Constituição não permite

Mudança no Funrural não impôs nova contribuição

Autor

  • Fellipe Vasques

    é advogado do escritório Junqueira de Carvalho Murgel e Brito Advogados e Consultores especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

10 de setembro de 2010, 11h34

Após as alterações lhe feitas pela Lei 8.540/92, o artigo 25 da Lei 8.212/91 passou a prever a contribuição do empregador rural pessoa física, conhecida como contribuição ao FUNRURAL, que, conforme determinado pela Lei 8.540, tem como base de cálculo o resultado da produção, ou seja, a receita do produtor rural, e aí reside a principal inconstitucionalidade desse tributo. É que, quando da promulgação da Lei 8.540, a Constituição Federal previa como base de cálculo para as contribuições para o financiamento da seguridade social, a cargo do empregador, apenas a folha de salários, o faturamento e o lucro. A Constituição não autorizava que essa espécie de contribuição incidisse sobre receita. Somente em 1998, a Emenda Constitucional 20 alterou a Lei Maior para incluir, ao lado da folha de salários, do faturamento e do lucro, a receita bruta como base de cálculo para as contribuições de seguridade social.

Pois bem, em 2001, a Lei 10.256 alterou a cabeça do artigo 25 da Lei 8.212 (cuja redação era a determinada pela Lei 8.540) para estabelecer que o empregador rural pessoa física deveria contribuir com a contribuição sobre o resultado da produção em substituição à contribuição que recai sobre a folha de salários, de que tratam os incisos I e II do artigo 22 da mesma Lei 8.212/91. Em relação aos incisos do artigo 25, a Lei 10.256 nada disse.

Tendo em vista que a Lei 10.256/01 é posterior à Emenda 20, há quem esteja defendendo que, com a alteração da cabeça do artigo, a contribuição foi reintroduzida no ordenamento — desta vez, em consonância com a Constituição, que, após a EC 20, passou a autorizar a incidência dessa espécie de contribuição sobre receita — e que, à míngua de alterações nos incisos do artigo 25, nos quais estão previstas a base de cálculo e as alíquotas da contribuição, estes devem ser considerados novos incisos com redações coincidentes.

A tese não resiste a análise pouco mais criteriosa. De se observar, em primeiro lugar, que a Lei 10.256 não alterou qualquer dos critérios ou aspectos que formam a regra-matriz ou hipótese de incidência da contribuição do empregador rural pessoa física incidente sobre o resultado de sua produção, isto é, a lei de 2001 nada dispôs sobre a contribuição em si, apenas disse que os produtores rurais pessoas físicas deveriam contribuir com a esta contribuição sobre o resultado da produção em vez da contribuição incidente sobre a folha de salários. Realmente, a alteração promovida pela Lei 10.256 restringiu-se a acrescentar à cabeça do artigo 25 da Lei 8.212 a expressão “em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do artigo 22”. Em nada, portanto, os termos da contribuição imposta originariamente pela Lei 8.540 (no que se refere ao empregador rural pessoa física) foram alterados.

Ademais, a constitucionalidade de uma lei é aferida com base na Constituição vigente no momento em que essa lei é promulgada (momento em que a lei “nasce”). Conforme clássico entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma lei que nasce em desacordo com a Constituição é e sempre será inconstitucional, sendo que, ainda segundo o Supremo, o sistema jurídico brasileiro não admite a figura da constitucionalidade superveniente (nesse sentido, entre outros, a ADI 2 e o RE 390.840-5). A orientação do STF, consagrada também pela doutrina, decorre da aplicação da teoria da nulidade dos atos ou leis inconstitucionais — igualmente respaldada por jurisprudência e doutrina — segundo a qual lei ou ato inconstitucional é lei ou ato inexistente.

Sendo assim, se a Lei 8.540 desafiava a Constituição vigente no momento de sua promulgação, essa lei é e sempre será inconstitucional. Efeito disso é que suas disposições são nulas e devem ser consideradas como se nunca tivessem existido. Nesse sentido, é insustentável o argumento de que, com a alteração promovida pela Lei 10.256 na cabeça do artigo 25 da Lei 8.212, os incisos desse artigo devem ser considerados novos com redações coincidentes, porque uma vez que a redação foi dada por uma lei inconstitucional, essa redação não existe. Entender de modo diverso implica admitir a coincidência de coisas inexistentes. Releva destacar que a redação não existia antes da Lei 10.256 e continuou a não existir após o advento dessa lei, já que ela nada dispôs sobre os incisos.

Portanto, por nada ter disposto acerca de base de cálculo e alíquota, a Lei 10.256 perdeu oportunidade de impor uma contribuição a cargo do produtor rural pessoa física em consonância com a Constituição Federal de 1988.

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    é advogado do escritório Junqueira de Carvalho, Murgel e Brito Advogados e Consultores, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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