Orientação Jurisprudencial

Métodos de investigação têm lacuna legislativa

Autor

5 de setembro de 2010, 8h18

A atenção dos agentes na escolha do método da investigação e na forma como será conduzida pode significar o sucesso ou o fracasso de uma investigação. Para especialistas, os princípios constitucionais devem ser observados sob o risco de contribuir para a sensação de impunidade na sociedade. Processos com provas ilícitas são anulados nos tribunais superiores, porém, muitos dos métodos ainda carecem de regulamentação.

“Para evitar que uma operação da Polícia Federal seja anulada é necessário fazer a investigação à luz dos princípios constitucionais”, afirmou o delegado de Polícia Federal Daniel Nunes durante o 16º Seminário Internacional Brasileiro do Instituto de Ciências Criminais. Mas apenas isso não basta, conforme analisa o procurador da república Rodrigo de Grandis. “Não há regulamentação para a aplicação de muitas das técnicas especiais de investigação.”

O delegado afirma que a investigação de crimes econômicos demanda um conhecimento mínimo por parte dos agentes para não correr o risco de acusar um inocente. “Depois que o estrago está feito, é irreparável”, aponta. “A abertura de uma off shore simplesmente não configura crime”, exemplifica. Ele diz também que as técnicas especiais de investigação previstas na Convenção de Palermo e a Lei 9.034/95 são aplicadas apenas em casos de crimes Lavagem de Dinheiro ou cometidos por organizações criminosas.

Nunes explica que uma diligência mal conduzida, pode gerar uma prova ilícita, o que comprometerá todo o processo caso ele venha a ser aberto. “O agente na intenção de ajudar, pode incorrer em erro ao tentar conseguir indícios mais robustos. Ele deve sempre respeitar a Constituição sob risco de gerar um gasto de dinheiro público em vão”, ressalta. Citando uma decisão do ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, ele diz: “O desprezo à ordem jurídica não implica avanço para a sociedade e sim, um retrocesso”.

Entre os métodos especiais descritos no inciso III da Lei 9.034/95, o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais necessitam de autorização judicial. Ele indica que a coleta de informações no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pode ajudar na contribuição de indícios em uma investigação. “Pode-se verificar na fonte pagadora se há alguma movimentação não usual com os salários dos funcionários e os vínculos empregatícios”, explica.

Outra forma de investigação que também exige autorização judicial é o acesso às informações dispostas no sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen). Nunes indica que é possível averiguar informações de registro de uma empresa ou até mesmo de uma empresa de contabilidade. Através da assinatura digital de contratos de câmbio, também é possível verificar que registro faz as movimentações financeiras da empresa.

O acesso às informações de cartórios, onde estão registrados contratos sociais, não precisam de autorização judicial e também colaboram nas investigações. Segundo Nunes, mais importantes do que os contratos sociais, são as procurações também lavradas nos cartórios. “Uma pessoa pode constar como dona de uma empresa, mas não fazer ideia do que a empresa tem como atividade econômica porque não é ela quem controla a empresa”, observa.

A consulta nos órgãos de proteção ao crédito é outra fonte de informação financeira observada no curso de uma investigação, como o SPC/Serasa. O delegado explica que com uma consulta é possível ver as tentativas de empréstimos de crédito. Além de ser o banco de dados atualizado do Brasil. Outro banco de dados que pode ser acessado para confirmar indícios, são os IPs de acesso à Receita Federal e ao Banco Central. “Que computador e que local foi utilizado para tratar de algum interesse da empresa pode demonstrar vínculo das pessoas investigadas”, aponta.

Métodos polêmicos
O delegado também indica que uma pessoa poderá passar informações que colabore na investigação, como um informante, mas esta requer atenção especial. “Não se sabe o verdadeiro interesse e métodos utilizados por tal fonte para obtenção dos indícios ofertados ao estado. E ainda não há a possibilidade de contraditório”, recomenda Nunes.

O procurador De Grandis acrescenta que existe uma diferença entre o agente infiltrado e encoberto. O infiltrado capta a confiança do criminoso e se insere no grupo criminoso. Já o agente encoberto toma conhecimento da atividade criminosa sem angariar a confiança, é apenas um informante.

Ele explica que a maior dificuldade está na falta de regulamentação das técnicas especiais. “A utilização do agente está prevista genericamente, inclusive nos diplomas internacionais subscritos pelo Brasil, que aqui têm força de lei ordinária.” Ele observa que apesar de não haver uma regulamentação que aponte como será a atuação do agente, é “o juiz que deverá estabelecer pormenorizadamente como a medida deve ser efetivada”.

“Eu nunca tive, felizmente, a oportunidade de trabalhar com agentes infiltrados porque apesar de a Lei 9.034/95 permitir, ela não regulamenta como deve ser feita, diz apenas que precisa de autorização judicial”, observa. “Haveria a dificuldade de estabelecer a legalidade da prova que viesse a ser obtida na infiltração”, atenta.

Polêmica, mas também utilizada é a exploração de local, conforme ocorreu na Operação Hurricane que investigou a venda de sentenças judiciais para favorecer o jogo ilegal no Rio de Janeiro. Nessa, os agentes entram no imóvel para colher cópias do que considera importante, sem o investigado ter conhecimento.

O procurador afirma que a jurisprudência é que vai estabelecer os limites da utilização destes métodos especiais. “O Supremo Tribunal Federal fez uma razoável indicação fez uma indicação no Inquérito 2.424”, afirma. Para ele, a decisão do Supremo sobre a Operação Hurricane estabeleceu dois critérios importantes para a persecução penal, o de subsidiariedade e proporcionalidade.

“Os métodos especiais só podem ser utilizados quando não existe outra forma de investigar, como no caso de crimes complexos. Seria razoável e proporcional utilizá-los”, define.

Nunes diz que o mesmo método pode ser usado em ambiente virtual. Neste, o agente entra no sistema ou no computador do investigado e faz cópias de conteúdos que possam evidenciar algum ato ilícito. Essa invasão levanta um outro debate, sobre a abertura de e-mails não lidos pelo dono do registro, bem como é a regulamentação para abertura de correspondências.

Ele conta que o assunto já foi tema de debate na Suprema Corte nos Habeas Corpus 70.841 e 96.577. O entendimento nestes casos é que a correspondência poderá ser aberta se o investigado é condenado. E no outro, o STF decidiu no sentido de que não é possível abrir a correspondência de uma pessoa que é apenas investigada. Assim, não se pode tratar o particular da mesma forma que o condenado.

Entretanto, o procurador Rodrigo de Grandis afirma que a abertura de e-mails não lidos poderia ser feita em casos que a própria mensagem é o delito, “como acontece nas correspondências que permitem o transporte de entorpecentes”. Ele cita ainda crimes de pedofilia e racismo, no qual o e-mail pode ser o próprio crime.

A investigação pode ainda se valer de monitoramento ambiental com imagem e som, mas esta não se aplica a qualquer investigação. Segundo Nunes, ela não exige uma série de requisitos, já o monitoramento telefônico que só é utilizado em último caso, está bem regulamentado.

Ele cita a condenação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) por interceptação ilegal. No caso Escher y otros vs Brasil, cinco membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que tiveram ligações telefônicas grampeadas ilegalmente foram indenizados por violação ao direito à privacidade e honra, liberdade de associação, garantias judiciais, difamação e impunidade.

Os telefonemas foram gravados durante 49 dias e o conteúdo das gravações foi divulgado em partes em uma coletiva de imprensa por ordem do então secretário de Segurança Pública do Paraná, Cândido Martins de Oliveira. A veiculação das gravações gerou a acusação de desvio de verbas repassadas pelo governo e de ameaça à segurança de autoridades locais.

De acordo com a sentença, o Brasil, além de indenizar os líderes do MST, foi obrigado a retomar as investigações dos fatos que geraram as violações. 

Quando se trata de crimes econômicos a maioria não ocorre somente em solo brasileiro, assim diligências internacionais e cooperações jurídicas também são utilizadas. Na diligência, o agente vai até o exterior e checa informações que podem estar ao acesso de todos, como um endereço. O ponto desfavorável deste método, afirma Nunes, é não existir ainda uma manifestação dos tribunais superiores sobre a possibilidade do uso de informações colhidas dessa forma no processo.

O procurador concorda com o delegado ao apontar que ela pode suscitar dúvidas sobre se as informações apuradas tem valor ou não, uma vez que, não é feita formalmente. “Para que a prova tenha efetivamente força no âmbito do processo penal eu não posso trazê-la informalmente.” Já na cooperação jurídica internacional, a pesquisa conta também com a participação de autoridades internacionais, através de pedidos formais ao país. “A cooperação jurídica internacional afastaria todo e qualquer problema”, endossa.

O delegado ressalta que outro método de investigação poderia estar sendo usada com certa frequência e irregularidades, como é o caso das conduções coercitivas. Quando uma testemunha de um processo não comparece para depor, a polícia poderia buscá-la e encaminhá-la para o local onde será feito o depoimento. Os excessos são quando réus são coagidos a comparecer na polícia ou no Ministério Público.

Ele cita um julgado do Supremo, o HC 99.893, que esclarece a quem cabe à condução coercitiva. A decisão estabelece que apenas testemunhas poderiam ser encaminhadas desta forma, jamais réus. O acusado deve falar apenas no seu interrogatório.

Legislação incompleta
Segundo o procurador da república Rodrigo de Grandis, essas medidas específicas são utilizadas em casos de crimes econômicos porque estes não são cometidos no meio da rua. “Os crimes econômicos têm escassa visibilidade, no mais das vezes, não tem nem testemunhas para arrolar, diferente de crimes como furto ou estelionato”, ressalta.

Outra dificuldade é a aplicação da Convenção de Palermo. “As técnicas especiais previstas nessa convenção só podem ser utilizadas em investigações de organizações criminosas e lavagem de dinheiro.” Mas o termo organização criminosa também precisa de uma definição mais aprofundada, o que segundo Grandis deverá acontecer em breve.

O Habeas Corpus 96.007, que aborda essa questão, já foi deferido pelos ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, mas aguarda decisão da ministra Cármen Lucia, que pediu vista em novembro de 2009. O processo está na 1ª Turma do Supremo, presidida pelo ministro Ayres Britto. O recurso foi impetrado por Estevan Hernandes Filho, da Igreja Renascer, e pede para trancar o inquérito que tramita contra ele em São Paulo, com base na ausência de definição na legislação para organização criminosa.

Na colaboração premiada, novamente a lei deixa vaga forma como ela deveria ser feita. “Isso causa um ruído que será posteriormente analisado pelas Cortes Supremas.” O procurador afirma que existem delações que são feitas através de contratos, mas disso surgem muitas dúvidas. “O juiz que homologa esse contrato? E se esse juiz sair de férias e o substituto entender que aquilo não vale nada? O mesmo pode acontecer com o promotor?”, questiona.

“Se de um lado ele estabelece uma segurança para as partes que compõe, também cria dificuldades de natureza constitucional”, alerta. Em São Paulo, não é feito por um contrato, ela é feita no âmbito do processo anterior à denúncia, e o Ministério Público oferece a denúncia contra ele também. “Mas, é feito sob crivo do contraditório”, aponta.

“A lei não traz os meios por intermédio dos quais nós poderíamos nos valer dos métodos especiais de investigação. Essa postura do legislador é que vai acarretar no âmbito da jurisprudência o conjunto de anulações.”

Ele diz que não se surpreende quando os tribunais superiores anulam provas, porque essas decisões vão construir uma jurisprudência que a legislação deixou em branco. “As anulações ocorrem porque o judiciário, em especial as Cortes Superiores, está se adaptando a essa nova criminalidade e o nosso ordenamento jurídico, ou seja, as leis, não apresentam regulamentação adequada. A jurisprudência, aos poucos, vai preenchendo esse vácuo legislativo. Isso, contudo, leva tempo.” “A tendência é que daqui pra frente essas anulações diminuam”, finaliza.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!