Animus narrandi

PHA não terá de indenizar advogado

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23 de setembro de 2010, 22h15

O advogado Alberto Pavie Ribeiro não conseguiu indenização por danos morais em ação contra o blogueiro Paulo Henrique Amorim. Uma sentença publicada na última sexta-feira (17/9) nega ao advogado indenização de R$ 500 mil por reportagem publicada pelo apresentador em seu blog, o Conversa Afiada.

O texto, repetindo acusações feitas pelo delegado afastado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, sugeria uma conspiração. Ribeiro seria, segundo ele, um suposto elo de ligação entre o banqueiro Daniel Dantas e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro reverteu as duas ordens de prisão ilegais contra Dantas assinadas pelo juiz criminal Fausto de Sanctis — o Plenário do Supremo confirmou as duas decisões. Mas a tese que se quis disseminar era a de que as ordens de prisão haviam sido legais e os Habeas Corpus ilegítimos.

Para dar fundamento à suposição, Protógenes espalhou, com a ajuda de Paulo Henrique Amorim e seus parceiros, que os advogados de defesa haviam compartilhado a mesa de jantar, em um restaurante japonês de Brasília, com assessores do ministro do Supremo. Na verdade, do encontro haviam participado apenas advogados do escritório do criminalista Nélio Machado. Prova disso foram as fotos feitas pelo próprio Protógenes, com seu celular. O advogado Alberto Pavie Ribeiro não participou do jantar e, segundo afirmou, jamais esteve no restaurante citado por Amorim.

Paulo Henrique defendeu-se das acusações e afirmou que as informações erradas já haviam sido publicadas antes pela revista IstoÉ, e que sua intenção foi de apenas relatar fatos. Ele foi defendido pelo advogado José Rubens Machado de Campos.

Ribeiro, que faz parte da equipe de advogados que defende Daniel Dantas, contesta. Segundo ele, o blogueiro foi "muito além do relatório" da Polícia Federal, ao interpretar que o advogado articulava um esquema com o ministro Gilmar Mendes para libertar Dantas. "O relatório não diz que eu estava no jantar, isso é interpretação. Tanto é que a defesa do Paulo Henrique não insistiu nisso no processo."

O motivo de ter sido apontado como mentor da estratégia, de acordo com Ribeiro, pode ter sido o fato de ele estar "na ponta-de-lança" da defesa e aparecer nas peças redigidas em favor do banqueiro. "Era o que mais escrevia." 

Na sua opinião, PHA errou ao não consultá-lo antes de garantir que teria participado do jantar. "É uma etapa mínima do jornalismo", diz. 

No entanto, o juiz substituto na 20ª Vara Cível de Brasília, Fernando Messere, não pensou da mesma forma. “Entendo que o cuidado do jornalista réu foi evidente ao proporcionar às pessoas mencionadas na publicação o conhecimento da fonte da informação utilizada, elemento fundamental ao exercício do direito de interpelação para aclaramento de dúvidas e questões controvertidas”, disse. “A conduta de publicar matéria objeto de Relatório de Inteligência Policial, ainda que agregando certa dramaticidade na exposição dos fatos, não pode ser considerada ilícita.” A decisão foi proferida em 30 de agosto.

Por motivos semelhantes, envolvendo o mesmo Daniel Dantas, Paulo Henrique Amorim responde a um grande número de processos.

[Notícia alterada em 24 de setembro de 2010, às 16h29, para acréscimo de informações.]

Leia a sentença.

Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2009.01.1.003115-8
Vara : 220 – VIGESIMA VARA CIVEL
Processo : 2009.01.1.003115-8
Ação : INDENIZACAO
Requerente : ALBERTO PAVIE RIBEIRO e outros
Requerido : PAULO HENRIQUE AMORIM

Sentença

ALBERTO PAVIE RIBEIRO e GORDILHO, PAVIE e FRAZÃO ADVOGADOS ASSOCIADOS ajuizaram ação de INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL contra PAULO HENRIQUE AMORIM, partes devidamente qualificadas.

Os autores sustentam que o sítio de internet Conversa Afiada, mantido pelo réu, teria publicado, no dia 02/09/2008, matéria na qual inseria "o primeiro autor, advogado Alberto Pavie Ribeiro em um jantar do qual nunca participou", bem como teria afirmado que o autor "seria ‘provavelmente o elo’ de ligação entre o Sr. Daniel Dantas e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, "sugerindo conduta criminosa por parte tanto do magistrado como também do advogado, na qualidade de co-autor dos atos e fatos narrados pelo jornalista". A inicial afirma que a matéria teve seguimento no dia 13/09/2008, e que outras reportagens foram publicadas em 27/09/2008 e em 25/11/2008. Os autores informam que as matérias que imputaram condutas desabonadoras ao autor repercutiram em outros meios de comunicação, como as revistas Consultor Jurídico e Isto é, ocasionando danos morais ao primeiro autor e à segunda autora, sociedade de advogados na qual o primeiro autor milita profissionalmente, pois esta foi igualmente mencionada.

Em conseqüência do alegado, requerem reparação por danos morais e a fixação da condenação no valor de R$ 500.000,00. Juntaram documentos.

O Réu, devidamente citado, ofereceu contestação (fls. 181/206). Inicialmente, afirma que as matérias jornalísticas produzidas pelo réu, e que alegadamente teriam causado danos aos autores, não foram as primeiras ou as únicas acerca dos fatos. Disso seria prova o documento de fl. 209/210, reproduzindo matéria eletrônica da revista isto é, edição de 23/07/2008, que menciona parte dos fatos cuja divulgação o autor imputa com exclusividade ao réu. Acrescenta que o réu, ao publicar a notícia, "visou ao direito geral à informação veraz, sendo nenhum o ânimo detrator", haja vista que "dispensando o constitucional sigilo de fonte (CF, art 5º, inc. XIV), quando hipoteticamente se referiu ao Dr. PAVIE, cumpridamente identificou a origem do noticiado". Sustenta que a autoria da imputação era do conhecimento do primeiro autor, pois este, ao dirigir-se à Revista VEJA, prestou o seguinte esclarecimento: "Esclareço que no dia 11 de junho de 2008 participei de reunião com o colega e amigo Nélio Machado exclusivamente no meu escritório. Não o acompanhei para jantar no Restaurante Original Shundi, onde, aliás, jamais estive. Daí a falsidade da informação do delegado Protógenes, contida em trecho do Relatório de Inteligência Policial, cuja imagem foi reproduzida na página 91. Trata-se de mais um devaneio do referido Delegado de Polícia Federal".

Em conseqüência, o réu suscita as preliminares de ausência de interesse de agir — em razão de não ter havido pedido de correção da matéria jornalística —, de ilegitimidade ativa do segundo réu — por não ter havido conduta imputada à sociedade, e esta não responder por atos desonrosos de seus integrantes — e ilegitimidade passiva do réu. No mérito, sustentou o exercício regular do direito de narrar e criticar fatos. Pugnou pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Réplica às fls. 275/289, com documentos.

Tréplica às fls. 293/302, acompanhada documentos.

Manifestações finais dos autores e dos réus, por meio das quais as partes apresentaram sínteses das teses manejadas e declinaram da oportunidade de produção de prova oral, tendo requerido o julgamento antecipado da lide (fls. 383 e 388).

Os autos vieram conclusos para a prolação de sentença.

É o breve relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.

Trata-se de ação em que os autores requerem indenização de danos morais por atos violadores dos direitos da personalidade natural e jurídica dos autores, estes materializados em textos jornalísticos divulgados pelo réu por meio de sítio de internet.

O juízo é competente, as partes mostram-se capazes, bem como acompanhadas de profissionais devidamente constituídos, o pedido é possível.

Preliminarmente, rechaço as alegações de ausência de interesse de agir, de ilegitimidade ativa do segundo autor e de ilegitimidade passiva do réu. Salvo expressa determinação legal, a ordem jurídica brasileira não exige o esgotamento prévio das instâncias privadas como requisito para o prosseguimento do feito em juízo. A legitimidade ativa mostra-se presente, ao menos em tese, haja vista que pessoas jurídicas podem ser vítimas de danos morais, ao menos em tese, razão pela qual a efetiva ocorrência do dano confunde-se com o mérito. Finalmente, a legitimidade passiva do réu é patente, pois o réu não nega ser o responsável pelo sítio de internet que veiculou os textos considerados gravosos pelos autores.

No mérito, todavia, entendo que tem razão o réu quando sustenta não ter havido conduta ilícita ou capaz de acarretar danos morais aos autores.

Não há controvérsia acerca da responsabilidade do réu pelas publicações ocorridas nos dias e na forma mencionadas na inicial. A controvérsia limita-se à ilicitude e ao potencial danoso dos textos, sobretudo daquele publicado no dia 02/09/2008, no qual os autores foram expressamente mencionados, o primeiro autor como participante de um jantar no Restaurante Original Shundi, e o segundo autor como a sociedade de advogados integrada pelo primeiro.

Não há controvérsia, tampouco, sobre a origem do relato que o primeiro autor afirma ser inverídico. O texto publicado pelo réu imputa ao Delegado Protógenes Queiroz a origem da informação (ou "suspeita"). A mesma origem é identificada pelo primeiro autor quando este se dirige à Revista VEJA para prestar esclarecimentos acerca do fato igualmente narrado naquela publicação alguns meses depois.

No terreno das controvérsias, se é certo que o réu se estende além do expressamente registrado no Relatório de Inteligência Policial, conforme afirmado pelo primeiro autor em réplica (fls. 279/280), é igualmente certo que o primeiro texto publicado torna clara a vinculação entre as afirmações lançadas pelo jornalista e a fonte que as proporcionara: "Esta é a suspeita do ínclito Delegado Protógenes Queiroz"; "O Delegado Queiroz registrou também esse agradecimento". Essa vinculação entre as informações e a fonte que as proporcionara tornou-se fato do pleno conhecimento dos autores (fls. 280).

As demais publicações, conforme indicado pelos autores, podem ser consideradas desdobramentos da primeira e mais contundente produzida em 02/09/2008, e os mesmos argumentos já expendidos amparam a licitude do trabalho jornalístico empreendido pelo réu. No caso, entendo que o cuidado do jornalista réu foi evidente ao proporcionar às pessoas mencionadas na publicação o conhecimento da fonte da informação utilizada, elemento fundamental ao exercício do direito de interpelação para aclaramento de dúvidas e questões controvertidas.

Não identifico, tampouco, violação aos direitos da personalidade da sociedade de advogados autora. Do fato de um dos advogados membros da sociedade ser mencionado em matéria jornalística que relata operação policial não decorre, necessariamente, dano moral para a sociedade autora. Em nenhum momento as matérias em questão vincularam os fatos narrados a algum procedimento seja criminoso seja moralmente condenável praticado no interesse da sociedade. O nome da sociedade apareceu no texto como apareceria a menção à nacionalidade, à cidade de origem, ao local de residência ou a qualquer outro elemento qualificador do primeiro autor.

A imposição de reparação por danos morais exige a prática de conduta ilícita, a ocorrência de dano e a presença do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. No presente caso, a conduta de publicar matéria objeto de Relatório de Inteligência Policial, ainda que agregando certa dramaticidade na exposição dos fatos, não pode ser considerada ilícita, pois o texto constitucional brasileiro assegura a liberdade de imprensa, até mesmo com a manutenção do sigilo da fonte, prerrogativa que o réu declinou de utilizar. Não pode ser considerada, tampouco, causadora de danos morais, pois não se vislumbra violação aos direitos da personalidade dos autores como resultado objetivo da divulgação jornalística de fatos relatados em investigação policial estatal e vastamente divulgada por outros meios de comunicação, meios que asseguraram ao primeiro autor, quando requerido, o direito de resposta e prestação dos esclarecimento que o primeiro autor considerou cabíveis.

Ausente o ato ilícito e ausente o dano, ausente estará o dever de reparar.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, resolvo o mérito com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil e JULGO INTEGRALMENTE IMPROCEDENTE o pedido formulado pelos autores na inicial.

Condeno os autores ao pagamento de custas e honorários de sucumbência, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), atualizados monetariamente pelo INPC a contar desta data e com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Com o trânsito em julgado, intimem-se os sucumbentes por publicação em nome do advogado constituído para pagamento dos valores devidos no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação, sob pena da multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se e intimem-se.

Brasília – DF, terça-feira, 31/08/2010 às 19h12.

Fernando L. de L. Messere
Juiz de Direito Substituto

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