Direito Regulatório

Impacto Regulatório: um obscuro objeto de desejo

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14 de setembro de 2010, 18h30

Em tempos de Copa do Mundo e de Olimpíadas, há um instrumento útil, porém desconhecido pela maioria dos operadores do Direito, capaz de incrementar a segurança jurídica dos negócios no Brasil. O governo federal espera que, até o final do ano, ele esteja implementado. Há até programa governamental, o PRO-REG, cujo foco tem sido nele. E o Ipea, instituto de pesquisa vinculado ao governo, está, nesse exato momento, oferecendo bolsa a pesquisadores do tema. Trata-se da Análise de Impacto Regulatório (AIR).

Desconhecido ma non troppo. O tema é debatido entre economistas, sociólogos, advogados de Direito Regulatório. Só que o assunto ainda não se popularizou em nossa comunidade jurídica na medida da importância. O propósito do artigo é apresentar a idéia e traduzi-la ao operador não-especialista. Pois bem: a primeira questão é definir o que a Análise de Impacto Regulatório é, ou, pelo menos, o que ela virá a ser no Brasil, já que a denominação é, na experiência internacional, um saco de muitos gatos. Os textos que tratam do assunto citam, como referência, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), pioneiros na adoção da AIR. Na definição dos manuais da OECD, Análise de Impacto Regulatório é “ferramenta para examinar e medir custos, benefícios e efeitos prováveis de regulação nova ou existente”. De modo simples: é estudo, preliminar ou posterior à adoção de política regulatória, que indica efeitos esperados, possíveis riscos e prováveis benefícios.

 

A Análise de Impacto Regulatório busca identificar a qualidade da regulação. Para tanto, há vários passos: coletar dados (e, antes, qualificar o que será considerado “dado”); estabelecer procedimentos de análise e critérios de valoração; avaliar as ações públicas. Cada etapa se abre numa série de discussões – se os critérios de avaliação são adequados; se as conseqüências estão projetadas de modo abrangente (não apenas as conseqüências sociais ou o desenvolvimento econômico; não só o risco ambiental ou a preservação da concorrência etc.). Característica da Análise de Impacto Regulatório é sua abertura à participação: regulados, consumidores e reguladores devem produzir e trocar o máximo de informações, de modo que o resultado da AIR seja percebido como factual, e, antes disso, legítimo.

Há óbvias vantagens na adoção da AIR. A primeira: se bem feita, serve para incrementar a adesão do mercado à política regulatória, o que significa redução de contestações administrativas e judiciais. Além disso, há o incremento da credibilidade do regulador. Há também os benefícios de se adotar algum grau de planejamento na ação pública — coisa excelente num país que sempre caminhou de improviso em improviso. Por outro lado, há riscos: o primeiro deles é que seja malfeita, e aí se dará poderes ao erro. Há ainda o risco de se contribuir para a burocratização — há propostas legislativas de AIR que falam na criação de agências ou de órgãos públicos responsáveis pela qualidade da regulação, o que pode ser bom ou ruim. E, o mais óbvio deles, o de que as AIRs sejam contaminadas e simplesmente não sejam para valer.

Se a Análise de Impacto Regulatório já fosse uma realidade no Brasil, a ANVISA, antes de simplesmente impor uma obrigação à iniciativa privada — aliás, opção das mais fáceis ao Poder Público seria obrigada a demonstrar quais seriam os efetivos benefícios práticos advindos da pretendida etiquetagem dos produtos gordurosos ou com sal. O mesmo raciocínio vale para todas as alterações de marcos regulatórios em curso: do petróleo à mineração, passando pelo novo modelo de gestão de aeroportos, Estado e sociedade brasileira só teriam a ganhar se todas essas revisões normativas fossem precedidas de dados claros e objetivos, análises abrangentes de custo-benefício e discussões públicas sérias – e levadas a sério – a respeito das vantagens e desvantagens das mudanças. Ganharíamos todos, especialmente em efetividade e na redução da litigiosidade, em muito atribuída à ausência de um verdadeiro diálogo entre reguladores e regulados. Para que o Estado cumpra o seu papel, não basta regular por regular, mas regular com objetivos claros, democraticamente debatidos e respaldados em análises confiáveis e em dados concretos.

Em termos de dogmática jurídica, estamos maduros para as AIRs. Na atual seara do Direito Público brasileiro, em que se fala numa “virada pragmatista”, e no qual discussões a respeito de conseqüências e aptidões institucionais tomam o lugar de debates sobre naturezas jurídicas e outros pastéis de vento, as Análises de Impacto Regulatório podem ser hábil meio para que argumentos práticos sejam “impregnados” pelo Direito. Já com o que temos hoje é possível identificar o cálculo de custo-benefício, procedimento metodológico padrão das AIRs, dentro da terceira máxima do princípio jurídico da proporcionalidade — a proporcionalidade estrita. Outra possível base jurídica das AIRs é como eficácia positiva do princípio da eficiência administrativa (art. 37 da Constituição). Mesmo assim, é bom que haja previsão legal a respeito das AIRS como condição de validade da regulação. Num país em que, como dizia Seabra Fagundes, é preciso dizer tudo tin-tin por tin-tin senão não se cumpre, não convém correr riscos.

Apesar de referências legais esparsas, para não falar na atuação da Casa Civil do governo federal e de alguns órgãos e entidades públicas federais, o tema, por discutido na teoria da administração e na economia, ainda é juridicamente incipiente. A AIR, como assunto e como prática de Direito Público, ainda não pegou. Mas esse é seu ano. É chegada sua hora e sua vez.

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