Impacto na Justiça

Consequências da greve em MT são irreparáveis

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27 de setembro de 2010, 8h30

Spacca
José Silvério Gomes - Spacca - SpaccaA Justiça de Mato Grosso enfrentou uma greve de mais de 100 dias neste ano. A fatura ficará na conta do jurisdicionado com a demora no julgamento dos processos. O atraso deverá ser de quatro a cinco meses em primeira instância. Quem faz o cálculo é o presidente do Tribunal de Justiça, José Silvério Gomes, que chegou ao cargo este ano durante a maior crise da história do Poder Judiciário do estado. “As consequências da paralisação são irreparáveis, considerando o desgaste perante a sociedade que paga para ter o serviço e não é atendida”, disse ele, em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, por e-mail.

O desembargador avalia que não haverá consequências na segunda instância porque os servidores não participaram da greve. E, para evitar mais prejuízos para as partes, ele até autorizou em portaria que Agravos fossem ajuizados com a juntada de um documento posteriormente, quando houvesse a regularização do atendimento na primeira instância. Hoje, segundo ele, um recurso é julgado em até 90 dias no TJ.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem um orçamento de R$ 390 milhões. José Silvério diz que o tribunal enfrenta dificuldades financeiras. A Corregedoria de Justiça do TJ-MT, na antiga gestão, sugeriu a extinção de 11 comarcas por falta de infraestrutura mínima no interior do estado. Na época, a proposta causou polêmica, mas ainda pode vingar. “A dificuldade do Tribunal de Justiça é de manter uma comarca onde o custo da manutenção é alto para uma distribuição de processo mínima. Algumas, inclusive, instaladas em cidades muito próximas. A extinção ou desativação ainda não está descartada, dada as dificuldades financeiras do tribunal”, observa o desembargador.

De acordo com o último levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, o Justiça em Números, a taxa de congestionamento no TJ-MT é de 41,6%. Ou seja, de cada 100 casos, 58 tiveram decisão definitiva em 2009. Apesar de estar bem melhor que a média nacional — a taxa de congestionamento na Justiça brasileira é de 71% — o TJ-MT piorou seu desempenho em relação ao levantamento anterior. No levantamento que se refere a dados de 2008, a taxa de congestionamento era de 35% na segunda instância.

A primeira instância apresentou pequena melhora se comparados os dois últimos estudos do CNJ. A taxa de congestionamento caiu de 80% para 77%, em 2009. O desembargador lembra, no entanto, que no ano passado o Poder Judiciário de Mato Grosso foi o 5º mais célere no cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça.

José Silvério é casado e tem dois filhos. Juiz de carreira desde 1981, ele foi promovido a desembargador em 2003. Em primeiro grau, foi diretor e vice-diretor do Fórum da Comarca de Cuiabá por dois biênios. Em 2006, foi corregedor do Tribunal Regional Eleitoral e presidente em 2008. O desembargador mineiro foi eleito no dia 3 de março deste ano para comandar o TJ-MT após o afastamento do então presidente Mariano Travassos pelo CNJ, que foi punido com aposentadoria compulsória juntamente com dois desembargadores e outros sete juízes.

Eles foram acusados de desvio de verbas do Judiciário para socorrer financeiramente a maçonaria. Todos voltaram aos cargos, recentemente, por liminar concedida pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. O ministro, no entanto, não permitiu que Mariano Travassos voltasse à presidência. O mérito sobre a punição imposta pelo CNJ aos desembargadores e juízes ainda será avaliado pelo Pleno do STF.

O mandato de José Silvério está previsto para acabar no dia 28 de fevereiro de 2011. Uma de suas metas no curto tempo que ainda lhe resta é iniciar a implantação do processo judicial eletrônico no estado. “Para tanto, já firmamos convênio com o CNJ e os servidores do TJ-MT já estão passando por treinamento”, diz o presidente, que foi eleito por ser considerado um homem que tem credibilidade dentro e fora do tribunal.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual foi o impacto do crescimento do agronegócio na Justiça de Mato Grosso?
José Silvério Gomes — Inicialmente, cabe destacar que qualquer incremento econômico produz algum reflexo nas lides judiciais. Nesse contexto, o crescimento do agronegócio em Mato Grosso gerou uma ampliação da demanda por serviços judiciários como a necessidade de criação e instalação de comarcas, natural em um cenário de crescimento econômico, e também um aumento no volume de ações envolvendo discussões contratuais entre bancos e fornecedores de produtos agrícolas, por exemplo. Mas nada que gerasse impacto no dia a dia forense. Houve acréscimo, mas não representou dificuldades para o Poder Judiciário.

ConJur — Como a Justiça enfrenta a questão ambiental, que é um dos maiores desafios do desenvolvimento do estado?
José Silvério — A questão ambiental é enfrentada com determinação e inovação. E aqui cabe lembrar que nasceu em Mato Grosso a premiada ideia de criação do Juvam [Juizado Volante Ambiental], que traduz o maior suporte aos propósitos de desenvolvimento com garantia de preservação. Pioneiro no país, o Juvam tornou-se um modelo e referência quando a questão é o posicionamento da Justiça na questão ambiental.

ConJur — Mato Grosso é uma área de expansão agrícola. Como anda a questão fundiária na Justiça do estado?
José Silvério — Ciente dessa realidade, o Poder Judiciário de Mato Grosso inovou também nessa área, criando e instalando uma vara especializada por onde tramitam as lides envolvendo disputa por terras. Com a especialização, o trâmite é mais célere e, via de consequência, a paz no campo que todos almejamos torna-se uma possibilidade concreta. A Vara Especializada de Direito Agrário, a primeira do país, tem jurisdição em todo o estado.

ConJur — Quais são os principais problemas que chegam à Justiça na área criminal?
José Silvério — No âmbito do Judiciário mato-grossense, a maioria das lides na área criminal refere-se a crimes de natureza patrimonial. Existem demandas envolvendo o crime organizado e também o tráfico de drogas, mas no cenário atual são em menor número.

ConJur — Atualmente, quanto tempo leva para uma petição ser analisada em primeira instância? E uma apelação em segunda instância?
José Silvério — Depende da natureza da ação. Havendo pedido de liminar ou cautelar, por exemplo, a apreciação se dá de imediato. No Tribunal, dependendo da Câmara, o recurso é julgado em até 90 dias. Vale lembrar que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso figurou no levantamento do Conselho Nacional de Justiça de 2008 como o 8º mais célere do país. Em 2009, foi a vez do Poder Judiciário de Mato Grosso como um todo, ser distinguido com o reconhecimento de ser o 5º mais célere no cumprimento das metas de nivelamento do Judiciário Nacional estabelecidas pelo CNJ.

ConJur — Quais são os seus três principais objetivos nessa reta final da gestão?
José Silvério — Prioritariamente, concluir o trabalho de saneamento das finanças, que já está no amarelo, incluindo o corte de gastos, até que tenha início a execução do orçamento de 2011. Pretendemos também iniciar a implantação do Processo Judicial Eletrônico. Para tanto, já firmamos convênio com o CNJ e os servidores do TJ-MT já estão passando por treinamento. O terceiro principal objetivo para esse pouco tempo que resta do mandato é finalizar o concurso para a magistratura e iniciar as nomeações, bem como as promoções para as vagas abertas de desembargador.

ConJur — Quais são as consequências para o jurisdicionado e para o TJ-MT depois de mais de 100 dias de greve dos servidores?
José Silvério — As consequências são irreparáveis, considerando o desgaste perante a sociedade que paga para ter o serviço e não é atendida.

ConJur — Qual é o orçamento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso? O TJ alega que não tem dinheiro para pagar aos servidores a quitação dos créditos relativos à conversão da Unidade Real de Valor (URV) para o Real.
José Silvério — O orçamento real hoje é de R$ 390 milhões, consumidos com a folha de pagamentos.

ConJur — A greve deve atrasar os julgamentos em quantos meses na primeira e segunda instâncias?
José Silvério — Na minha avaliação, deverá ocorrer um atraso de quatro a cinco meses no primeiro grau. No segundo grau, os servidores não entraram em greve e a tramitação segue normal, inclusive em relação aos recursos de Agravo de Instrumento que dependia de certidão da comarca originária. Para não haver prejuízos, assinei portaria autorizando a protocolização do recurso e a juntada do documento posteriormente, quando fosse regularizado o atendimento em primeiro grau.

ConJur — O senhor baixou uma portaria, recentemente, para regulamentar o uso de internet no horário de expediente por servidores. Quanto tempo o senhor constatou que os servidores ficavam na internet falando mal dos chefes em sites em vez de trabalhar? O jurisdicionado é o maior prejudicado nesses casos? Outros tribunais deveriam fazer o mesmo?
José Silvério — A Portaria foi, na verdade, destinada a coibir o uso inadequado dos equipamentos, e para evitar que delinquentes, travestidos de servidores, seguissem denegrindo a imagem da instituição e, acobertadas pelo anonimato, prosseguissem caluniando, difamando e injuriando servidores e membros da magistratura. Não vejo prejuízo direto para o jurisdicionado, exceto pelo fato de induzir ao descrédito da instituição. Quanto a outros tribunais, me parece que já é uma medida comum, sobretudo nos tribunais superiores.

ConJur — O que mudou para o jurisdicionado com a redução do número de Câmaras no TJ-MT, por déficit de julgadores, e com o fim dos cargos de juízes convocados? Essa redução vai ser mantida? Ou existe a possibilidade de o Pleno voltar atrás?
José Silvério — A suspensão das atividades das Câmaras foi uma medida temporária, para enfrentamento da questão representada pelo elevado número de processos e reduzido número de julgadores. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal suspendendo as aposentadorias compulsórias de desembargadores e de juízes substitutos de segundo grau, a medida foi reconsiderada. Todas as Câmaras julgadoras do TJ-MT já estão funcionando normalmente.

ConJur — Os candidatos a juiz, que prestam as etapas finais do concurso com a segunda fase suspensa por causa do sumiço de provas no TJ-MT e depois corrigidas quando encontradas, devem tomar posse quanto tempo depois do término do concurso?
José Silvério — A decisão do CNJ foi no sentido de reconhecer que houve uma falha humana com a falta de correção de 16 provas. O que aconteceu em seguida foi a correção das provas faltantes e o prosseguimento do certame. Os primeiros aprovados devem tomar posse tão logo termine o concurso. A expectativa é de que isso possa ocorrer no início do próximo ano.

ConJur — A Corregedoria do TJ-MT, na antiga gestão, chegou a sugerir extinção de 11 comarcas por falta de infraestrutura mínima no interior do estado. Realmente é necessária essa extinção ou o jurisdicionado ficaria prejudicado caso isso acontecesse?
José Silvério — A dificuldade do Tribunal de Justiça é de manter uma comarca onde o custo da manutenção é alto para uma distribuição de processo mínima. Algumas, inclusive, instaladas em cidades muito próximas. A extinção ou desativação ainda não está descartada, dada as dificuldades financeiras do Tribunal.

ConJur — A atual Corregedoria do TJ-MT sugeriu a redução de nove cargos de desembargadores e a ampliação do número de juízes após o CNJ aposentar compulsoriamente 10 magistrados. Esse assunto não faz mais sentido diante da volta dos 10 magistrados determinada por liminar do ministro Celso de Mello? Ou o tema ainda será levado ao Pleno? O senhor concorda? Por quê?
José Silvério — Avalio que a propositura está prejudicada.

ConJur — As reformas do CPC e CPP, que prevêem a redução do número de recursos, podem dar celeridade aos processos no TJ-MT, especialmente após essa greve?
José Silvério — A greve é um incidente, não relacionada com o trâmite regular dos processos. Assim, vejo que na reforma proposta há pontos inovadores que, se adotados, vão trazer reflexos positivos, diminuindo a carga de recursos e desafogando os tribunais.

ConJur — O Judiciário deve ter autonomia financeira?
José Silvério — A autonomia financeira é inerente à gestão. Para o Poder Judiciário, a exemplo de qualquer outro Poder, autonomia é quase a distância entre êxito e fracasso. Afinal, é ele quem sabe das suas prioridades e cabe a ele decidir onde aplicar os recursos que dispõe.

ConJur — A crise que assolou o tribunal afetou sua credibilidade na sociedade? O que o Tribunal faz para que o cidadão não perca a confiança em seus juízes?
José Silvério — Qualquer crise produz reflexos na credibilidade, seja ela fundada ou não. No caso do Tribunal de Justiça, temos uma crise de imagem derivada de uma sequência de fatos indesejáveis, alheios à vontade da esmagadora maioria de seus integrantes. Por se tratar de uma crise de imagem e não institucional, avalio que poderá ser contornada. Temporariamente, é certo que a imagem está arranhada, mas com muito trabalho e a demonstração de que a instituição, por seus membros, tudo fará para superar essa realidade.

ConJur — O senhor chegou a se emocionar durante um evento da OAB-MT, este ano, ao comentar boatos de que o tribunal tem uma tabela de preços para venda de decisões. O que o senhor sentiu naquele momento em relação a esse assunto e o que sente hoje após o afastamento de dois desembargadores pelo STJ por suspeita de venda de sentenças?
José Silvério — A emoção e as lágrimas foram em decorrência da indignação e da impotência ante a constatação da existência de boatos de venda de sentenças sem dar nomes, como se toda a magistratura participasse dos atos que estavam sendo denunciados. Como tive oportunidade de dizer na ocasião, o Poder Judiciário de Mato Grosso é uma instituição centenária, onde a quase totalidade de seus integrantes têm conduta proba, adequada à função que desempenham. Razão pela qual não podemos admitir que boatos sobre eventual conduta imprópria de uns poucos, seja confundida com a atuação da instituição. Não se pode jogar lama na instituição e a todos os seus membros e servidores com base em boatos.

ConJur — A decisão do ministro Celso de Mello, de determinar a volta de 10 magistrados ao cargo, causou que tipo de impacto para o TJ-MT e aos jurisdicionados? E se o Plenário do Supremo resolver manter a decisão do CNJ de aposentadoria compulsória, quais serão os impactos para o Tribunal?
José Silvério — As decisões dos tribunais superiores são proferidas para cumprimento. Da mesma forma, as do CNJ. Para nós, não cabe discuti-las, ainda que possa causar algum tipo de impacto.

ConJur — A demora do CNJ para julgar o caso do juiz Fernando Miranda, promovido por critério de antiguidade, em janeiro, mas impedido de tomar posse por causa de acusações que pesam contra ele, está atrapalhando o funcionamento da Justiça de Mato Grosso? De que maneira? Há prejuízos para o jurisdicionado?
José Silvério — A demora é em decorrência da necessidade de produção de provas. Prejuízo sempre há, visto que as vagas estão em aberto e o ritmo dos julgamentos diminuiu. Entretanto, é preferível a segurança da decisão sólida e embasada, ao risco de inadequação resultante de eventual açodamento.

ConJur — O que o senhor pensa sobre a atuação do CNJ?
José Silvério — Penso que está cumprindo seu papel institucional, na coordenação e execução das políticas públicas, no controle administrativo, na direção para a qual foi criado.

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