Castigo inaceitável

Falhas na Justiça do Irã resultam julgamentos injustos

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8 de setembro de 2010, 15h43

O sítio eletrônico na internet da Anistia Internacional (AI) – Portugal, no link http://www.amnistia-internacional.pt/, registra a seguinte notícia sobre o polêmico caso de uma mulher iraniana em risco de apedrejamento:

Irã: morte por apedrejamento, um castigo cruel e inaceitável.

Numa cultura em que nove mulheres e dois homens aguardam execução por apedrejamento, no Irã, a Anistia Internacional apela às autoridades daquele país para abolirem a morte por apedrejamento e que decretem uma moratória imediata a esta prática cruel, especialmente pensada para aumentar o sofrimento das vítimas.

No novo relatório publicado, a organização apela urgentemente à revisão do Código Penal do país e para assegurar, entretanto, a total adesão à moratória aos apedrejamentos emitida pelo responsável máximo da justiça em 2002.

‘A AI congratula-se com as recentes movimentações no sentido das reformas e com os relatos de que o parlamento iraniano está a discutir alterações ao Código Penal que permitam a suspensão da sentença, pelo menos em alguns casos de apedrejamento, em casos em que seja considerado ‘conveniente’’, disse Malcom Smart, Diretor do Programa para o Médio Oriente e Norte de África na AI.

‘Mas as autoridades devem ir mais longe e devem dar os passos necessários para assegurar que o novo Código Penal não permita o apedrejamento nem outro tipo de execuções para punir o adultério’.

O Código Penal iraniano descreve a morte por apedrejamento. Chega mesmo a recomendar o tamanho das pedras para que estas causem dor, mas não causem a morte imediata. O artigo 102º do Código Penal afirma que para a morte por apedrejamento, os homens devem ser enterrados até à cintura e as mulheres até ao peito. O artigo 104º declara, em referência à condenação por adultério, que as pedras não devem ser ‘demasiado grandes para não provocar morte imediata, mas também não devem ser demasiado pequenas, senão não são consideradas pedras’.

As graves falhas no sistema de justiça resultam em julgamentos injustos incluindo em casos decisivos. Apesar da moratória ter sido imposta em 2002 e os desmentidos oficiais, continuam registrar-se mortes por apedrejamento. Ja’far Kiani foi morto por apedrejamento no dia 5 de Julho de 2007 na vila de Aghche-kand, perto de Takestan na província de Qazvin. Ele foi condenado por adultério com Mokarrameh Ebrahimi, que também foi condenada à morte e de quem teve 2 filhos. A sentença de apedrejamento foi levada a cabo apesar da moratória que existe desde 2002.

Foi o primeiro apedrejamento confirmado oficialmente desde a moratória, embora uma mulher e um homem tenham sido apedrejados até à morte em Mashhas em Maio de 2006. Receia-se que Mokarrameh Ebrahimi tenha tido o mesmo destino. Ela encontra-se na Prisão de Choubin na província de Qazvin, aparentemente com um dos seus dois filhos.

Anistia Internacional está igualmente preocupada com outras oito mulheres e dois homens que poderão ter o mesmo destino e cujos casos estão realçados no novo relatório.

A maioria dos condenados a apedrejamento são mulheres. Elas são as maiores vítimas deste tipo de castigo. Uma das razões é porque as mulheres não são tratadas igualmente em relação aos homens perante a lei e os tribunais, numa clara violação dos padrões internacionais de um julgamento justo. O fato de uma grande maioria não saber ler nem escrever torna-as particularmente vulneráveis a terem julgamentos injustos, e desta forma serem levadas a assinar confissões de crimes que não cometeram. A discriminação contra as mulheres em outros aspectos das suas vidas deixa-as mais susceptíveis de ser condenadas por adultério.

No meio desta realidade sombria ainda existe esperança de que a morte por apedrejamento seja completamente abolida no futuro, no Irão. Está sendo feito um grande esforço por parte dos defensores de Direitos Humanos no Irão que lançaram a Campanha ‘Stop Stoning Forever’ (Acabar com os Apedrejamentos para Sempre) em Maio de 2006, em Mashhad. Desde que começaram, os seus esforços ajudaram a salvar do apedrejamento quatro mulheres e um homem – Hajieh, Esmailvand, Soghra, Mola’i, Zahra, Reza’i, Parisa A e o seu marido Najaf. E ainda outra mulher, Ashraf Kalhori, que teve a execução da sua sentença adiada.

‘Nós exigimos às autoridades iranianas que ouçam os nossos apelos e o daqueles que se estão a empenhar insistentemente para obter o fim desta prática horrenda’, disse Malcolm Smart.

Mas estes esforços têm um preço elevado. Os ativistas no Irão continuam a enfrentar intimidações por parte das autoridades. Em Março de 2007, Asieh Amini, Shadi Sadr e Mahboubeh Abbasgholizadeh, outro membro dirigente da campanha ‘Stop Stoning Forever’, foram presos juntamente com 33 mulheres enquanto protestavam relativamente ao julgamento de cinco mulheres ativistas dos Direitos Humanos em Teerão. No dia 9 de Março, Trinta e um dos detidos foram libertados. A 19 de Março, Mahboubeh Abbasgholizadeh e Shadi Sadr foram libertadas sob fiança de mais de 215 mil dólares. Aguardam julgamento sob acusação de ‘perturbação da ordem pública’ e ‘por atuarem contra a segurança do estado’.

Os defensores de Direitos Humanos no Irã acreditam que a publicidade e pressão internacional em apoio das atividades locais podem ajudar a trazer mudanças ao país”.

A República Federativa do Brasil prevê expressamente na sua Constituição Federal vigente a proibição de execução de penas cruéis ou dolorosas. Dentro de suas garantias fundamentais ao cidadão seu artigo 5º, inciso XLVII, é categórico ao consignar que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, e cruéis. Esclarecendo os três Incisos seguintes que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; que será assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e moral; e, ainda, que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte, adotado e proclamado pela Resolução 44/128 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, de 15 de dezembro de 1989, reza, em suas diversas disposições, o seguinte:

Os Estados Partes no presente Protocolo:

Convictos de que a abolição da pena de morte contribui para a promoção da dignidade humana e para o desenvolvimento progressivo dos direitos do homem;

Recordando o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948, bem como o artigo 6º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado em 16 de dezembro de 1966;

Tendo em conta que o artigo 6º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos prevê a abolição da pena de morte em termos que sugerem sem ambigüidade que é desejável a abolição desta pena;

Convictos de que todas as medidas de abolição da pena de morte devem ser consideradas como um progresso no gozo do direito à vida;

Desejosos de assumir por este meio um compromisso internacional para abolir a pena de morte;

Acordam no seguinte:

"Artigo 1º

1. Nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte no presente Protocolo será executado.

2. Os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição.

Artigo 2º

1. Não é admitida qualquer reserva ao presente Protocolo, exceto a reserva formulada no momento da ratificação ou adesão prevendo a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra.

2. O Estado que formular uma tal reserva transmitirá ao Secretário-Geral das Nações Unidas, no momento da ratificação ou adesão, as disposições pertinentes da respectiva legislação nacional aplicável em tempo de guerra.

3. O Estado Parte que haja formulado uma tal reserva notificará o Secretário-Geral das Nações Unidas da declaração e do fim do estado de guerra no seu território."

Igualmente, o Protocolo à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, da Organização dos Estados Americanos – OEA, é categórico ao afirmar:

"Artigo l

Os Estados Partes neste Protocolo não aplicarão em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição.

Artigo 2

l. Não será admitida reserva alguma a este Protocolo. Entretanto, no momento de ratificação ou adesão, os Estados Partes neste instrumento poderão declarar que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar.

2. O Estado Parte que formular essa reserva deverá comunicar ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, no momento da ratificação ou adesão, as disposições pertinentes de sua legislação nacional aplicáveis em tempo de guerra a que se refere o parágrafo anterior.

3. Esse Estado Parte notificará o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos de todo início ou fim de um estado de guerra aplicável ao seu território."

Em suma, de acordo com a orientação proclamada na ordem internacional, nossa devotada República do Brasil, através de sua Carta Política de 1988, apenas admitirá a execução da pena de morte em caso de guerra externa declarada, estando definitivamente banida de nosso País qualquer espécie de sanção criminal de natureza cruel ou perpétua.

Outrossim, também em pleno vigor perante a comunidade internacional, vige a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984, das Nações Unidas, a fim de se preservar os direitos que emanam da dignidade inerente à pessoa humana.

Por esta Convenção da ONU cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. Definindo que, entre outras práticas, "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido.

A República Federativa do Brasil, Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, constituindo também seu objetivo fundamental a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E, nas suas relações internacionais é pautada pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político.

O delito de Adultério era previsto na legislação penal brasileira como crime contra a instituição do casamento. Em seu artigo 240, nosso Código Penal, dispunha que cometer adultério implicava numa pena de detenção, de quinze dias a seis meses. Incorriam na mesma pena o co-réu. A ação penal somente poderia ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de um mês após o conhecimento do fato. A ação penal não poderia ser intentada pelo cônjuge desquitado; pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente. Entretanto, o juiz poderia deixar de aplicar a pena em dois casos: se houvesse cessado a vida em comum dos cônjuges ou se o queixoso houvesse praticado quaisquer atos de conduta desonrosa em que se verificasse grave violação dos deveres do casamento.

Após 65 anos de vigência, o crime de Adultério foi banido de nosso ordenamento jurídico pela Lei Federal 11.106, de 28 de Março de 2005. Agora, pelo novo Código Civil de 2002, o adultério tão-somente importa em ato de grave violação dos deveres do casamento (dever de fidelidade recíproca) a ensejar a propositura da ação de separação judicial no juízo de família, com todos os seus consectários no direito a alimentos.

O apedrejamento, ou lapidação, como também é chamado, como forma de execução de condenados à morte, consistente em que os assistentes lancem pedras contra o réu, sem a produção imediata da perda da consciência, produz uma morte muito lenta. E, pode, assim, ser classificada como pena crudelíssima. E, sua imposição em delitos absolutamente estranhos e apartados do estado de beligerância, como o adultério, por exemplo, sem dúvida alguma, implica em gravíssima e lamentável afronta aos postulados universais da dignidade do ser humano, além de configurar extrema desproporção entre a pena e o fato imputado.

Razão pela qual nosso ordenamento pátrio autoriza, sim, à República Federativa do Brasil a acolher qualquer cidadão ou cidadã, condenados pelo sistema judiciário de seu país à pena de apedrejamento ou lapidação, com status de refugiado, ainda mais quando situada tal condenação criminal pela imputação de adultério, que sequer é tipificado como infração penal em território brasileiro. Tudo, para se fazer preservar a primazia da dignidade da pessoa humana e a prevalência e efetividade dos direitos humanos.

Preconiza a Lei Federal 9.474, de 22 de Julho de 1997:
“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
(…)
III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, ao qual o Brasil fez expressa adesão, qualifica em seu artigo 7º como crime contra a humanidade, da competência material daquela Corte, o homicídio, a prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, e a tortura, cometidos de modo sistemático. Por tortura, adverte o Estatuto, deve se entender o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado.

Assim, o respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e a observância desses mesmos direitos e liberdades não ressoa como uma faculdade concedida aos Estados-Membros da Organização das Nações Unidas. O desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos não é tônica dos Estados de Direito.

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