia crime e pecado, e que tinha as pessoas como iguais, especialmente porque não valiam nada, a contrário de concepção iluministas que sugirão depois, em cuja igualdade se espelhavam pessoas que supostamente valiam tudo.

No Livro V das Ordenações Filipinas anatematizam-se e condenam-se hereges, apóstatas, blasfemos, benzedores de cães e bichos, interceptadores de cartas do Rei, moedeiros falsos, sodomitas, zoófilos, infiéis que copulam com cristãs pias, incestuosos, estupradores, desafiadores da honestidade feminina, padres sedutores, alcoviteiros, rufiães, travestis, uxoricidas, desobedientes, falsificadores de mercadorias, ladrões, protetores de escravos foragidos, vadios, barulhentos, revendores de pães, piromaníacos, difamadores, mexeriqueiros, mouros e judeus que não se identificam como tais, desertores, degredados e tantos outros, farto material para a sociologia weberiana, para o pluralismo jurídico de Eugen Ehrlich e para reflexões em torno de conceitos de biopolítica e de biopoder, tão ao sabor do pós-estruturalismo foucaultiano.

A era pombalina, de forte marca iluminista, procurou ajustar-se a racionalismo político que firmava despotismo esclarecido, solução de conciliação também vivida na Espanha e na Alemanha. É desse tempo a Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769, que determinava critérios de exegese fundados na reta razão jusnaturalista, fixando normas precisas sobre a validade do costume e elementos para preenchimento de lacunas (cf. COSTA, 1996, p. 366). A Lei da Boa Razão dá fim a pluralismos normativos, instituindo o monopólio da edição do direito em favor da lei do soberano, monopólio apenas temperado pela possibilidade de invocação dos princípios de direito natural, nomeadamente daqueles que tinham sido incorporados na legislação dos novos Estados iluministas (HESPANHA, 1998, p. 166). Retomava-se a senda da corrente humanista racinalista (cf. SILVA, 1991, p. 361).

A invasão napoleônica e a fuga da família real para o Brasil acenaram com aporias e anomias transitórias; em 1808, patriotas suplicaram que Junot, o representante francês em Portugal, autorizasse um ensaio constitucional. Em vão foram os pedidos que, no entanto, registram o início do constitucionalismo moderno português. A queda de Napoleão em 1815 alterou o rumo das coisas, o retorno de D. João VI e a Revolução do Porto matizaram o avanço do liberalismo peninsular.

Convocaram-se representantes nas cortes gerais, havia brasileiros, que historiografia comprometida invoca como mal tratados por seus pares. Três grupos disputaram a primazia na confecção da constituição portuguesa de 1822. Uma ala moderada sonhava com um constitucionalismo de feição inglesa. Uma facção radical delirava com a possibilidade de adoção do modelo francês. Um grupo gradualista flertava com a Espanha, e com a Constituição de Cádiz, de 1812, que chegou a vigir em Portugal por lapso diminuto de tempo, exatamente por um dia, em meados de abril de 1822 (cf. MIRANDA, 1997). Concebeu-se monarquia com poderes limitados. Centrou-se a soberania na Nação. Igualdade jurídica, respeito de direitos pessoais, separação de poderes e governo representativo são características daquela carta constitucional (cf. CANOTILHO, 1993). Há notícias de que alguns constituintes teriam se correspondido com Jeremiah Bentham (cf. MIRANDA, 1997).

Há prescrições indicativas de que às mulheres se vedava o direito de voto, como recorrente à época. A idade mínima eleitoral orçava em 25 anos. Filhos-família em poder e companhias dos pais, bem como criados e vadios também não podiam votar. Havia critérios censitários, limitando-se expressivamente a participação política. Deu-se fim ao veto de bolso, isto é, se em um mês o Rei não sancionasse as leis que lhe eram encaminhadas para apreciação, ficava entendido que o consentimento fora dado, e seguia a publicação da norma. Um Conselho de Estado era formado por 13 cidadãos. Previa-se uma regência de cinco membros, para o Brasil, o que jamais se implementou, por causa dos acontecimentos de sete de setembro de 1822. O primeiro texto constitucional português teve vida curta, valendo de setembro de 1822 a junho de 1823 (cf. CANOTILHO, 1993). Embora, bem entendido, servido de ponte que divide o Estado absolutista do Estado constitucional (cf. MIRANDA, 1997).

Segue a constituição portuguesa de 1826, marcando o triunfo da restauração, do tradicionalismo, da contra-revolução, do recuo dos liberais. Trata-se de constitucionalismo histórico, romanticizado, fundamentado do espírito do Wolkgeist, pelo menos como entendido pela classe dominante. Percebe-se uma volta ao conceito medieval de município. A espiritualidade católica é também marca do texto e da época. Alexandre Herculano é o herói desse tempo. Os revolucionários mantêm-se na vanguarda enquanto dura a revolução, tão somente, na advertência de Carl Schmitt, lembrada por Canotilho (1993, p. 284). O nosso D. Pedro I e seu secretário, o Chalaça, teriam participado da concepção desta carta constitucional, que não curiosamente embutiu os direitos fundamentais em seu último artigo (cf. MIRANDA, 1997).

A constituição portuguesa de 1826 é expressivamente a vontade de D. Pedro I, que nas palavras de insuspeito historiador português:

D. Pedro de Alcântara seria talvez um individualista, um voluntarista. Alguns dizem mesmo — um egoísta. Um desses egoístas vaidosos que nada querem para si, salvo glórias pessoais. Dos que são mesmo capazes de sacrifícios grandes e altruístas pela glória. Como governantes, querem comprar a admiração popular a todo o preço. A biografia de D. Pedro é a prova desta generosidade vaidosa dum rei que quer tornar o seu povo livre. Por isso, a fórmula do constitucionalista cartista, outorgada, saída do princípio monárquico, servia-lhe à maravilha para exercer a sua filantropia política (CUNHA, 1995, p. 397).

A linha restauradora de Metternich e da Santa Aliança convergiu com as forças restauradoras portuguesas. O feudalismo e o clericalismo reconquistaram o espaço perdido para o liberalismo transitoriamente triunfante da revolução do Porto. É o tempo do brilho inconfundível de Almeida Garret. Do outro lado do Atlântico, D. Pedro (I no Brasil e posteriormente IV em Portugal) abre mãos de direitos em favor de seu irmão, D. Miguel, que se casa com a sobrinha, Dna. Maria da Glória, filha do imperador brasileiro. Consagrou-se um poder moderador, com base em Benjamin Constant, imaginando-se poder real marcado pela neutralidade, que a experiência histórica evidenciou como miragem, inclusive, e principalmente, no Brasil. Entre nós, especialmente no decorrer do longo reinado de D. Pedro II, engendrou-se uma espécie de parlamentarismo às avessas, que matou no nascente experiências políticas que poderiam ser realmente partidárias. É que, nada tão conservador como um liberal no poder, nada tão liberal como um conservador na oposição, como se dizia à época. Esta constituição perdeu vigência em 1838, porém ressurgem em 1842, pontificando até 1910, data da proclamação da república em Portugal. A efêmera constituição de 1838 representou pacto entre o soberano e setores que diziam representantes nacionais autênticos. Retornou-se ao modelo dos três poderes.

Em 1911, uma constituição monárquica refletiu o novo regime. Ao que consta, aspectos democráticos tornavam-se mais palpáveis. Uma república pretensamente laica abraçam ideias de iluminismo pouco mais radical. A constituição republicana portuguesa de 1911, ao que parece, foi pensada sob forte influência das constituições do Brasil e da Suíça (cf. MIRANDA, 1997). Em 1918, a ditadura de Sidônio Pais já prenunciava reformas que atingiram seu ápice com a grande ditadura salazarista, e que deteve o privilégio de ostentar constituição própria, plasmada no texto de 1933.


Refletindo tendência internacional, que se efetivava na Espanha, na Alemanha, na Itália (que foi pioneira) e mesmo no Brasil, Portugal conheceu um integralismo nacional, sob a batuta de Oliveira Salazar, que pessoalmente teria concebido e elaborado um projeto de constituição (cf. CANOTILHO, 1993).

Inusitado corporativismo proibia greves e lock-outs. Assanhou-se com a doutrina social da igreja. Um socialismo catedrático namorava as soluções da Constituição de Weimar. Pensou-se em Estado sem partidos, que foram proscritos pela nova ordem. Triunfou capitalismo autoritário, administrativo e protecionista, preocupado mais com a conservação do que com o desenvolvimento (cf. CANOTILHO, 1973).

Essa ordem caiu esgotada pela própria seiva e pela incapacidade latente em face dos novos desafios, típicos de um mundo que balança com as lufadas do novo e do impensável. A Revolução dos Cravos, triunfante em abril de 1974, afastou, entre outros, o constitucionalista Marcelo Caetano (que veio para o Brasil). Em 1976 engendrou-se novo texto constitucional, que acena com garantias e com o avanço. Direitos, liberdades e garantias parecem adotados da constituição alemã do pós-guerra, do modo como desenhada em Bonn. É deste texto que trato em seguida.

A vigente constituição portuguesa abre com preâmbulo que sintetiza a recente história política e constitucional daquele país. Lembra-se que a 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos derrubou o regime fascista. Escreveu-se que libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. Afirmou-se que a Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. É que no exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país. Faz-se auto-referência que titulariza e consubstancia o poder do órgão que compôs o texto constitucional português porque a Assembléia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos e de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.

Afirmou-se como princípio fundamental a concepção de que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Adota-se perfil de Estado de direito democrático, na medida em que Portugal é modelo baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

O constitucionalismo clássico é abraçado pelo texto constitucional português, cuja constituição indica que a soberania é una e indivisível, que reside no povo, que a exerce segundo as normas previstas na Constituição. O legalismo é marca do texto, que explicita que o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática. A supremacia constitucional é elemento discursivo estruturante, na medida em que a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autônomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição. Regra referente à cidadania é ampla e indica que são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou pela convenção internacional.

O território português, nos termos da constituição daquele país, abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Embora, bem entendido, a fixação de espaço físico remeta-nos a um ideal de pátria que não corresponde ao ideal de território (BOBBIO e VIROLI, 2002, p. 23). Demais normas de pormenor são remetidas à lei ordinária. Assim, a lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona econômica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos. Não se transige em matéria territorial, e desse modo o Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da retificação de fronteiras. Diz-se ainda que Portugal é um Estado unitário, que respeita na sua organização e funcionamento o regime autonômico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública. Quanto à região insular, definiu-se que os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autônomas dotadas de estatutos políticos-administrativos e de órgãos de governo próprio.

A constituição portuguesa compreende artigo que enumera as tarefas fundamentais do Estado. Entre elas, a garantia da independência nacional, bem como a criação de condições políticas, sociais e econômicas que promovam a referida independência. Deve o Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático. É missão institucional defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais. O Estado tem como tarefa fundamental promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas econômicas e sociais.

Ao Estado incumbe proteger e valorizar o patrimônio cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território. É tarefa do Estado assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa. Portugal deve promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o caráter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e Madeira. O artigo tem como item final a determinação de que ao Estado cabe promover a igualdade entre homens e mulheres.

Consagrou-se o sufrágio universal, que é igual, direto, secreto e periódico. Quanto às agremiações partidárias, definiu-se que os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política. Há excerto referente aos símbolos nacionais e à língua nacional. Esta última é o português, evidentemente. No que toca à bandeira, definiu-se que a mesma é símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal. Ainda, é a adotada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910. O hino nacional é A Portuguesa.

Adotou-se o princípio da universalidade, na medida que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. Quanto às pessoas artificiais, estabeleceu-se que as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. O princípio da igualdade fica cristalizado com excerto dando conta de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. E ainda, ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica, condição social ou orientação sexual.


O texto constitucional português também alcança os portugueses no exterior. É que os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam compatíveis com a ausência do país. A constituição portuguesa insinua tratamento benéfico com estrangeiros e apátridas que se encontram ou que residam em Portugal, porque esses gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. O texto constitucional português em seguida estabelece quadro de exceções, indicando que se excluem da presunção de igualdade os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham caráter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.

Acrescentou-se que aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembléia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática. Ainda em tema de tratamento a estrangeiros, estabeleceu-se que a lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais. Assentou-se regra relativa à União Europeia, definindo-se que a lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros da União Européia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.

Quanto ao âmbito e ao sentido dos direitos fundamentais, sintetizou-se modelo de exegese. Proclama-se que os direitos fundamentais plasmados no texto constitucional não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional. E também, os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A força jurídica dos preceitos protetores dos direitos fundamentais são imediata e diretamente aplicáveis, vinculando entidades públicas e privadas. De modo a se calibrar eventual modelo de restrição de direitos, determinou-se que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Consubstanciou-se que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Suspensão do exercício de prerrogativas exige o respeito a fórmulas decorrentes de estado de sítio ou de emergência, cuja declaração demanda o cumprimento do modelo determinado pelo texto constitucional português. Estes respondem a casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, ou ainda grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública. E de modo a se obter controle constitucional em relação aos estados de exceção, determinou-se que se devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da ordem constitucional. A declaração de estado de sítio ou de emergência exige fundamentação adequada. Deve conter a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em conseqüência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.

Essas declarações são tabuladas por limites muito bem especificados. Em nenhum caso pode se ameaçar direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos argüidos e a liberdade de consciência e de religião. A fixação com a normalidade constitucional é recorrente, especialmente porque às autoridades que decretam os estados de exceção se conferem poderes para pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

Quanto ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva determinou-se que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos. A universalização do acesso ao Judiciário também cristaliza regra que define que todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. Toca-se na instrumentalidade do processo na medida em que se escreveu que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo eqüitativo. E ainda, com o mesmo objetivo, especificou-se que para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

A constituição de Portugal consagra o direito de resistência. Escreveu-se que todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível o recorrer à autoridade pública. Instante discursivo prenhe de retórica humanista indica que a vida humana é inviolável. A pena de morte é vedada, absolutamente. Determinou-se que a integridade moral e física das pessoas é inviolável. Direito constitucional penal humanitário inspira excerto constitucional indicativo de que ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.

Liberdade e segurança dão início a conjunto de direitos que tem como epicentro concepção de que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em conseqüência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Indica-se ainda que toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos. A responsabilidade do poder público por prisões ilegais decorre de que a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indenizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.

Prisão preventiva não pode exceder a prazos estabelecidos em lei. Porém, deve a detenção ser submetida à apreciação de autoridade judicial no máximo em 48 horas depois de realizada. A legalidade estrita em matéria penal é componente da Constituição de Portugal, em redação que aponta que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. Também se escreveu que não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior. A double jeopardy do direito de tradição anglo-saxônica também informa o Direito português, porque ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Fixa-se mais uma vez a responsabilidade do poder público, em relação ao erro judicial, porque os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indenização pelos danos sofridos.


Há limites severos para penas e medidas de segurança. Primeiramente, não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Essa premissa é relativizada porque em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial. A pena não pode passar da pessoa do réu, dado que a responsabilidade penal é insuscetível de transmissão.

O Direito Constitucional português consagra o habeas corpus. O texto constitucional explicita que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. O prejudicado pode postular pessoalmente o remédio constitucional. E determina-se também que o juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória. Ainda, há artigo extenso, que indica garantias no processo criminal.

Quanto a expulsão, extradição e asilo, o texto constitucional português tem início determinando que não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional. Admite-se a extradição. Exige-se, no entanto, que a extradição seja requerida por motivos de crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com caráter perpétuo ou de duração indefinida se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada. Além da extradição exigir ordem judicial, determinou-se a não admissão de extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

A constituição de Portugal consagra a inviolabilidade do domicílio e da correspondência. Há artigo de extensão relativamente longa referente à utilização da informática. Principia-se com a determinação de que todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua retificação e atualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. Cibernética, filosofia, teologia, ciência política e antropologia encontram-se em disposição constitucional indicativa de que a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.

Família, casamento e filiação, inclusive com previsão de divórcio, a ser regulamentado por lei, estão especificados no texto constitucional português. Liberdade de expressão é definida em dispositivo que nos dá conta de que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. Garante-se a liberdade de imprensa, que implica entre outros na liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária e confessional. Obriga-se ao Estado assegurar a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.

Definiu-se que a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. E às mulheres, garante-se direito a especial proteção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias. Remete-se a matéria à lei, que deve regular a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar. Proíbe-se o trabalho de menores em idade escolar. Há artigo consubstanciando direitos da juventude, mediante indicativos de ensino, de acesso ao primeiro emprego, à habitação, a educação física e ao desporto, e ao aproveitamento do tempo livre. Aos cidadãos portadores de deficiência reservou-se artigo, que se encerra com indicação de que ao Estado cabe a proteção dos referidos cidadãos. Quanto às pessoas na terceira idade, determinou-se que as pessoas idosas têm direito à segurança econômica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social.

Consagra-se liberdade de consciência e de culto. Adiantou-se que ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa. O secularismo do Estado é fato, dado que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício de suas funções e culto. Também se escreveu que é garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei. É livre o direito de aprender e de ensinar. Garantem-se direitos de deslocação e de emigração, de reunião e de manifestação, de liberdade de associação, de escolha de profissão e de acesso à função pública, e de participação na vida pública. O direito de sufrágio é outorgado a todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral. A constituição de Portugal estabelece que o exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico.

Formalizou-se o direito à educação e à cultura. Quanto ao ensino, indicou-se que todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. É incumbência do Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito, entre outros, além de garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo. Quanto ao ensino de terceiro grau, escreveu-se que o regime de acesso à Universidade e às demais instituições de ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país. E também, as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.

Há capítulo que consubstancia direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Parte-se da segurança no emprego, proibindo-se despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Consagra-se a liberdade sindical. Garantem-se direitos das associações sindicais e contratações coletivas. Há direito à greve. Proíbe-se o lock-out. Indica-se que todos têm direito ao trabalho. Para isso, cabe ao Estado promover a execução de políticas de pleno emprego, a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou gênero de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais, e ainda a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores. Há amplo conjunto de direitos dos trabalhadores, a exemplo de retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a existir uma existência condigna.


Direito do consumidor é matéria inserida na constituição de Portugal. E de tal modo, os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses econômicos, bem como à reparação de danos. Quanto à publicidade, tem-se que a mesma é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indireta ou dolosa.

Adesão ao liberalismo econômico é premissa de redação que estabelece que a iniciativa econômica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei tendo em conta o interesse geral. Propriedade privada e herança são institutos garantidos pela constituição portuguesa. E ainda, a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indenização. É princípio fundamental na organização econômico-social no sistema português a subordinação do poder econômico ao poder político democrático.

Tem-se a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista. Prescreve-se a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção. Por outro lado, escreveu-se que incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito econômico e social promover o aumento do bem-estar social e econômico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável. A propriedade dos meios de produção é dividida em três setores: público, privado e cooperativo e social. Quanto às empresas privadas, definiu-se que o Estado incentiva a atividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respectivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam atividades de interesse econômico geral.

O nível de minudência é muito grande. A constituição de Portugal especifica requisitos de apropriação e domínio públicos, cooperativas e experiências de autogestão, atividade econômica e investimentos estrangeiros, meios de produção em abandono, participação dos trabalhadores na gestão empresarial, planos econômicos, políticas agrícola, comercial e industrial, eliminação de latifúndios, redimensionamento de minifúndios, formas de exploração de terra alheia, auxílio do Estado, objetivos na definição de políticas agrícola e comercial. Escreveu-se que o sistema financeiro será estruturado por lei, de forma a garantir a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação de meios financeiros adequados à expansão das forças produtivas, com vistas à progressiva e efetiva socialização da economia.

A segurança social é direito de todos. À saúde concebe-se serviço nacional universal e geral. Tem-se como incumbência prioritária do Estado a garantia ao acesso de todos os cidadãos, independentemente de sua condição econômica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação. Ao Estado cabe garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde.

Artigo relativo a habitação e urbanismo explicita que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Quanto ao conceito de meio ambiente e qualidade de vida, escreveu-se que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

Em âmbito tributário esceveu-se que o sistema fiscal será estruturado por lei, com vista a repartição igualitária da riqueza e dos rendimentos e à satisfação das necessidades financeiras do Estado. Determina-se que os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. A legalidade restrita consubstancia-se em passagem indicativa de que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas em lei.

No que toca a impostos propriamente ditos, tem-se que o imposto sobre rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades, será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, e tenderá a limitar rendimentos a um máximo nacional, definido anualmente pela lei. Também, a tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre seu rendimento real. Escreveu-se que o imposto sobre sucessões e doações será progressivo, de forma a contribuir para a igualdade entre os cidadãos, e tomará em conta a transmissão por herança dos frutos do trabalho. Quanto aos impostos indiretos, determinou-se que a tributação do consumo visará adaptar a estrutura do consumo às necessidades da socialização da economia, isentando-se dela os bens necessários à subsistência dos mais desfavorecidos e suas famílias e onerando-se os consumos de luxo.

Do ponto de vista político inscrevem-se os órgãos de soberania, a exemplo do Presidente da República, do Conselho da Revolução, da Assembleia da República, do Governo e dos Tribunais. Indicou-se que a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autônomas e do poder local depende de sua conformidade com a Constituição.

A Assembleia da República é definida como representativa de todos os cidadãos portugueses. Conta com um mínimo de 240 e com um máximo de duzentos e 250 deputados. São elegíveis os cidadãos portugueses que podem ser eleitores. Há regime de imunidades, e os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções. O texto constitucional português indica direitos e deveres dos mandatários, a exemplo do comparecimento às reuniões do plenário e às das comissões a que pertençam. A sessão legislativa ocorre de 15 de outubro a 15 de junho, sem prejuízo das suspensões que a Assembléia estabelecer. No entanto, a Assembléia pode ainda ser convocada extraordinariamente pelo Presidente da República para se ocupar de assuntos específicos.

O Governo é o órgão de condução política geral do país e o órgão superior da administração pública. É constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho da Revolução e os partidos representados na Assembléia da República e tendo em conta os resultados eleitorais. E ainda, os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro. A constituição de Portugal determina que o Governo é politicamente responsável perante o Presidente da República e a Assembléia da República.

Quanto ao Judiciário, os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Determina-se que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Há previsão constitucional para o Tribunal do Júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, e com capacidade para intervir no julgamento de crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada, designadamente quando a acusação ou a defesa o requeiram.

Há um Tribunal Constitucional, um Supremo Tribunal de Justiça, um Supremo Tribunal Administrativo e um Tribunal de Contas. Possibilita-se a criação de Tribunais Marítimos, Arbitrais e Juizados de Paz. O regime de competências é especificado no texto constitucional português. Há também Tribunais Fiscais, vinculados aos Tribunais Administrativos, com competência para o julgamento de ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Um Estatuto dos Juízes, remetido à lei, dá os contornos de garantias e incompatibilidades, a exemplo da inamovibilidade. Prevê-se um Ministério Público a quem compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, gozando de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.


No que tange à apreciação de constitucionalidade, escreveu-se que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam a disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. A propósito do controle de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional. Este Tribunal Constitucional é composto por 13 juízes, dez deles designados pela Assembleia da República. Os magistrados do Tribunal Constitucional são recrutados entre juízes dos demais tribunais e entre os demais juristas de Portugal. Determinou-se que o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional tem a duração de nove anos e não é renovável. O presidente do tribunal é nomeado é eleito pelos respectivos juízes. A estes magistrados outorgam-se garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade.

O Tribunal Constitucional Português tem competência para apreciar inconstitucionalidade e de ilegalidade. As competências também se desdobram em outros afazeres institucionais. Entre eles, a verificação da morte e da impossibilidade física do presidente da república, a confirmação da perda de cargo da referida autoridade, o julgamento em última instância da regularidade e da validade dos atos do processo eleitoral. O controle de constitucionalidade é mecanismo pulverizado em vários excertos da constituição portuguesa. Em matéria de tratados internacionais, por exemplo, determinou-se que a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental.

A fiscalização preventiva da constitucionalidade remete-se ao Presidente da República, que pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado internacional que lhe tenha sido submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura. Deve-se levar em conta que a apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data da recepção do diploma.

Têm competência para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República, bem como um décimo dos Deputados à Assembleia da República. Quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autônomas de Portugal, podem os pedidos ser protocolados junto às respectivas Assembleias Legislativas pelos seus representantes, pelos presidentes dessas assembleias, ou por um décimo dos deputados dessas casas legislativas.

Quanto à Administração Pública escreveu-se que a mesma visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Os princípios que a informam são os da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé. Determina-se que a Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.

Elencam-se direitos e garantias dos administrados. É que os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas. Ainda, os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registros administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

No que se refere às responsabilidades dos funcionários e agentes públicos, determina-se que os mesmos são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas ações ou omissões praticadas no exercício de suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a ação ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica. No entanto, mitiga-se a regra, porque é excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que atue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão por escrito.

A Constituição de Portugal estabelece limites circunstanciais e materiais para a revisão constitucional. Circunstancialmente, não se pode alterar o texto constitucional na vigência de estado de sítio ou de emergência. Materialmente, determinou-se que as leis de revisão constitucional terão de respeitar a independência nacional e a unidade do Estado, a forma republicana de governo, a separação das Igrejas do Estado, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção, a existência de planos econômicos no âmbito de uma economia mista, o sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares efetivos dos órgãos de soberania, das regiões autônomas, e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional, o pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática, a separação e a interdependência dos órgãos de soberania, a fiscalização da constitucionalidade por ação ou omissão de normas jurídicas, a independência dos tribunais, a autonomia das autarquias locais, a autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

São estes os pontos mais significativos do texto constitucional português, que plasma longínqua tradição normativa, por vezes autoritária, com oportunidades e desafios decorrentes da aproximação e do amalgama do país com a União Europeia.

Referências Bibliográficas

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