Crimes Graves

Aplicar pena alternativa ao tráfico é inconstitucional

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

11 de setembro de 2010, 8h00

Quando da vigência da Lei 6.368/1976 discutia-se sobre a possibilidade da substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para o condenado por tráfico de drogas. O assunto não era pacífico na doutrina, embora os Tribunais Superiores decidissem reiteradamente no sentido da possibilidade, haja vista a inexistência de norma específica sobre o assunto.

A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2.006, mais conhecida como Lei de Drogas, pretendeu solucionar o impasse, vedando o benefício, que deve ser reservado para os crimes menos graves, não sendo razoável premiar traficante de drogas com a substituição.

O artigo 44, caput, da Lei de Drogas veda, expressamente, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para o condenado pelos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 a 37.

Já o artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, que prevê uma causa de diminuição de pena, também estabelece, no caso de sua aplicação, que a pena privativa de liberdade não poderá ser substituída por restritiva de direitos.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de não ser possível a aludida substituição para o condenado por tráfico de drogas e condutas correlatas (artigos 33, caput e parágrafo 1o, e 34 a 37), bem como quando da aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (HC 144.915/MG, Rel. Laurita Vaz, v.u., j. 01.06.2010. No mesmo sentido — STJ — HC 136.618/MG, 5ª t., Rel. Min. Laurita Vaz, v.u., j. 01.06.2010).

Com entendimento contrário, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça suscitou a inconstitucionalidade dos artigos 33, parágrafo 4º, e 44, caput, da Lei de Drogas por vedarem a substituição. Julgando a arguição de inconstitucionalidade, em sessão realizada no dia 04 de novembro de 2009, por maioria, a Corte Especial rejeitou a arguição, entendendo ser perfeitamente constitucional a vedação. Isso porque se trata da vontade do Constituinte, que teve o tráfico de drogas como conduta de especial gravidade, tanto que determinou que a lei o considerasse crime inafiançável e insuscetível de anistia e graça (artigo 5º XLIII), além de ter possibilitado a extradição do brasileiro naturalizado comprovadamente envolvido com o tráfico de drogas (artigo 5º, LI). Asseverou-se, também, que se referidos dispositivos fossem inconstitucionais, o artigo 44, inciso I, do Código Penal também o seria, quando veda a substituição para o crime cometido com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Aliás, enquanto a vedação estabelecida no Código Penal é fundamentada em lei ordinária, a contida na Lei de Drogas tem origem constitucional (AI no HC nº 120353/SP, rel. Min. Og Fernandes).

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, analisando a questão no HC 97.256/RS, tendo como relator o ministro Ayres Britto, por seis votos a quatro, em julgamento realizado no dia 01 de setembro de 2010, julgou ser inconstitucional a proibição da substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos contida nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, caput, da Lei de Drogas, haja vista não poder a lei subtrair do Julgador a possibilidade de analisar a viabilidade da substituição, o que viola o princípio da individualização da pena.

Embora a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha sido tomada no controle difuso de constitucionalidade, não possuindo efeito erga omnes, deverá alterar posicionamento praticamente pacífico dos demais Tribunais brasileiros no sentido da impossibilidade da substituição.

A decisão da Excelsa Corte não impede que o juiz deixe de proceder a substituição com fundamento nos demais requisitos previstos no Código Penal. Ela simplesmente possibilita que o Magistrado analise a questão e decida se procede a substituição ou não.

Boa parte dos crimes previstos na Lei de Drogas é sancionada com pena privativa de liberdade superior a quatro anos, não permitindo, portanto, a substituição, nos termos do artigo 44, I, do Código Penal.

Ademais, mesmo que presente o requisito objetivo (quantidade da pena), não nos parece razoável proceder a substituição para autor de crime de suma gravidade. A personalidade, a conduta social e culpabilidade do traficante de drogas e de quem de qualquer forma o auxilia, bem como as consequências do crime, que são nefastas para o viciado e usuário e para a sociedade, não recomendam a substituição, que pode ser indeferida nos termos do artigo 44, III, do Código Penal.

Novamente, em sentido contrário ao que pretende a sociedade, que, no caso, foi atendida pelos Parlamentares aos vedarem a aplicação de penas restritivas de direitos ao traficante e seus asseclas, o Supremo Tribunal Federal vem a propiciar a benesse para o autor de um dos crimes mais deletérios para a humanidade.

A droga é o câncer que assola a todo o mundo já que, direta ou indiretamente, é responsável por boa parte dos crimes violentos que o afligem. Por causa dela as pessoas matam ou são mortas. É muito difícil um crime violento não ter a droga como estopim. Ou o agente está sob seu efeito, ou é vítima de um traficante ou de um drogado, ou é um traficante que mata um rival etc. Enfim, a droga, de uma maneira ou de outra, está ligada aos crimes mais graves.

Parece-nos que não sabem disso alguns dos Ministros que compõem a mais alta Corte do nosso país, que deixaram ao alvedrio do juiz a aplicação, ou não, da substituição, sob o argumento de não poder a lei impossibilitar a apreciação pelo Poder Judiciário quanto à viabilidade da substituição.

O assunto já havia sido apreciado e julgado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que, em lapidar decisão, entendeu que a vedação era perfeitamente constitucional e somente atendia a mandado de criminalização expresso previsto no artigo 5º, inciso XLIII, da Magna Carta.

Foi a própria Constituição Federal que determinou tratamento diferenciado para o autor de vários crimes de especial gravidade, dentre eles o tráfico de drogas. O que nos parece inconstitucional é dar o mesmo tratamento para o autor de crime comum e para o autor de tráfico de drogas, haja vista a determinação expressa da Constituição Federal no sentido de a lei lhes tratar de maneira diferente.

Em suma, a decisão foi tomada, mas cabe ao intérprete, na análise do caso concreto, decidir se premia o traficante e seus asseclas com a substituição ou a sociedade ordeira com a vedação, não nos esquecendo das finalidades da pena, principalmente a prevenção especial e a geral.

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  • Brave

    é promotor de Justiça em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais e professor da PUC-SP, Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e da Academia da Polícia Militar do Barro Branco.

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