Arma em punho

Criminalista diz ter sofrido ameaça de promotor

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7 de setembro de 2010, 7h31

“Fica longe desse fórum porque agora a arma não vai ficar só no meu coldre, não.” A arma a que o promotor de Justiça José Antônio Freitas Dias Leite se referia, calibre 0.4, segundo o criminalista Geraldo Guedes da Silva, foi ostentada durante uma audiência no dia 17 de agosto de 2010, na Comarca de Três Marias, a 270 quilômetros da capital mineira. “Ele disse: ‘Aqui não é BH, não. Se você não maneirar, a coisa vai ficar feia pro seu lado’”, contou o advogado, que é presidente da Associação dos Advogados Criminalistas de Minas Gerais.

Os fatos já foram relatados ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público, assim como à Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais. O presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas, Rodrigo Pacheco, declarou que a OAB mineira está aguardado o encaminhamento dos autos para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

A audiência em questão trata do caso de W.R., um garoto de 17 anos acusado de estar associado ao tráfico de entorpecentes, fazendo as vezes de “aviãozinho”, como é conhecida a pessoa encarregada de revender a droga ou de repassá-la a terceiros. Uma série de irregularidades é apontada por Guedes e também por Eduardo Lopes Coutinho, um segundo advogado que teria presenciado as ameaças, no que diz respeito à prisão do menino.

Coutinho conta que o menino foi preso em uma circunstância que a doutrina jurídica chama de “crime preparado”. O procedimento acontece quando a polícia, ansiosa por realizar o flagrante, infiltra um agente próprio no ambiente onde o delito seria praticado. A prática, embora comum na prisão de suspeitos por tráfico de drogas, apenas para citar uma ocorrência, não é reconhecida como válida pela jurisprudência. Isso porque, ao armar a arapuca, cercar o local com policiais disfarçados e acompanhar de longe a transação, o que se sucede é um “crime impossível”. Em outras palavras, equivale a dizer que o desencadear dos fatos caracteriza-se como uma farsa.

O advogado aponta ainda, como uma segunda irregularidade, o fato de o menino de 17 anos ter permanecido em uma cela de prisão comum, “na delegacia da Comarca de Três Marias, ao lado das celas femininas”. O Estatuto da Criança e do Adolescente versa sobre o tratamento a ser dado em relação a adolescentes infratores. A prisão de menores de 18 anos em estabelecimentos de detenção públicos, destinados a adultos, é proibida pela lei.

Há ainda uma terceira violação. Coutinho conta que, no dia do flagrante, o menino teria sido espancado e sugestionado a uma confissão forçada. “O promotor de Justiça estava no interrogatório e viu o menino apanhar. Por isso, fui perguntar pra ele se ele não tinha consciência de que a confissão não valia”, relata o advogado.

Foi quando José Antônio, conforme relato de Coutinho, disse: “O senhor está parecendo um advogado primário. Por que o senhor não toma a medida apropriada?”. Até então, a segunda audiência sobre o caso havia transcorrido de forma normal. Somente no intervalo a discussão começou. “A medida apropriada”, respondeu, “pode demorar muito tempo pra resolver o problema. O senhor viu o que aconteceu na delegacia”.

Guedes conta que o membro do Ministério Público dirigiu-se a ele afirmando que “advogado de traficante é traficante”. José Antônio então empunhou a arma contra ele. Além disso, disse ao garoto que no município de Três Marias “tem presídio para menor”. Ofensas também teriam sido dirigidas a W.R., que foi chamado de “moleque”, “safado” e “mentiroso”.

Durante a audiência, o cenário não mudou. O promotor “coçava a cabeça com a arma de fogo a e deixava descansando sobre a mesa”. “Em determinado momento”, conta Coutinho, “ele disse que deixaria a arma apontada contra mim”. A advogada Raquel Mendonça, que também estava presente na audiência, teria sugerido que Coutinho fosse preso por desacato, tendo declarado que “não gostava que maltratassem quem ela gosta”. Coutinho é categórico: “O promotor pode, sim, portar arma durante as audiências. O que não pode acontecer é ele ostentar a arma e usá-la para intimidar os presentes”.

O promotor José Antônio ocupa há três anos o cargo do Ministério Público de Minas Gerais. Segundo ele, as afirmações “padecem de veracidade”. A notícia, conta ele, que é infundada, teria sido originada em virtude de uma Ação Penal interposta por ele contra Guedes, sobre a qual “não gostaria de fornecer maiores detalhes”. Guedes, por sua vez, nega e relata outra história.

Segundo Guedes, a atitude do promotor tem origem em uma denúncia apresentada por ele, há dois anos. Em 2008, Guedes encaminhou à Ordem dos Advogados do Brasil mineira a informação de que a juíza titular da Comarca de Três Marias e o promotor estariam morando em residências pertencentes à Prefeitura Municipal.

Em 1º de setembro, a família de W.R. lavrou uma escritura pública segundo a qual José Antônio teria chantageado a liberdade do menino de W.R. A ameça era de que, caso o adolescente não trocasse de advogado de defesa, ele não seria absolvido.

Na ocasião dos acontecimentos no Fórum Guimarães Rosa, tanto a juíza quanto os cerca de 20 policiais militares que presenciaram a cena não esboçaram reação. Coutinho informa que o Capitão Valdeci, inclusive, seria o instrutor de tiro do promotor. A reportagem da Consultor Jurídico tentou conversar com a juíza Arlete Aparecida da Silva Coura, mas não obteve sucesso.

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