Ficha limpa sujou?

Só os eleitores podem moralizar as eleições

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21 de setembro de 2010, 17h00

Agora com o julgamento dos registros de candidaturas em fase final, pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei Complementar nº 135/10 (Ficha limpa) ganha contornos concretos de aplicação dentro dos princípios que a inspiraram, observados os balizamentos do sistema jurídico que integra.

Uma grande polêmica jurídica começou com a primeira decisão, originária do TRE do Maranhão, envolvendo o registro de candidato de conhecido clã político local. A Justiça Eleitoral, no caso, entendeu pela não aplicação da inelegibilidade sob o fundamento de que não poderia a “Lei da Ficha Limpa” retroagir para aplicação naquele caso.

Foi o bastante para duras críticas ao Judiciário, como antes ocorrido face às decisões liminares do STF, que concedeu efeito suspensivo a recursos para permitir registros de candidaturas chamadas “fichas sujas”.

Para que não se diga que a Justiça emperra as transformações que o povo deseja no cenário político, é necessário compreender a lei e interpretá-la corretamente, pois tão importante quanto a ética eleitoral é a preservação da ordem jurídica que sustenta o Estado Democrático de Direito.

Primeiramente, a Lei da “ ficha limpa” não é uma vassoura mágica que vai varrer da vida pública os maus políticos, que só existem em grande parte porque também há os eleitores despreparados, que não dão ao voto a importância que tem. Há políticos que ostentam ficha imaculada e nem por isso são bons, produtivos, um exemplo para os representados.

Em segundo lugar, pelo efeito transformador que sempre provoca uma lei nova, é necessário delimitar sua vigência para as situações pretéritas, consolidadas sob a égide da Lei anterior. Embora o TSE tenha afirmado que a Lei da Ficha Limpa já se aplica às próximas eleições, bem disse seu presidente que há de ser examinado caso a caso, pois há situações que já se encontram consolidadas e decididas com base na lei anterior, e que não poderiam ser modificadas ante expressa vedação constitucional.

Com efeito, o inciso 36 do artigo 5º da Constituição exclui da incidência da nova lei casos já submetidos ao Judiciário  e cujas decisões tenham transitado em julgado, ou seja, contra as quais não caiba qualquer recurso.

Como exemplo, importa observar que a anterior redação do art.1º da Lei Complementar nº 64, impunha a inelegibilidade por três anos para quem sofresse condenação pela Justiça Eleitoral por abuso do poder econômico ou político. Assim, quem foi condenado por tais práticas ocorridas nas eleições de 2006 ou anteriores, a partir de 2009 já teria cumprido o período de inelegibilidade.

A Lei Complementar 135 de 4/06/10 alterou este dispositivo para aumentar o lapso de inelegibilidade para oito anos, sendo neste aspecto inaplicável para as situações anteriores que constituam “coisa julgada”, conforme o mandamento constitucional referido, de sorte que quem cumpriu sua “pena” não pode ser chamado a cumprir um resíduo adicional decorrente de uma lei nova.

Tal como no exemplo destacado, outras hipóteses exigirão aplicação ponderada da “ lei da ficha limpa”, que em boa hora veio para aperfeiçoar a ordem jurídica e fortalecer as instituições democráticas, não para destruí-las.

Quando o Judiciário aplica a lei com critério e atento aos seus limites e fins, não está afrontando a sociedade, mas dando a ela a segurança que o Estado de Direito representa.

 

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