Desobediência a decisão

Justiça anula licitação não autorizada no Pará

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8 de setembro de 2010, 6h00

"Vergonha, barbárie, incidência, imoralidade, uma lambança sem fim. Não há qualificação para o descumprimento judicial patrocinado pela Coordenadoria Jurídica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente ou por quem lhes deu as ordens mais absurdas, se é que vai ter coragem de aparecer para confirmar a autoria".

É assim que o juiz de Direito da 2ª Vara Pública da Fazenda de Belém (PA), Marco Antônio Lobo Castelo Branco, classificou a atitude da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMA) ao ignorar decisão judicial que suspendia a realização do pregão para contratação de uma empresa especializada em inspeção veicular no estado. Por isso, o juiz determinou a anulação de todos os atos praticados pela secretaria durante o pregão feito no último dia 25 de agosto.

Depois de o juiz suspender, em junho passado, o leilão para a contratação de empresa, o governo do Pará marcou para o dia 25 de agosto a sessão de recebimento de envelopes com propostas de preços e documentos de habilitação dos licitantes interessados em participar de nova licitação para a instalação de inspeção veicular no estado.

Por considerar que o edital publicado pela SEMA no último dia 13 de agosto era só uma ratificação do primeiro, o Instituto Brasileiro Veicular decidiu entrar com Mandado de Segurança para tentar impedir a sessão marcada para o dia 25 do mesmo mês. De acordo com o Instituto, no documento, foram mantidas várias ilegalidades do edital anterior. Também as alterações feitas às pressas trouxeram novos vícios, além de diversas contradições entre datas, exigências, conceitos e outros, segundo a ação.

O principal questionamento do IBV foi de que a contratação para serviços especiais, conforme detalhava o edital, não devia ser feita por pregão, destinado somente para a contratação de serviços comuns como pintura, jardinagem etc.

O pregão está regulado pela Lei Federal 10.520/2002 e, no âmbito estadual, pela Lei 6.474/2002 e pelo Decreto 199/2003 paraenses. As normas restringem a utilização da modalidade pregão somente para a contratação de serviços que não demandem análise técnica aprofundada.

Diante do previsto, segundo o Instituto, a inspeção veicular ambiental não se enquadra no conceito legal de serviços comuns, em razão da necessidade técnica exigida. Além disso, o artigo 4ª da Lei 6.474 não permite a realização de licitação na modalidade de pregão para serviços que envolvem engenharia (construção dos centros de inspeção).

Outra exigência apontada pelo IBV é no que diz respeito ao atestado que comprova que o responsável técnico tem experiência na realização de pelo menos 750 mil testes em inspeção. O primeiro edital exigia 1,5 milhão de testes. “Por mais que se tenha reduzido o quantitativo exigido, em comparação ao edital antigo, a nova exigência ainda é incompatível ao que costuma ocorrer nas licitações”, diz a petição.

Além disso, o IBV afirma que o edital divulgado é confuso também quanto ao “critério de aceitabilidade” do preço unitário das propostas, por não vincular o valor a ser pago ao contratado. Segundo o instituto, essa prática burla a Lei 10.520/2002. Para a entidade, essa questão não é só ilegal, mas confusa, pois o pagamento da remuneração está unicamente atrelado à arrecadação da Taxa de Inspeção Veicular Ambiental (TIVA) pelo DETRAN do Pará e não à efetiva prestação dos serviços de inspeção veicular ambiental. "Da forma como previsto no edital, poderia haver o pagamento ao prestador sem que este tenha realizado, efetivamente, a quantidade respectiva de inspeções."

Diante do que foi exposto pelo IBV no MS, que pedia o cancelamento do pregão no dia 24 de agosto — um dia antes de acontecer o processo —, o juiz Marco Antônio Lobo Castelo Branco, da 3ª Vara de Fazenda da Capital, concedeu liminar suspendendo a realização do pregão. Segundo o juiz, a complexidade do tema e a similaridade deste edital com o de junho passado, que também buscava a criação da inspeção veicular no estado, são os principais motivos para a suspensão.

Realização
Mesmo diante da liminar, o governo do Pará não só realizou o pregão proibido pela Justiça, como assinou o contrato administrativo. O IBV ingressou com dois novos Mandados de Segurança, pedindo a nulidade do pregão realizado sem autorização judicial e a suspensão do contrato administrativo assinado em decorrência do pregão.

Depois que o oficial de Justiça impugnou o pregoeiro e a sessão, a coordenadora do núcleo jurídico da SEMA, Andrea Motta, reabriu a sessão e coordenou os trabalhos.

Diante de tudo o que aconteceu, o juiz declara em sua sentença que tal fato é estarrecedor, pois ocorre em plena vigência do regime democrático. “As pessoas não deveriam ter medo de ‘baionetas’, de canhões, de exércitos ou de milícias. Deveriam ter medo do indivíduo que não acredita na democracia. Este viola as liberdades e o direito alheio como quem enxágua a consciência suja na privada das injustiças. É o que acha que ordem de juiz não significa nada, que cruzam o sinal vermelho mesmo sabendo que outros podem até perder a vida por conta de se aproveitar um simples resto de sinal”. Para ele, este é o “’câncer’ que germina subcutaneamente no tecido social. "Estes bonapartes sem glamour e cultura são os mais perigosos”, enfatiza o juiz.

Para o juiz, o Judiciário é o pilar que sustenta o edifício da democracia. Dessa forma, “são inadmissíveis descumprimentos de ordens judiciais em um regime de normalidade democrática. Tais descumprimentos são perigosos na medida em que difundem a ideia de que os problemas se resolvem pela força. Não se suportam mais os reiterados descumprimentos de ordens judiciais praticados nesta cidade”, completa.

Diante do exposto, “não há mais nada a dizer senão tomar as providências previstas em lei”. Dessa forma, o juiz determinou a anulação de todos os atos praticados pela Coordenadoria do Núcleo Jurídico da SEMA durante o pregão.

Leia aqui o MS pedindo a suspensão do processo.
Leia aqui a liminar de suspensão do processo.
Leia aqui a sentença de anulação do processo.

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