Negócio proibido

MP autoriza venda de fundação para empresa privada

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10 de setembro de 2010, 12h24

Além de defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis, também é de competência do Ministério Público velar pelas fundações, de acordo com o Código Civil. Tal assistência se justifica por várias razões: primeiro, porque o patrimônio que compõe a fundação pertence à sociedade como um todo ou a uma parcela desta. Segundo porque esta consiste num patrimônio transformado em pessoa jurídica.

No entanto, contradizendo as suas responsabilidades, o MP de Minas Gerais, através da Curadoria das Fundações, validou a venda do Centro Universitário Uni-BH — onde estudam 40% dos estudantes de nível superior de Minas e que pertence à Fundação Cultural de Belo Horizonte — para Gaec Sociedade Anônima (Grupo Ânima de Educação). Tal cessão foi anulada pelo juiz da 10ª Vara Cível de Belo Horizonte, Luiz Gonzaga Silveira Soares.

Para contestar a transação, estimada em R$ 60 milhões, o Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais entrou com uma Ação Declaratória na Justiça contra a Fundac e o Gaec alegando que o pacto estabelecido entre elas "estabelece prática mercantil totalmente contrária às normas que regem o tema, em especial os artigos 64 e 69 do Código Civil, assim como o artigo 52 do Estatuto da Fundac".

Além disso, o sindicato sustenta que somente através de autorização judicial seria possível a alienação de bens de fundação. Por isso, pediu a suspensão da venda e cessão de diretos de manter os cursos superiores e, ao final, a nulidade total do paco celebrado entre as partes demandadas.

Em contestação à ação, o MP ofertou parecer no qual diz que o sindicato não tem legitimidade para questionar a transação e rebateu a acusação de ilegalidade do pacto. O MP argumenta, no parecer, que a fundação se encontrava em situação de insolvabilidade e que todas as cautelas vêm sendo adotadas para resguardar os interesses da Fundação. O MP também defendeu que não era necessária a autorização prévia do Poder Judiciário para alienação de bens de fundações.

A Fundac apresentou contestação alegando a ilegitimidade do autor de propor a ação e defendeu a legalidade do pacto firmado entre as partes, destacando a anuência do MP estadual, e afirmou que o objetivo do contrato será somente os direitos de mantença do Centro Universitário UNI-BH e dos cursos até então mantidos pela fundação. Ressaltou que seus bens imóveis permanecerão sob seu domínio e que pretende exercer atividades de pesquisa, mantença de cursos e demais atividades previstas em seu estatuto. Segundo a fundação, os recursos advindos do contrato serão utilizados para a consecução de seus objetivos e finalidade remanescentes.

Além disso, a fundação rebateu que seus objetivos não se restringem à mantença do Centro, dos cursos que lhe pertencem, ou de instituições e cursos na região metropolitana de Belo Horizonte e que a sua finalidade não foi desvirtuada.

Assim como o MP e a Fundac, o Gaec reforçou a preliminar de ilegitimidade ativa e ausência do interesse processual por parte do sindicato. Ponderou, no mérito, o precário estado financeiro da fundação e defendeu a validade do negócio jurídico. Além disso, acrescentou que os direitos, objetos do contrato celebrado entre as partes, não constituem bens da Fundac e que o estatuto da fundação não veda a realização do negócio.

Em réplica às contestações, o sindicato reafirmou o seu pedido de anulação do contrato.

A decisão
Ao analisar o caso, o juiz afirmou que, da mesma forma que o MP pode extinguir extrajudicialmente as fundações, ele também pode autorizar, desde que respeite os direitos de terceiros e suas finalidades, a alienação dos bens que a compõem. No entanto, ressalta, o objeto do contrato diz respeito a um bem maior do que os imóveis pertencentes à fundação. O interesse vai além do que os bens materiais ou móveis da fundação e adquiridos como patrimônio incorporado pelos instituidores. "São aqueles imateriais, consubstanciados nas marcas, nome e credibilidade criada pela Fundac no mercado, através da Uni-BH."

Dessa maneira, mesmo que a mantença de cursos superiores seja um dos objetivos da fundação, é aquele mais explorado por ela, por isso, a sua alienação atenta diretamente contra seu estatuto. Desse modo, afirmou o juiz, a cessão dos direitos somente poderia ser feita se houvesse prévia autorização judicial.

"Ao transferir toda a mantença dos cursos para o Grupo Ânima, permanecendo apenas com a exploração econômica dos bens imóveis que lhe pertence, a fundação violaria o artigo 62, parágrafo único do Código Civil, na medida em que desvirtua os fins que são próprios das fundações, que são: educacionais, morais, culturais, de assistência, entre outros", argumentou o juiz.

Segundo ele, é inadmissível e deve se ponderar que, de acordo com o artigo 69 do Código Civil, se as dificuldades financeiras da fundação impeçam a sua finalidade, essa deve ser extinta e não vendida. “Não é possível que uma fundação com patrimônio superior a R$ 400 milhões e dívidas bancárias inferiores a 10% disso, precise se desfazer de seus alunos – razão única de sua constituição e existência”, declarou.

Diante do exposto, o juiz acatou o pedido formulado pelo Sindicato dos Professores de Minas Gerais contra a Fundac e Ânima, e declarou a nulidade do Instrumento Particular de Promessa de Cessão de Direitos sobra a Mantença de Cursos Superiores e outras avenças firmado. Condenou as rés ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 3 mil.

Atuação suspeita
De acordo com o advogado do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, Cristiano Kangussu, a Fundac poderia apenas com a venda de parte de seus imóveis quitar integralmente suas dívidas bancárias e equalizar o problema financeiro existente. Mas ao contrário, optou por entregar 15 mil alunos da fundação para uma sociedade anônima, em troca da quitação de pequena parte e não da totalidade de suas dívidas.

Segundo ele, não há nenhuma explicação plausível que justifique esse negócio realizado entre a Fundac e Ânima, devendo ser, inclusive, investigadas mais a fundo as características da operação e as causas que levaram à realização de um negócio tão lucrativo para a Ânima.

Outro fator que coloca essa operação sob suspeita é o fato de a Fundac ter alugado para a tal Ânima os imóveis que lhe restaram, por preços irrisórios e muito abaixo dos valores de mercado, uma verdadeira afronta à sociedade.

Além disso, não foi autorizada a participação de nenhuma outra empresa no processo de transferência. "A atuação do MP foi no mínimo suspeita e a validação do negócio é extremamente ilegal", diz o advogado.

Ele ainda afirma, que em contato com o Conselheiro da Fundação, José Ricardo, a venda dos bens da fundação foi feita em 48h, "como uma pressão para que o negócio fosse firmado", declarou.

De acordo com o advogado, algumas questões encontram-se abertas: Por que o MPE, por intermédio da Curadoria das Fundações, não determinou a realização de uma auditoria completa para avaliar e propor soluções à fundação, uma vez que a lei manda o MP velar pelas fundações?

"Por que focaram apenas em se livrar dos alunos sem avaliar as possíveis soluções dentro do âmbito da própria Fundação? Por que os alunos foram transferidos para uma sociedade anônima e não para outra fundação, como determina a lei? Por que não houve a autorização judicial prévia, como exige a lei?"

Em contato com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais, foi informado, por meio da assessoria de imprensa, à revista Consultor Jurídico que os promotores responsáveis pela Curadoria do estado e pela validação do contrato firmado não se pronunciariam sobre o caso.

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