Ficha limpa

Análise da lei demanda ponderação de valores

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21 de setembro de 2010, 12h44

“O Direito, tal como funciona efetivamente, é essencialmente um problema de decisão: o legislador deve decidir quais são as leis obrigatórias numa comunidade organizada, o juiz deve decidir sobre o que é o direito em cada situação submetida ao seu juízo. Mas nem o legislador, nem o juiz tomam decisões puramente arbitrárias: a exposição dos motivos indica razões por que uma lei foi votada e, num sistema moderno, toda sentença deve ser motivada. O direito positivo tem como correlativo a noção de decisão, senão razoável, pelo menos raciocinada.”[1]

Chaïm Perelman

Introdução

O interesse em escrever sobre o presente tema decorreu de uma conjuntura de fatores. Havia sido recém editada a Lei Complementar 135/10 que ampliava as hipóteses de inelegibilidade e, por via de consequência, a força normativa do referido artigo 14, parágrafo 9º da CR/88. Paralelamente, tinha sido empossado juiz-membro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, o que forçosamente me faria enfrentar tão delicado tema, num período eleitoral, impulsionado por dois milhões de assinaturas populares favoráveis à aplicação do novo diploma legal, de forma ampla, geral e irrestrita, em face daqueles candidatos que tivessem condenação proferida por um órgão colegiado, independentemente do trânsito em julgado.

Naquela oportunidade, iniciei debates em sala de aula, no mestrado da UCAM, o que ainda mais me motivou, face a quase unânime manifestação dos colegas acerca da sua imediata aplicação, o que desaguaria exatamente no honoroso exercício da judicatura que enfrentaria nas semanas seguintes, por força dos milhares de registros de candidaturas que julgaríamos no TRE.

Aumentou, sobremaneira, minha expectativa acadêmica, a resposta do Tribunal Superior Eleitoral à consulta formulada sobre o tema, entendendo aquela Corte que a Lei Complementar era constitucional e deveria ser aplicada retroativamente e, também, em relação às eleições que se avizinhavam em outubro.

Prontamente, fiz um sintético estudo e o publiquei na Revista Justiça e Cidadania, intitulado “A lei da ficha limpa e a presunção de inocência”,[2] o qual serviu de norte para os 754 (setecentos e cinquenta e quatro) acórdãos versando sobre casos de registro de candidatura, sob minha relatoria. Confesso: fiquei vencido no Tribunal Pleno por uma diferença de um voto, mas não convencido.

1. Democracia Representativa e Legitimidade

1.1 A Crise da Democracia

Nas discussões em sala de aula, tenho reafirmado que vivemos um momento histórico quando nos deparamos com a iniciativa popular de propor um projeto de lei que visa preencher uma lacuna existente no ordenamento jurídico, a qual, até a edição da Lei Complementar 135/01, carecia de norma reguladora, tendo em vista o entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal (STF)[3] quanto a ausência de auto-aplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade dispostas no artigo 14 da CR/88.

Mais que histórico. Um momento inesquecível, pois os próprios legisladores votaram e aprovaram o novo dispositivo, cuja aplicação pode servir-lhes como um bumerangue.

Paralelamente a este exemplo que serve aos demais países democráticos, observamos no Brasil uma onda de ativismo judicial que, a contrario sensu, comprova a ocorrência de um déficit democrático. O STF está hoje no centro do nosso sistema político, o que se traduz numa crise da representatividade dos demais poderes constituídos: ele cria regras, interpreta a Constituição, faz papel de legislador, a ponto de se adotar a expressão ímpar de Oscar Vilhena[4] de que vivemos uma “supremocracia”:

“Neste sentido, é sintomático que um dos mais astutos representantes da classe política brasileira, que já exerceu as funções de presidente da República e presidente do Senado, sobrevivendo a todas as mudanças de nosso sistema político nos últimos cinquenta anos, tenha afirmado recentemente que ‘nenhuma instituição é mais importante e necessária ao Brasil do que o STF’, em que uma espécie de substabelecimento, por insuficiência, dos poderes inerentes ao sistema político brasileiro para o Supremo Tribunal Federal. No mesmo sentido, é emblemática a resposta do presidente Lula, que, quando indagado sobre a lei de anistia, teria dito: ‘este é um problema da Justiça.’”[5]

Será que a nova lei das inelegibilidades, parafraseando o presidente Lula, é um problema da Justiça? Temos de um lado, o Congresso Nacional que lavou as suas mãos, aprovando a lei; do outro, a opinião pública, impulsionada pelos holofotes da mídia, colocando em xeque os alicerces que sustentam a ordem política.

Quem melhor resume a crise do modelo democrático que ora enfrentamos é Jacques Chevallier, segundo o qual, a conjugação destes dois fatores acarreta num abalo global da ordem social que será verificado na hipótese de não vir a ser domada esta forte turbulência política gerada. Vejamos a precisa constatação de Jacques Chevallier[6]:

“A idéia de crise no modelo democrático é alimentada por suas constatações essenciais: por um lado, o fato de que todos os países liberais conheceram, no decorrer da última década, fortes turbulências políticas que apresentam um conjunto de similitudes; por outro lado, o fato de que essas turbulências, qualitativamente diferentes dos movimentos que agitam periodicamente o terreno político, atingiram os alicerces da ordem política, tendo relação com um abalo mais global da ordem social.”

Mais uma vez, caberá ao Poder Judiciário lidar de forma equilibrada com a pressão social e também política. Paulo Roberto Soares Mendonça destaca nas conclusões do seu livro “A tópica e o Supremo Tribunal Federal” que a administração da Justiça sofre com as pressões dos inúmeros grupos de interesses, sejam corporativos, econômicos e a própria mídia, o que se traduz numa realidade dos Estados democráticos:

“Seria ingenuidade achar, então, que a clássica independência do Poder Judiciário seria capaz de torná-lo absolutamente imune a este tipo de influência, que, longe de ser uma distorção do sistema, é algo que faz parte da atual realidade dos estados democráticos e que não pode ser ignorado pelos juristas.”[7]

Esta realidade democrática das pressões externas reforça, no Brasil, o papel ativista do Poder Judiciário e agrava o déficit democrático, pois, conforme constatado por Diogo de Figueiredo[8], hodiernamente já não basta aos governados apenas se sentirem representados formalmente por meio do processo eleitoral, exige-se um espaço político destinado ao cidadão garantindo-se da mesma forma

[…] o uso dos consectários instrumentos de controle para avaliar a eficiência legitimatória da ação política, desfazer atos ilegitimados e, até mesmo, desconstituir o mandado dos que agiram ilegitimamente […]

Na busca do bem jurídico tutelado que é a legitimidade enquanto adequação da manifestação política formal à vontade geral, destaca-se, sobremaneira, o papel da Justiça Eleitoral como “instrumento”, não somente do controle da legalidade, mas de verificação da preservação da “vontade geral”, que nada mais é do que uma síntese da democracia material. Para Diogo de Figueiredo[9], legitimidade se mostra

“[…] como um valor que se agrega à legalidade, pois se esta é a adequação da lei à vontade política formalmente manifestada, a legitimidade é a adequação da manifestação política formal à vontade geral, tal como entendem grandes pensadores sociais contemporâneos do porte de Carl Schmitt, Niklas Luhmann e Jürgen Habermas.”


Quid iuris: deve o Poder Judiciário privilegiar a vontade geral, valor legítimo num estado democrático de direito ou, na ponderação de interesses, dar maior prevalência à legalidade como vontade política, também legitimada nas pessoas dos legisladores constituintes originários eleitos pelo povo que erigiram o princípio da inocência como uma clausula pétrea constitucional insuperável?

2. Disciplina Normativa das Inelegibilidades

Para não cansar os leitores, resolvi deslocar o histórico legislativo normativo das inelegibilidades para um apêndice a presente monografia, objetivando dar subsídios àqueles que pretendam se aprofundar no emaranhado de edições e revogações das hipóteses de inelegibilidades, códigos eleitorais e criação da Justiça Eleitoral especializada.

Parti da época do Brasil – Colônia, onde se pode apontar as chamadas Ordenações do Reino[10] – editadas em Portugal desde a Idade Média até os idos de 1828. Adentrei na era Imperial onde se identifica a primeira lei eleitoral legitimamente brasileira[11], chegando à Proclamação da Independência, onde o Brasil passou a efetivamente dispor de forma autônoma sobre as normas de natureza eleitoral, seguindo-se a análise das sucessivas constituições[12], códigos etc. desaguando no novo diploma legal, objeto deste estudo, cunhado de ficha limpa.

Sob o ponto de vista acadêmico, já tive oportunidade de sustentar em artigo de minha autoria denominado de “O limite das reformas constitucionais em matéria tributária” que a chamada correção legislativa da jurisprudência não é exclusividade de emendas constitucionais, mas, também, pode se dar, por lei complementar (in casu, LC 135) e ordinária.[13]

W. N. Eskridge Jr., no completo estudo sobre o tema, “Overriding Supreme Court Statutory Interpretation Decisions”, de leitura obrigatória, esclarece que a correção ocorre quando o Congresso reage e modifica conscientemente uma interpretação judicial.[14]

Prima facie, pode parecer que a atividade do Congresso acarreta no controle ativo de um Poder do Estado sobre o outro.[15] Para Canotilho, trata-se de combinação de Poderes.[16] Para A. Hamilton, J. Jay e J. Madison, autores de O Federalista, um verdadeiro sistema de pesos e contrapesos. [17]

No caso sob análise, o novo diploma legal foi editado em contraste à jurisprudência do STF, então dominante, passando a estabelecer os critérios de inelegibilidade, por período de 8 (oito) anos, para o cidadão que pretende candidatar-se a um mandato parlamentar, nos seguintes termos:

– Passa para oito anos para todos os casos previstos, desde que a decisão judicial tenha transitado em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado;

– Os que praticaram crimes dolosos contra a economia popular, administração pública, patrimônio privado, meio ambiente, eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público – e forem condenados à prisão), abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à proibição para o exercício da função pública;

– Praticarem crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; tráfico de entorpecentes e drogas afins; racismo, tortura, terrorismo, crimes hediondos, prática de trabalho escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e delitos praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

– Tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidades tipificadas como improbidade administrativa; detentores de cargo na administração pública direta, autárquica ou fundacional que praticarem abuso de poder econômico ou político e se beneficiarem com tal prática ou a terceiros (a inelegibilidade é para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos oito anos seguintes);

– O Presidente da República, Governadores, Prefeitos e Parlamentares que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento da representação ou petição para a abertura de processo por infringência a dispositivo das Constituições Federal e Estadual e as leis orgânicas de estados, municípios e Distrito Federal para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subseqüentes ao término da legislatura;

– Condenados por ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito (artigo 9º, da Lei nº. 8.429/92) e lesão ao patrimônio público (artigo 10, da Lei nº. 8.429/92); condenados pelo fato de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade; os profissionais que tenham sido excluídos do exercício de suas profissões por decisão administrativa de seus órgãos de classe, em decorrência de infração ética e profissional; demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial; pessoas e dirigentes de empresas responsáveis por doações eleitorais ilegais;

– Magistrados e membros do Ministério Público aposentados compulsoriamente ou que tenham perdido o cargo devido à exoneração após o julgamento do processo administrativo disciplinar.

Isto significa dizer que houve uma mitigação progressiva do princípio da inocência na medida em que surgiam novos graus de jurisdição.

3. O STF e a inelegibilidade

A recente Lei Complementar 135/10 tem como pano de fundo os casos de inelegibilidade a que alude o parágrafo 9º, do artigo 14, da Constituição da República de 1988. Objetiva-se proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

Editada com amplo respaldo da opinião pública, até porque resulta de projeto de lei de iniciativa popular com mais de dois milhões de assinaturas e maciço apoio dos meios de comunicação, a LC nº. 135/10 traduziu-se num exemplo inimaginável na história política brasileira e digna de todos os aplausos. Uma verdadeira mudança de paradigma, onde o Congresso Nacional, às vésperas de uma eleição, “corta a própria carne”.

Trata-se de valoroso esforço daqueles que buscam a ética na política, a transparência e a melhora da qualidade da representação do poder popular em todas as esferas governamentais e legislativas. A grande novidade introduzida pela LC 135/10, sem dúvida, é a inelegibilidade daqueles que tenham contra si determinadas condenações, não apenas na seara criminal, mas em várias outras, desde que proferidas por órgão judicial colegiado e independentemente de trânsito em julgado.

A ideia central dessa diretriz consiste no fato de que, diante de uma decisão qualificada, emanada de um coletivo de juízes, já não se poderia invocar, na plenitude, a presunção de inocência[18]. Eis o ponto controvertido que desaguará imediatamente nos tribunais pátrios, por força do início do julgamento de milhares de impugnações aos registros de candidaturas de “Fichas-Sujas”.

Registre-se que as consultas formuladas ao TSE versando sobre a imediata aplicação do novo diploma às eleições de 2010, a incidência retroativa em face daqueles candidatos condenados por um colegiado antes da edição da lei etc. ainda não foram disponibilizadas, sendo certo que nenhum operador do direito teve acesso aos votos, por força, inclusive, do (lamentável) recesso vigente naquele tribunal superior durante o mês de julho.

Por ora, o que se tem são 8 (oito) medidas liminares, algumas deferidas, todavia focadas em questões processuais, peculiares dos respectivos casos concretos:

 

Tabela - Liminares deferidas pelos ministros do STF


 

Pois bem. Para o STF, o princípio da presunção de inocência é uma cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4º, IV c/c artigo 5º, parágrafo 2º, da CR/88), como salientou o ministro Celso de Mello, em magistral voto condutor proferido há cerca de dois anos por ocasião do julgamento da ADPF 144-7/DF, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil – diga-se, entidade que com muita honra sou membro, e presidida pelo corajoso Mozart Valladares, o primeiro a levantar a bandeira de afastar-se a exigência do trânsito em julgado para fins de inelegibilidade.

Com efeito, restou assente no voto condutor que esse princípio funciona como uma garantia de que ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, com projeção para as demais esferas do direito que não as penais stricto sensu: “não existe qualquer possibilidade do Poder Público, sem prévia decisão condenatória irrecorrível, resultar a suspensão temporária da cidadania, em especial o direito de ser votado.

A exigência da coisa julgada é de grande importância para a preservação da segurança jurídica, mormente quando o próprio STF reconheceu no citado precedente que um terço das condenações colegiadas é, por ele, invertido em absolvições. Exemplos notórios não faltam: o impeachment do Collor e a posterior absolvição pelo STF[19]; o caso Alceni Guerra que depois de 12 anos processado e condenado foi, ao final, absolvido[20].

O respeito a este direito fundamental não transgride a exigência de probidade administrativa e moralidade para o exercício do mandato eletivo. Bobbio[21] assevera que quando dois princípios são igualmente aplicáveis ou conflitantes ocorre uma antinomia de valores, que in casu é meramente aparente, posto que sanável mediante ponderação.

No caso sub análise, a Suprema Corte, ponderando, optou por privilegiar a segurança jurídica que é inegavelmente valor constitucional a ser preservado, dando preponderância ao princípio da presunção de inocência face a potencialidade que tal norma possui[22].

A divergência (vencida), foi exposta no voto do eminente ministro Joaquim Barbosa, na ADPF 144-7/DF, nos seguintes termos:

[…] não obstante essas minhas observações, devo assinalar que ao aderir ao voto proferido pelo ministro Carlos Britto no TSE, ponderei que, em homenagem ao princípio da segurança jurídica e para evitar situações de abuso no indeferimento indiscriminado e descriterioso de candidaturas, que se adotasse o entendimento de que a condenação criminal em primeira instância, confirmada pelo órgão jurisdicional de segundo grau, já seria o suficiente para se barrar a candidatura de pessoas cuja vida pregressa não as recomenda ao exercício de mandatos eletivos”. “Voto, portanto, pedindo vênia ao eminente relator, pela procedência parcial da ADPF, reconhecendo a eficácia plena do parágrafo 9º, do artigo 14, da Constituição, com os adendos que lhe foram trazidos pela EC 4/94, entendendo que, para esse efeito, a sentença criminal condenatória, confirmada em segunda instância, constitui critério bastante para a aferição da probidade e da moralidade, para fins de preenchimento dos requisitos de elegibilidade.

Todavia, restou consagrado no STF entendimento diverso. O ministro Celso de Mello proferiu o voto-condutor asseverando que

[…] não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos, que preconizam o primado da idéia de que todos são culpados até prova em contrário, a presunção de inocência, legitimada pela idéia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, o contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”; que “a repulsa à presunção de inocência, com todas as conseqüências e limitações jurídicas ao poder estatal que dela emanam, mergulha suas raízes em uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos, restrições não autorizadas pelo sistema constitucional”; e, que havia impossibilidade jurídica para o acolhimento da pretensão, “porque desautorizada, não só pelo postulado da reserva constitucional de lei complementar (CF, artigo 14, parágrafo 9º, c/c o artigo 2º), mas, também, por cláusulas instituídas pela própria Constituição da República e que consagram, em favor da pessoa, o direito fundamental à presunção de inocência (CF, artigo 5º, LVII).

No mesmo sentido o ministro Marco Aurélio, para quem “há um compromisso muito sério do STF com parâmetros, com princípios, com a arte de afastar o justiçamento”. Idem Eros Grau afirmando que, ao ser impedido de ser eleito o candidato tem uma decisão condenatória sem o trânsito em julgado, “prevalecerá então a delação, como ocorreu por longo tempo na velha Roma”.

Em arremate, o ministro Gilmar Mendes questiona se a divulgação de lista de “Fichas-Sujas”, mormente pela AMB, é coerente com a própria democracia:

[…] por fim, que a divulgação de listas de candidatos com “ficha suja” por entidades associativas de magistrados nada acrescenta à democracia. Ao contrário, por serem provindas de associação de autoridades judiciárias, essas listas são recebidas pela sociedade com uma aura de veracidade e de legitimidade que as confundem com os próprios atos jurisdicionais, o que torna verdadeiros documentos cuja finalidade outra não é senão a condenação antecipada de pessoas. Uma lista que, a princípio, divulga nomes de indivíduos investigados, denunciados ou acusados penalmente, transforma-se, quando emanada desse tipo de ente associativo, em listas de condenados na visão do cidadão comum. Sem contar os casos notórios, amplamente divulgados pela imprensa, de abuso na divulgação de nomes de pessoas já absolvidas, mas ainda sem o trânsito em julgado por falta de publicação da sentença ou do acórdão. Isso não se compadece com o valor da presunção de não-culpabilidade e, portanto, não se compadece com a democracia.

Segundo o STF, o princípio da presunção de inocência serve como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou que restrinjam, seja no domínio civil, seja no âmbito político, a esfera jurídica das pessoas em geral.

Poder-se-ia argumentar que à época do julgamento da referida ADPF inexistia lei própria dispondo acerca da decretação de inelegibilidade antes do trânsito em julgado, todavia tal argumento não resiste a uma análise constitucional.

No leading case julgado pelo STF sobre a constitucionalidade do IPMF, ficou assentado que todos os demais princípios constitucionais[23] dispostos fora do artigo 5º, da CR/88, que trata dos direitos e garantias individuais, não podem ser abolidos nem por emenda constitucional superveniente, o que implica afirmar que toda e qualquer modificação à Carta Magna que pretendesse afastar ou, até mesmo, mitigar progressivamente – à medida em que se sucedem os graus de jurisdição – a presunção de inocência, deveria ser considerada inconstitucional por ofensa a uma cláusula pétrea.

Logo, se a emenda constitucional poderia ser, em tese, inconstitucional, o que o STF dirá em relação a uma lei complementar?

Impõe-se considerar que seria um grande equívoco remediar a falta de ética na política com a supressão de garantias fundamentais, o que conduz à conclusão, parafraseando o ministro Dias Toffoli na recentíssima liminar por ele concedida que “a matéria exige reflexão, porquanto a Lei da Ficha Limpa apresenta elementos jurídicos passíveis de questionamentos absolutamente relevantes no plano hierárquico e axiológico”[24].


4. Jurisdição Eleitoral e Realidade Social

O Poder Judiciário, com competência Eleitoral, terá que dirimir a controvérsia. Inúmeros outros precedentes, anteriores e posteriores à ADPF 144-7/DF, estão a corroborar com a aplicação firme da garantia do efeito irradiante da presunção de inocência para todo o ordenamento jurídico, independentemente da natureza ser criminal, civil ou eleitoral.

Sobre o tema, Paulo Roberto Soares de Mendonça assevera que o Supremo Tribunal Federal tem uma tendência a ser coerente com a jurisprudência formada, até mesmo por força da preservação da sua credibilidade, o que a meu ver representa uma observância ao princípio da segurança jurídica:

A preservação do papel institucional do Supremo Tribunal Federal, no contexto do Estado brasileiro, com base na afirmação da coerência das suas decisões, foi uma preocupação observada em diversos votos dos ministros do Tribunal. A questão dos precedentes de jurisprudência tem grande força também nos sistemas de direito codificado, mais por um imperativo de credibilidade política do órgão encarregado de aplicar o direito do que propriamente por uma imposição de ordem metodológica.[25]

Abro parênteses para uma reflexão. Se por um lado concordo, na teoria, com o ilustre professor e doutrinador que a motivação da futura decisão judicial final do STF sobre a Lei da Ficha Limpa requererá a aprovação, não só da comunidade jurídica, mas, também, da opinião pública em geral, “sob o risco de representar um ato completamente divorciado da realidade fática e carente de legitimidade”[26], por outro lado, não perco de vista que é o Poder Judiciário, através da atividade judicante de seus membros, o garantidor dos direitos dos cidadãos contra os abusos dos poderes constituídos, incluindo-se aí os princípios e garantias fundamentais.[27]

Segundo Carlos Maximiliano[28],

[…] uma decisão isolada não constitui jurisprudência; é mister que se repita, e sem variações de fundo. O precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante. Quando esta satisfaz os dois requisitos granjeia sólido prestígio, impõe-se como revelação presuntiva do sentir geral, da consciência jurídica de um povo em determinada época; deve ser observada enquanto não surgem razões muito fortes em contrário: minime sunte mutanda quae interpretationem certam semper habuerunt – “altera-se o menos possível o que teve constantemente determinada interpretação” .

Vejamos o histórico jurisprudencial que infirma a observação de Maximiliano para se buscar alterar o menos possível a interpretação dominante das inelegibilidades no direito brasileiro.

Na ditadura, foi promulgada a Lei Complementar 42/82, que também ofendia a presunção de inocência na hipótese de condenação por juízo monocrático de crime que contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio.

Submetida a quaestio ao STF (RE 99.069, Rel. Min. Oscar Dias Corrêa), foi firmado entendimento que a perda da capacidade eleitoral passiva dependeria do trânsito em julgado da condenação, afastando-se os efeitos decorrentes de sentença, verbis:

“[…] Data venia do r. despacho, acolho a alegação do Recorrente e conheço o Recurso.

Não há como querer distinguir entre efeitos da sentença condenatória para fins comuns e para fins especiais, como seriam os da lei de inelegibilidade. Tal distinção – que não se encontra em nenhum texto e não nos cabe criar – não tem razão de ser, tanto mais excepcionada contra o Réu, para agravar-lhe a situação.

Na verdade, quando a lei – qualquer que seja – se refere a condenação, há que entender-se condenação definitiva, transitada em julgado, insuscetível de recurso que a possa desfazer.

Nem se alegue – como fez o r. despacho – que ‘essa interpretação era a que se coadunava com a moralidade do que o artigo 151, IV, da Constituição visa preservar’, há que se preservar a moralidade sem que, sob pretexto de defendê-la e resguardá-la, se firam os direitos do cidadão à ampla defesa, à prestação jurisdicional até a decisão definitiva, que o julgue, e condene, ou absolva.

Não preserva a moralidade interpretação que considera condenado quem não o foi, em decisão final irrecorrível. Pelo contrário, a ela se opõe, porque põe em risco a reputação de alguém, que se não pode dizer sujeito a punição, pela prática de qualquer ilícito, senão depois de devida, regular e legalmente condenado, por sentença de que não possa, legalmente recorrer.”

Não resta dúvida que com a instauração, em nosso país de um Estado Democrático de Direito, assim consagrado pela atual Constituição, fortificou-se o círculo de proteção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente se são ou não futuros candidatos a um cargo político. Todos os blocos normativos concernentes aos direitos individuais, coletivos, sociais, políticos e etc., estabelecidos na Constituição Federal, submete o poder, em todas as esferas, ao direito, a fim de que não se projete no texto normativo infraconstitucional, o arbítrio[29]

Nesse contexto, vale trazer à colação a assertiva de Hans-Georg Gadamer quando expõe que:

“[…] O que vale para as perspectivas implícitas num uso lingüístico, as tendências significativas que as palavras carregam, vale ainda mais para as nossas antecipações relativas ao conteúdo de um texto; antecipações que determinam positivamente a pré-compreensão que dele temos.[30]

Realizando uma conjugação entre o “projetar-se” sob a ótica haideggeliana e a verificação da existência das antecipações do próprio intérprete, Gadamer sustenta, ainda, que a consciência histórica não é um projeto livre, vez que deve estar sempre atenta aos seus preconceitos seculares.

Secularmente falando, foi com o novo ideal de Justiça introduzido pela Constituição Francesa de 1791 que surgiu o marco dos direitos e garantias até então inexistentes[31]. Mauro Mattos adverte que: “uma das mais importantes garantias foi estabelecida pela presunção de inocência que se tornou um princípio fundamental para os cidadãos, visto que colocou ponto final no processo penal inquisitivo do Antigo Regime, que então passou a ser acusatório”.[32]

O preconceito é entendido como componente obrigatório da estrutura de antecipação, manifestando-se como verdadeira condição para a compreensão de qualquer objeto, contudo, esclarece Gadamer sobre

“[…] o ponto onde deverá engatar criticamente a tentativa de uma hermenêutica histórica. A superação de todo preconceito cuja revisão liberará primeiramente o caminho para uma compreensão adequada da finitude que domina não apenas o nosso ser-homens, mas também nossa consciência histórica[33].

Historicamente o Tribunal Superior Eleitoral também não discrepava:

“[…] Não há que se falar em inelegibilidade de candidato eleito com base na sua vida pregressa sem que haja trânsito em julgado de decisão judicial condenatória, sob pena de afronta aos princípios constitucionais.

(RCED – Recurso Contra Expedição de Diploma nº. 702/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 18.06.2009)

[…] O Supremo Tribunal Federal decidiu, na ADPF no. 144/DF, que a pretensão de impedir a candidatura daqueles que ainda respondem a processo – sem trânsito em julgado da decisão – viola o princípio constitucional da presunção de inocência.


(REspe – Recurso Especial Eleitoral nº 33685/PR, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. em 03.11.2008)

[…] Conforme decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, não há como se indeferir pedido de registro, com base em inelegibilidade do artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal, em face da mera existência de ação penal, de improbidade administrativa ou de ação civil pública em curso, sem o respectivo trânsito em julgado.

(AgR-REspe – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral no. 31099/SP, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. em 21.10.2008)”

Nessa linha de pensar, a interpretação deve ser inaugurada por uma espécie de reflexão sobre o conjunto de idéias concebidas previamente que decorrem da “situação hermenêutica” em que o texto se encontra.

Podemos perceber que inobstante a imperiosidade de manter-se afastado da subjetividade do outro, bem como da necessidade de considerar a evolução da interpretação conferida ao objeto a ser compreendido, há de certa forma uma antecipação do próprio intérprete sobre o texto, oriunda justamente do que temos em comum com a tradição, com a qual nos relacionamos, e que irá orientar sua compreensão.

No que se refere ao lapso temporal entre o passado e presente, tal distância não se apresenta como uma espécie de precipício que o intérprete deva transpor na tentativa de recuperar o sentido do texto no passado. Ademais, o solo em que o presente cria suas raízes é muito mais fértil no campo dos direitos e garantias fundamentais.

Sobre este tema, já tive oportunidade de manifestar-me em sede doutrinária[34] asseverando que a nossa Carta Constitucional consagra direitos e garantias irreversíveis e inesgotáveis[35], o que dá um norte para a ponderação.

A análise dos postulados normativos aplicados passa, forçosamente, pela verificação da existência de inúmeros precedentes que conferem maior peso ao princípio da inocência, o que possibilita ao intérprete e, in casu, ao juiz, concluir que enquanto não houver uma posição final no âmbito da jurisdição constitucional, é plausível reconhecer-se a inconstitucionalidade (incidenter tantum) em razão das especificidades de determinado caso concreto.

Agregue-se ao problema a perversa realidade social brasileira que torna, com todo o respeito, estrábica a visão do povo brasileiro sob o ponto de vista democrático.

A população brasileira está dividida entre 25% de analfabetos, 35% de analfabetos funcionais e 40% de alfabetizados, dos quais cerca de 8% possui curso de nível superior[36]. Tanto o ensino básico como o ensino médio e, sobretudo agora, o de nível superior são considerados insuficientes, ocasionando ao cidadão não vislumbrar, muitas das vezes, os efeitos e as consequências da Lei. Resta-lhe um ilusório conforto, na idéia de que está, por um lado, sendo resguardado, quando, na verdade, por outro lado, está sendo afrontado nos seus direitos e garantias fundamentais individuais, previstas na Constituição. Cabe ao operador do Direito, ao jurista e, sobretudo, ao advogado identificar, através de técnicas apropriadas, e apontar o conflito e as impropriedades.

5. Conclusões

O juiz é um ser histórico, com convicções intelectuais e filosóficas próprias e integrante do círculo hermenêutico como sujeito, como intérprete e, portanto, sob a ótica gadameriana, dotado de uma pré-compreensão que, igualmente, constituir-se-á como peça chave para o resultado do processo de interpretação formulado.

Nesta esteira, o juiz, quando diante da resolução de um caso concreto, analisa os aspectos históricos imanentes à prática jurídica em situações similares, bem como as regras e princípios que tangenciam a matéria para ao final deste processo interpretativo e assim ultima por externar a decisão mais adequada, processo este sempre trespassado por sua pré-compreensão.

Esta revisitação do precedente, ao mesmo tempo em que fortalece o sistema, também o areja, considerando a circunstância de que seja para divergir ou convergir, o juiz, através da argumentação – fundamentação – deverá declinar as razões que fomentaram a sua decisão, ou seja, quais foram os fatores que integraram o processo hermenêutico percorrido.

Assim, na hipótese de divergência, o intérprete deverá efetivamente demonstrar a coerência de seus argumentos, declinar as razões que o levaram a acreditar quanto à necessidade de se trilhar uma nova direção no trato da matéria e porque os fundamentos que sustentam os precedentes não mais merecem prosperar.

De outro lado, o processo não resta esvaziado quando o juiz entender por convergir com as posições judiciais anteriores, vez que persistindo a imperativa apresentação de justificativa para a adoção desta linha de conduta, acaba por validar as decisões anteriores.

Esta linha de continuidade – re-produtiva no sentido da criação – considerando a consciência histórica e a responsabilidade do juiz no seu papel de autor de um capítulo da obra que traduz o tratamento da matéria que envolve o caso concreto, em sua essência, legitima a decisão proferida, legitimidade esta que – resultante de um processo de investigação e compreensão da origem e valor do precedente – garante a segurança jurídica, princípio basilar do estado democrático de direito.

Nesse contexto, à luz das circunstâncias concretas do caso sub-análise, ponderando como intérprete entre as escolhas possíveis, dou preferência àquela cujo resultado me afigura mais justo e, adstrito aos limites impostos pela ordem jurídica, concluo pela aplicação da posição majoritária do STF, dando maior peso ao princípio da inocência, que tem por corolário a segurança jurídica, inegavelmente valor constitucional a ser preservado, de modo a somente admitir qualquer imposição de restrição civil, criminal ou eleitoral quando se esgotem todos os tipos de recursos admitidos pela lei.

Referências Bibliográficas

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APÊNDICE – HISTÓRICO LEGISLATIVO DAS INELEGIBILIDADES

Na época do Brasil-Colônia, no campo da disciplina normativa eleitoral pode-se apontar as chamadas Ordenações do Reino – editadas em Portugal desde a Idade Média até os idos de 1828 – como o primeira sistematização de regras eleitorais, porquanto foi com base em tais regramentos que D. João VI convocou as primeiras eleições gerais no Brasil, com vista a eleger representantes que viriam a atuar junto às Cortes Lusitanas.

Na era Imperial é que se identifica a primeira lei eleitoral legitimamente brasileira, esta foi promulgada em 1822 por D. Pedro I e tinha como escopo traçar as orientações para fins de realização da Assembléia Constituinte, com representantes das províncias brasileiras, e que viria a estruturar a Constituição de 1824.

Fato é que com a Proclamação da Independência, o Brasil passou a efetivamente dispor de forma autônoma sobre as normas de natureza eleitoral, sendo certo que a referida Constituição de 1824, em seus artigos 90 e 97, dispôs sobre as eleições indiretas para Deputados e Senadores para a Assembléia Geral e Conselhos Gerais das Províncias, identificou quem dispunha do direito de voto nas assembléias paroquiais, bem como quem poderia ser considerado elegível.

Com a República, a legislação eleitoral – inspirada no sistema norte-americano – sofreu significativo avanço, valendo registrar o Decreto nº. 200-A e o Regulamento Alvim, ambos de 1890 que, respectivamente, trouxeram a “qualificação do eleitor” e o regulamento para a eleição dos constituintes, agora para a elaboração da Carta de 1891.

Pois bem, com a Constituição de 1891 foram previstas eleições por sufrágio direto e maioria absoluta de votos para Presidente e vice-presidente da República, bem como as hipóteses de inelegibilidade, entre as quais a vedação à eleição dos não inalistáveis (analfabetos, mendigos, religiosos e praças)[37].

Apenas em 1932 foi editado o nosso primeiro Código Eleitoral (Decreto nº. 21.076 de 24/03/32) que dispôs sobre a estrutura da Justiça Eleitoral, trouxe as regras para o alistamento e para o desenvolvimento das eleições, assim como previu a possibilidade das mulheres votarem, a representação proporcional, o voto secreto em cabina indevassável, eleição direta em dois turnos, bem como o sufrágio universal e direto.

A Justiça Eleitoral foi concebida como Órgão do Poder Judiciário apenas com a Constituição de 1934, Carta Política que, no campo das inelegibilidades assim disciplinou o assunto:

Artigo 52 – […]

parágrafo 6º – São inelegíveis para o cargo de Presidente da República:

a) os parentes até 3º grau, inclusive os afins do Presidente que esteja em exercício, ou não o haja deixado pelo menos um ano antes da eleição;

b) as autoridades enumeradas no artigo 112, nº 1, letra a , durante o prazo nele previsto, e ainda que licenciadas um ano antes da eleição, e as enumeradas na letra b do mesmo artigo;

c) os substitutos eventuais do Presidente da República que tenham exercido o cargo, por qualquer tempo, dentro de seis meses imediatamente anteriores à eleição.

[…]

Artigo 112 – São inelegíveis:

1) em todo o território da União:

a) o Presidente da República, os Governadores, os Interventores nomeados nos casos do artigo 12, o Prefeito do Distrito Federal, os Governadores dos Territórios e os Ministros de Estado, até um ano depois de cessadas definitivamente as respectivas funções;

b) os Chefes do Ministério Público, os membros do Poder Judiciário, inclusive os das Justiças Eleitoral e Militar, os Ministros do Tribunal de Contas, e os Chefes e Subchefes do Estado Maior do Exército e da Armada;

c) os parentes, até o terceiro grau, inclusive os afins, do Presidente da República, até um ano depois de haver este definitivamente deixado o cargo, salvo, para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, se já tiverem exercido o mandato anteriormente ou forem eleitos simultaneamente com o Presidente;

d) os que não estiverem alistados eleitores;

2) nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios:

a) os Secretários de Estado e os Chefes de Polícia, até um ano após a cessação definitiva das respectivas funções;

b) os Comandantes de forças do Exército, da Armada ou das Polícias ali existentes;

c) os parentes, até o terceiro grau, inclusive os afins, dos Governadores e Interventores dos Estados, do Prefeito do Distrito Federal e dos Governadores dos Territórios até um ano após definitiva cessação das respectivas funções, salvo quanto à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e às Assembléias Legislativas, à exceção da letra e do nº1;

3) nos Municípios:

a) os Prefeitos;

b) as autoridades policiais;

c) os funcionários do fisco;

d) os parentes, até terceiro grau, inclusive os afins, dos Prefeitos, até um ano após definitiva cessação das respectivas funções, salvo relativamente às Câmaras Municipais, às Assembléias Legislativas e à Câmara Deputados e ao Senado Federal, à exceção da letra c do nº 1.

Parágrafo único – Os dispositivos deste artigo se aplicam por igual aos titulares efetivos e interinos dos cargos designados.

Nosso segundo Código Eleitoral (Lei nº. 48, de 04.05.35), dispôs sobre os partidos políticos e sobre as Juntas Especiais para apuração das eleições municipais e quanto às inelegibilidades basicamente manteve o texto pretérito[38].

A Constituição de 1937 (Constituição do Estado Novo), curiosamente, extinguiu a Justiça Eleitoral, que foi recriada por meio do Decreto-Lei n. 7586/45 como órgão autônomo do Poder Judiciário. Fato é que a Carta de 1937 dispôs basicamente acerca dos direitos políticos, das inelegibilidades e sobre a qualificação dos eleitores. Sobre as inelegibilidades, as regras constitucionais principais eram as seguintes:

Art 117 – São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei.

Parágrafo único – Não podem alistar-se eleitores:

a) os analfabetos;

b) os militares em serviço ativo;

c) os mendigos;

d) os que estiverem privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

[…]

Artigo 121 – São inelegíveis os inalistáveis, salvo os oficiais em serviço ativo das forças armadas, os quais, embora inalistáveis, são elegíveis.

Com a Constituição de 1946 a Justiça Eleitoral permaneceu hígida e tal Texto Fundamental dispôs sobre a competência dos órgãos integrantes da Justiça Eleitoral, bem como traçou as normas relativas aos direitos políticos, ao alistamento e às inelegibilidades que foram assim disciplinadas:

Artigo 132 – Não podem alistar-se eleitores:

I – os analfabetos;

II – os que não saibam exprimir-se na língua nacional;

III – os que estejam privados, temporária ou definitivamente, dos direitos políticos.

Parágrafo único – Também não podem alistar-se eleitores as praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior.

[…]

Artigo 138 – São inelegíveis os inalistáveis e os mencionados no parágrafo único do artigo 132.


Artigo 139 – São também inelegíveis:

I – para Presidente e Vice-Presidente da República:

a) o Presidente que tenha exercido o cargo, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior, e bem assim o Vice-Presidente que lhe tenha sucedido ou quem, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído;

b) até seis meses depois de afastados definitivamente das funções, os Governadores, os interventores federais, nomeados de acordo com o artigo 12, os Ministros de Estado e o Prefeito do Distrito Federal;

e) até três meses depois de cessadas definitivamente as funções, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, os Chefes de Estado-Maior, os Juízes, o Procurador-Geral e os Procuradores Regionais da Justiça Eleitoral, os Secretários de Estado e os Chefes de Polícia;

II – para Governador:

a) em cada Estado, o Governador que haja exercido o cargo por qualquer tempo no período imediatamente anterior ou quem lhe haja sucedido, ou, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o tenha substituído; e o interventor federal, nomeado na forma do artigo 12, que tenha exercido as funções, por qualquer tempo, no período governamental imediatamente anterior;

b) até um ano depois de afastados definitivamente das funções, o Presidente, o Vice-Presidente da República e os substitutos que hajam assumido a Presidência;

c) em cada Estado, até três meses depois de cessadas definitivamente as funções, os Secretários de Estado, os Comandantes das Regiões Militares, os Chefes e os Comandantes de Polícia, os Magistrados federais e estaduais e o Chefe do Ministério Público;

d) até três meses depois de cessadas definitivamente as funções, os que forem inelegíveis para Presidente da República, salvo os mencionados nas letras a e b deste número;

III – para Prefeito, o que houver exercido o cargo por qualquer tempo, no período imediatamente anterior, e bem assim o que lhe tenha sucedido, ou, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído; e, igualmente, pelo mesmo prazo, as autoridades policiais com jurisdição no Município;

IV – para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, as autoridades mencionadas em os nº s I e II, nas mesmas condições em ambos estabelecidas, se em exercício nos três meses anteriores ao pleito;

V – para as Assembléias Legislativas, os Governadores, Secretários de Estado e Chefes de Polícia, até dois meses depois de cessadas definitivamente as funções.

Parágrafo único – Os preceitos deste artigo aplicam-se, aos titulares, assim efetivos como interinos, dos cargos mencionados.

Artigo 140 – São ainda inelegíveis, nas mesmas condições do artigo anterior, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau:

I – do Presidente e do Vice-Presidente da República ou do substituto que assumir a presidência:

a) para Presidente e Vice-Presidente;

b) para Governador;

c) para Deputado ou Senador, salvo se já tiverem exercido o mandato ou forem eleitos simultaneamente com o Presidente e o Vice-Presidente da República;

II – do Governador ou interventor federal, nomeado de acordo com o artigo 12, em cada Estado:

a) para Governador;

b) para Deputado ou Senador, salvo se já tiverem exercido o mandato ou forem eleitos simultaneamente com o Governador;

III – do Prefeito, para o mesmo cargo.

Nosso terceiro Código Eleitoral (Lei n. 1.164, de 24.07.1950) inovou em relação ao diploma anterior, apenas no que tange aos recursos eleitorais e que o sufrágio e o voto eram, ao arrimo do que dispunha a CR/46, universais e direitos, obrigatórios e secretos. Já o quarto Código Eleitoral (Lei n. 4737 de 15.07.1965) é o hodiernamente vigente.

Pois bem, promulgada a Constituição de 1967 – considerada a Emenda nº. 01/69 – verifica-se que há verdadeira regulamentação constitucional da Justiça Eleitoral, bem como dos direitos políticos e partidos políticos. Com a Carta da República de 1988, os direitos políticos (artigo 14 a 16) foram também disciplinados, assim como os partidos políticos (artigo 17), a mantença da Justiça Eleitoral como integrante do Poder Judiciário (artigo 92, V e artigo 118 ao artigo 121), sendo de se notar que a eleição para Presidente e vice-presidente da República ganhou especial atenção. No que diz respeito às inelegibilidades a CR/88 assim dispõe:

Artigo 14. […]

parágrafo 4º – São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

[…]

parágrafo 7º – São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

[…]

parágrafo 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A lei complementar a que se refere o dispositivo legal mencionado acima é a Lei Complementar nº. 64/90 que estabelece, de acordo com referido artigo 14, parágrafo 9º da CR/88, os casos de inelegibilidade, prazos de cessação, bem como disciplina outras matérias afetas ao processo eleitoral. De se registrar que tal diploma sofreu recente alteração normativa por meio da LC nº. 135/10, e os reflexos de tais alterações tem fomentado calorosos debates doutrinários e jurisprudenciais no âmbito do Direito Eleitoral brasileiro.

 


[1] PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 376.

 

[2] ANTONELLI, Leonardo Pietro. “A lei da ficha limpa e a presunção de inocência” publicado na Revista Justiça & Cidadania, Edição 120, Julho de 2010, páginas 24 e 25.

[3] STF. ADI 144 MC, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 22/11/1989, DJ 26-03-1993 PP-05001 EMENT VOL-01697-01 PP-00148 RTJ VOL-00146-01 PP-00008

[4] VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. In Revista Direito GV.São Paulo, p. 441-464, jul-dez, 2008.

[5] VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. In Revista Direito GV.São Paulo, p. 446, jul-dez, 2008.

[6] CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 189.

[7] MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 393.

[8] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do Direto Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. pp.51-56.

[9] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do Direto Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.52.

[10] Primeira sistematização de regras eleitorais, porquanto foi com base em tais regramentos que D. João VI convocou as primeiras eleições gerais no Brasil, com vista a eleger representantes que viriam a atuar junto às Cortes Lusitanas.

[11] Promulgada em 1822 por D. Pedro I e tinha como escopo traçar as orientações para fins de realização da Assembléia Constituinte, com representantes das províncias brasileiras, e que viria a estruturar a Constituição de 1824.

[12] A primeira Constituição (1824), em seus artigos 90 e 97, dispôs sobre as eleições indiretas para Deputados e Senadores para a Assembléia Geral e Conselhos Gerais das Províncias, identificou quem dispunha do direito de voto nas assembléias paroquiais, bem como quem poderia ser considerado elegível.

[13] ANTONELLI, Leonardo Pietro. “O Limite das Reformas Constitucionais em Matéria Tributária” – Princípios de Direito Financeiro e Tributário – Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, páginas 691-718, Editora Renovar, 2006.

[14] ESKRINDGE JR., W.N.. Overriding Supreme Court Statutory Interpretation Decisions: The Yale Law Journal 101 (2) (331-455, 1991)

[15] A Carta de 1937 contemplava no seu art. 180 a possibilidade do Presidente da República expedir decretos-lei sobre todas as matérias da competência legislativa da União enquanto não se reunir o Parlamento Nacional . Daí porque, o próprio “rei ditador” aproveitando-se da interpretação cominada dos citados arts. 96 e art. 180 baixou o célebre Decreto-Lei 1564, de 05.09.1939, que acabou por suspender decisões judiciais, verbis:

Confirma os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais.

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, e para os efeitos do art. 96, parágrafo único.

Considerando que o STF declarou a inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda, decretado pela União no uso de sua competência privativa, sobre os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais.

Considerando que esta decisão judiciária não consulta o interesse nacional e o princípio da divisão eqüitativa de ônus no imposto.

Decreta:

Artigo único. São confirmados os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais: ficando sem efeito as decisões do Supremo Tribunal Federal e de quaisquer outros tribunais e juizes que tenham declarado a inconstitucionalidade desses mesmos textos.

Rio de Janeiro, 05 de setembro de 1939, 118º. da Independência de 51º. da República.

Getulio Vargas – Francisco Campos – A. de Souza Costa”

[16] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, Livraria Almeida, Coimbra, 1986, 4ª ed., pág. 195.

[17] HAMILTOM, A.; JAY, J.; MADISON, J. The Federalist, n. 51, 1788.

[18] O princípio em questão atingiu o cenário mundial, após a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, que dispõe em seu artigo XI.1. que “toda persona acusada de un delito tine derecho a que se presuma su inocencia mientras que no pruebe su culpabilidad, conforme a la ley y em juicio publico en la ley en juicio publico em el que se hayan asegurado todas las garantias necesarias para su defesa.”

[19] STF. Pleno. AP nº. 307/DF. Rel. Min. Ilmar Galvão, em 13.12.1994.

[20] MORAES. Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada.6ª ed.São Paulo: Atlas, 2006. p. 396-397.

[21] BOBBIO, Norberto apud ANTONELLI, Leonardo Pietro. “O Limite das Reformas Constitucionais em Matéria Tributária” – Princípios de Direito Financeiro e Tributário – Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, páginas 691-718, Editora Renovar, 2006.

[22] Alexandre de Moraes aponta sobre a distinção entre a presunção de inocência e o principio in dúbio pro reo, dizendo que tais institutos jurídicos não se confundem, “pois, apesar de ambos serem da espécie do gênero favor rei, existe substancial diferença entre eles; enquanto o primeiro sempre tem incidência processual e extraprocessual, o segundo somente incidirá, processualmente, quando o órgão judicial tenha ficado em dúvida em relação às provas apresentadas, devendo então optar pela melhor interpretação que convier ao acusado” ( in MORAES. Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, São Paulo, 2006, 6ª ed., p. 396/397).

[23]Ação Direta de Inconstitucionalidade 939-7, DF. Relator: Ministro Sydney Sanches, STF, D.J. 18.03.94 “Direito Constitucional e Tributário.

Ação direta de Inconstitucionalidade de emenda Constitucional e de lei Complementar.

I.P.M.F.

Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F.

Artigos 5º, § 2º, 60, § 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c”, e “d”, da Constituição Federal.

1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C. F.).

2. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros):

1º – o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, a art. 150, III, “b” da Constituição);

2º – o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I, e art. 150, VI, “a”, da C.F).”

[24] STF. AI nº. 709634-GO

[25] MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 388.

[26] MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A argumentação nas decisões judiciais. 3ª. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 140.

[27] A questão é tormentosa, em que pese o reconhecimento de Paulo Roberto Mendonça de que os órgãos jurisdicionais necessitam de mudanças, em termos da construção de uma atividade judicante comprometida com a efetiva garantia dos direitos dos cidadãos com os desmandos, inclusive aqueles cometidos pelos próprios órgãos do Estado. E, arremata: “Em episódios recentes, o Judiciário brasileiro tem demonstrado seu alinhamento a uma perspectiva democrática, obtendo, assim, crescente legitimação, em decorrência de suas decisões. Ibidem, p. 146

[28] MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1961, 7ª ed., p. 232

[29] RE nº 99.069, Rel. Min. Oscar Dias Corrêa

[30] GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Editora Fundação Getúlio Vargas: Rio de Janeiro, 1998. p.63.

[31] Os princípios informadores da presunção de inocência também desde suas origens estão presentes na Constituição e na escrita dos ingleses e se traduzem na garantia de certeza para um veredito condenatório: beyond any reasonable doudt. E pela Emenda V, da Constituição dos Estados Unidos da América, se reconheceu o direito a todo cidadão ao due process of law, que segundo interpretação da Suprema Corte daquele país, pressupõe a presunção de inocência. Essas influências, foram suficientes para que o art. 9º, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 se positivasse, de uma vez por todas, preconizando pela necessidade de se estabelecer a presunção de inocência nos seguintes termos: “Tout homme étant présumé innocent jusqu’á ce qu’il ait été déclaré coupable […]”

[32] GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA MITIGAÇÃO PARA FINS DE REGISTRO DE CANDIDATURAS POLÍTICAS – “FICHA LIMPA”. In http://jus.uol.com.br/revista/texto/17233/o-principio-da-presuncao-de-inocencia-e-a-inconstitucionalidade-de-sua-mitigacao-para-fins-de-registro-de-candidaturas-politicas-ficha-limpa.

[33] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Editora Vozes: Petrópolis, 1998. p.414.

[34] “Os limites do Judiciário” publicada no caderno Opiniões do Jornal O Globo em 03/05/2010.

[35] A poucos dias o Pleno do STF concluiu o julgamento do leading case acerca dos limites de intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas […] Em síntese, o argumento estatal orbitou em torno da ocorrência violação ao princípio da separação de poderes, posto que desconsidera a função exclusiva do Poder Executivo em definir políticas públicas, asseverando que a manutenção das decisões judiciais concessivas acarretará no deslocamento de esforços, recursos estatais, descontinuidade da prestação dos serviços de saúde ao restante da população e o velho e alarmista efeito multiplicador. Em sentido oposto, os pacientes que pedem jurisdição, sustentam que o direito à saúde está previsto no artigo 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A questão é complexa, posto que este direito social tem que ser compatibilizado com a “reserva do possível”, sem perder de vista o “mínimo existencial”. É nesta ponderação de princípios e valores que se encontra no neoconstitucionalismo a idéia de judicialização dos irreversíveis e inesgotáveis direitos sociais, baseado no princípio da supremacia da constituição. Na verdade, temos verificado que, na grande maioria dos casos, as ordens judiciais só estariam determinando o efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.

[36] Mapa do Analfabetismo no Brasil, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (INEP), de 2003, e Pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), de 2004.

[37] Art. 47 – O Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação e maioria absoluta de votos. […]

§ 4º – São inelegíveis, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente os parentes consangüíneos e afins, nos 1º e 2º graus, do Presidente ou Vice-Presidente, que se achar em exercício no momento da eleição ou que o tenha deixado até seis meses antes.

[…]

Art. 70 – São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.

§ 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:

1º) os mendigos;

2º) os analfabetos;

3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;

4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual.

§ 2º – São inelegíveis os cidadãos não alistáveis.

[38] Art. 102. São inelegiveis em todo o territorio da União:

a) o Presidente da Republica, os governadores dos Estados, os interventores federaes, o prefeito do Districto Federal, os governadores dos Territorios, e os Ministros Estado, até um anno depois de cessadas definitivamente as respectivas funcções;

b) os chefes do Ministério Publico, os membros do Poder Judiciário, os Ministros do Tribunal de Contas e os chefes e sub-chefes do Estado-Maior do Exercito e da Armada;

c) os parentes até 3º grau, inclusive os afins, do Presidente da Republica, até um ano depois de haver este definitivamente deixado o cargo, salvo, para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, se já tiverem exercido o mandato, anteriormente, ou forem eleitos simultaneamente com o Presidente;

d) os que não estiverem alistados eleitores.

Art. 103. São inelegiveis nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios:

a) os secretários de Estado e os chefes de Polícia até um: ano após a cessação definitiva das respectivas funções,

b) os comandantes de forças do Exercito e da Armada ou das Polícias ali existentes;

c) os parentes até o 3º grau, inclusive os afins, dos governadores e interventores dos Estados, do prefeito do Distrito Federal e dos governadores dos Territórios, até um ano após a cessação definitiva das respectivas funções, salvo, quanto à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e às Assembléias Legislativas, se já tiverem exercido o mandato, ou for a eleição simultânea com a investidura das funções do respectivo parente.

Art. 104. São inelegíveis nos Municípios :

a) os prefeitos;

b) as autoridades policiais;

c) os funcionários do fisco;

d) os parentes até 3º grau, inclusive os afins, dos prefeitos, até um ano após a cessação definitiva das funções, destes, salvo, relativamente às Câmaras Municipais, ás Assembléias Legislativas e à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, se já tiverem exercido o mandato anteriormente, ou forem eleitos simultaneamente com o Prefeito

Art. 105. Além das inelegilibilidades acima mencionadas prevalecerão por Estados e Municípios as que forem estabilizadas nas constantes leis estaduais.

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