Economia mundial

Brasil precisa entrar no jogo das patentes

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5 de setembro de 2010, 9h30

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Luiz Henrique Amaral - Spacca - Spacca

O presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Luiz Henrique Amaral, é categórico em afirmar que o Brasil precisa entrar no “jogo das patentes”. De acordo com ele, isso é essencial para que o país siga realmente na rota do crescimento almejado e consiga fazer frente no mercado internacional em todos segmentos, já que em outros países a cultura da patente é muito mais desenvolvida e colocada em prática.

De acordo com Amaral, a Lei Brasileira de Patentes criou um mecanismo de “não crescer”, porque os “brasileiros acham que os estrangeiros vão tomar a biodiversidade local”. Por conta disso, explica, colocou-se na lei que o material biológico não pode ser patenteado quando isolado da natureza. “Se eu descobrir uma fruta que tenha propriedades para curar dor de cabeça, e faço um mapeamento do DNA para descobrir qual é a característica que tem essa propriedade, eu isolei da natureza. Nesse caso, a lei diz que material isolado da natureza não tem proteção”, explica.

Para Amaral, o Brasil ainda não tem capacidade para produzir uma droga sintética a partir de um produto encontrado na natureza, cujo custo em pesquisas e desenvolvimento é de US$ 100 milhões, calcula. “O brasileiro até tem condições de encontrar, mas não para desenvolver a pesquisa que pode resultar num produto, porque não tem laboratório capacitado para isso. Essa postura de espantar as pesquisas estrangeiras nesse sentido é um tiro no pé, porque os grandes laboratórios de fora querem exatamente isso, já que abre uma brecha para eles se aproveitarem de determinada substância para criar algo sintético, e não terão de pagar nada a ninguém”, explica.

Ele afirma ainda que geralmente essas descobertas são feitas após algum trabalho científico brasileiro mostrar as características daquela substância encontrada na natureza, no entanto, como nada foi patenteado, as indústrias de pesquisa acabam sendo beneficiadas.

Outra questão colocada pelo presidente da entidade é a importância da atualização da lei que discute os direitos do autor no país. A consulta pública para o projeto de reforma da Lei de Direitos Autorais segue até o fim deste mês, e aproveitando a data, a ABPI organizou o XXX Congresso Internacional de Propriedade Intelectual, que aconteceu no final de agosto em São Paulo. Entre os diversos temas abordados, especialistas discutiram a reforma da lei e também a forma como a internet e os meios digitais mudaram a relação do consumidor com os produtos culturais e também a remuneração dos autores das obras.

“A lei precisa ser revista, porque é necessário que os produtores de conteúdo sejam devidamente reconhecidos e remunerados pela produção. Não se pode esconder essa questão sob a ótica do acesso à cultura e a democratização da informação”, comentou Amaral.

Ele afirma que ainda há muita insegurança no Judiciário para tratar de questões relacionadas à internet, com decisões contraditórias e uma ausência de diretrizes para que se possa responsabilizar aqueles que realmente cometeram algum tipo de ilícito na rede.

Um exemplo dado pelo presidente da ABPI é o caso envolvendo o lançamento de um dos filmes da série Star Wars. Ele conta que o filme foi roubado antes do lançamento oficial e acabou caindo na internet. Um site na Europa começou a retransmitir o conteúdo para todo o mundo, mas a empresa conseguiu identificar a quadrilha que havia roubado a bobina do filme na Califórnia e neutralizá-la. No entanto, quando os criminosos foram pegos, o filme já estava sendo copiado por diversos usuários. “Só que nesse intervalo de quatro dias, mais de 20 sites tinham o filme para o download. O prejuízo da indústria só não foi maior aqui no Brasil, que também conseguimos neutralizar algumas cópias piratas, porque a conexão ainda é lenta se formos comparar com outros lugares do mundo.”

Luiz Henrique do Amaral é sócio do escritório Dannemann e Siemsen, além de presidente da ABPI. Formou-se em Direito pela Universidade Candido Mendes e atua na área de marcas, indicações geográficas, Direito Autoral, transferência de tecnologia, comércio eletrônico, tecnologia da informação. O advogado também é integrante da Associação Brasileira de Agentes de Propriedade Industrial, Câmara do Comércio Americana do Rio de Janeiro, Associação Internacional de Proteção da Propriedade Intelectual e Associação Interamericana de Propriedade Intelectual.

Leia a entrevista:

ConJur — De que forma o senhor avalia a proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais [Lei 9.610/1998], cujo prazo de consulta pública se encerra no fim do mês?
Luiz Henrique Amaral — A Associação Brasileira de Propriedade Intelectual formou um grupo de estudos que tem 51 pessoas para atuar na revisão desse material. Vamos apresentar o posicionamento da ABPI perante à consulta pública. A ABPI está reivindicando junto ao Ministério da Cultura um assento no grupo de entidades que vão rever essas conclusões.

ConJur — A associação já fez alguma proposta?
Luiz Henrique Amaral — Não. Representantes da diretoria da ABPI já vinham atuando no Ministério da Cultura na discussão do assunto, mas de uma maneira informal. Agora, a ABPI vai reivindicar uma atuação mais ativa como entidade. O grupo de estudos é formado por integrantes do nosso Comitê Empresarial e pelo Comitê de Direitos de Autor. O anteprojeto propõe alterações que merecem ser estudadas com muito cuidado. Se a proposta virar lei, o conteúdo jornalístico, por exemplo, terá uma proteção extremamente limitada. O conceito adotado é o da não proteção, o que permite que qualquer um possa copiar o conteúdo produzido. É um exagero da legislação. Não há nenhum incentivo à cultura e à difusão à informação, no caso de se deixar de proteger esse conteúdo, que requer esforço e trabalho intelectual para ser produzido.

ConJur — Hoje já não há muita proteção, não é?
Luiz Henrique Amaral — Embora hoje não exista muita proteção, imagine quando não tiver nenhuma. Qual será a vantagem de um site especializado, com profissionais capacitados e que se dedicam, se amanhã alguém pode simplesmente criar um site e capturar todas as informações? Não pode ser dessa forma.

ConJur — No geral, como o senhor avalia a reforma que está sendo proposta? Há um dispositivo, por exemplo, que permite o presidente da República licenciar uma obra à revelia do autor.
Luiz Henrique Amaral — O projeto adota um perfil mais permissivo, que na área de direito do autor é perigoso, porque reduz a proteção. Esperamos que esse não seja o perfil final. Reconhecemos que existem pontos que precisam ser atualizados, como a mídia digital, que faz parte dessa nova realidade. O conteúdo que é produzido hoje tem uma velocidade muito maior do que no passado. Nesse contexto, a proteção é mais importante, porque quando se tem toda essa facilidade à disposição, as infrações e violações acontecem com mais agilidade também.

ConJur — Mas é consenso que a lei necessita de atualização?
Luiz Henrique Amaral — É preciso lidar com essa nova realidade. No atacado todo mundo concorda, no varejo é que os problemas começam a surgir. Nos detalhes é que você começa a ver as divergências. Mas existem discussões que estão no Judiciário e precisam de uma definição. Por exemplo, a responsabilização do provedor. Um site que é usado como mecanismo para uma determinada atividade, deve ser responsabilizado pelo conteúdo que está sendo publicado ou não? O provedor da internet que coloca esses canais se equipara a uma linha telefônica? Por exemplo, eu pegar o telefone e combinar um crime com alguém não transforma a companhia telefônica corresponsável por esse crime. Um provedor de acesso ou conteúdo que hospeda um site que vende produtos pirateados é responsável ou não? Ou seja, ele é efetivamente um canal de venda que se responsabiliza ou é um mero canal de acesso, como uma companhia telefônica? Isso gera uma enorme insegurança jurídica para todo mundo. Em princípio, o site não é responsável, desde que ciente do que estava acontecendo para tomar providências para apurar e corrigir. É isso que a gente precisa definir claramente na legislação. Nos Estados Unidos há um mecanismo para notificar o site. Tem que informar ao titular daquilo que está sendo questionado. Quando tira do ar ele não se responsabiliza. Mantendo no ar ele passou a ser corresponsável.

ConJur — De que forma funciona atualmente, quando um conteúdo irregular tiver de ser retirado do ar?
Luiz Henrique Amaral — Vamos imaginar uma falsificação de brinquedo para crianças. O produto falso está sendo anunciado no site de leilão ou no site de vendas. O titular de direito fala: “Para com isso, porque é crime”. Aí o site responde: “Eu não tenho nada a haver com isso. Eu sou como se fosse a linha telefônica, não me responsabilizo”. A questão da responsabilidade surge nesse momento. O Judiciário tem que se defrontar com a discussão e tomar uma posição. Mas é difícil, porque muitas vezes os provedores não estão nem no Brasil. A discussão sobre a nova lei de direito de autor é uma oportunidade para a gente lidar com a realidade e introduzir um pouco de organização.

ConJur — Mas, no fim das contas, de quem é a culpa?
Luiz Henrique Amaral — Depende. Como provedor você tem maneiras diferentes de hospedar determinados sites. E uma delas é que você mantém todo o IP como provedor e não permite que eu, como titular do direito, descubra quem está cometendo o ilícito. O fato de não ter uma regra não cria uma situação, mas sim uma instabilidade. Tenho clientes que são provedores, que são sites de leilão, que trabalham com esse tipo de atividades como canal. Eles se defrontam com uma quantidade enorme de processos. Eles próprios dizem: “Nós precisamos de alguma regra”. Os provedores ficam com medo de tirar o produto do ar, daí o cliente, que é o dono daquele produto, processa o site porque foi retirado do ar.

ConJur — Se eu tiver um blog e permitir que qualquer um tenha acesso e possa copiar o conteúdo, estou infringindo a lei de proteção?
Luiz Henrique Amaral — Em princípio está. O blog é importante e está gerando uma febre judicial. Há uma falsa percepção de que, ao ter um blog, ao entrar no Facebook ou Orkut, aquilo seria um espaço privado, mas não é, porque você está fazendo uma publicação. Deve ser tratado como divulgação pública e não como divulgação privada. O caso dos falsos blogs em nome de pessoas conhecidas ou famosas é um exemplo disso. Recentemente fechamos um desses blogs, que tinha o nome de uma autoridade do setor financeiro brasileiro e fazia recomendações de investimentos e ações. O dono dizia que era privado, mas não é. Acho que ainda falta um pouco essa percepção do perigo da questão do blog.

ConJur — É diferente do caso de compartilhamento direto? Desses programas que fazem a ponte para que os usuários possam se conectar entre si, o chamado peer-to-peer.
Luiz Henrique Amaral — Exatamente. Quando eu crio um mecanismo eletrônico digital que facilita a pirataria entre os computadores de usuários é diferente. Eu não faço nada no meu site, porque crio uma “avenida” na qual você diz o que você está procurando e eu digo onde está. Nos Estados Unidos, o encaminhamento é no sentido de que eu, ao fazer isso, estou facilitando e permitindo a pirataria, portanto, estaria infringindo a legislação.

ConJur — A legislação brasileira não tem nada nesse sentido? Na proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais consta algo nesse sentido?
Luiz Henrique Amaral — Não. Por exemplo, eu tenho um programa de computador legítimo, e inclusive o direito de distribuir. Você está buscando alguns arquivos e eu te dou acesso. Não houve infração, delito. Essa é a justificativa exatamente de quem tem esse canal. Aí tem a analogia do fabricante de arma de fogo. Se você der um tiro em alguém a culpa é da fabricante? Essa discussão tem de ser resolvida no Brasil.

ConJur — Nesse contexto, a indústria fonográfica foi a mais atingida?
Luiz Henrique Amaral — Ela está sofrendo muito. Apesar de alguns artistas estarem lançando música de graça, a lógica é que o músico tem direito de ser remunerado por aquilo que desenvolveu. O principal problema é a pirataria mesmo, de CDs, que vêm prensados da China. Há feiras no interior onde são comercializados CDs piratas de todos os cantores sertanejos. Eles não conseguem viver de música porque tudo é pirateado. Precisam fazer shows. Se ficarem doente, não têm nada para receber. Fora a questão da internet.

ConJur — E aqueles casos em que se fez registros antecipados de domínio na internet? A Justiça sabe lidar com isso no Brasil?
Luiz Henrique Amaral — O Judiciário tem um prazo necessário para examinar as causas, tem o princípio do contraditório, tem toda uma ritualística própria. Demora muito tempo para chegar a uma conclusão. Se alguém registrou algo com o seu nome ou da sua empresa você vai ter de ir à Justiça, pedir uma liminar, discutir, toda aquela confusão. Em outros países, cujo domínio é somente “.com”, se organizou um procedimento quase arbitral de resolução de controvérsias. Quando há violação, há um procedimento de resolução de controvérsia junto à Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Essas decisões são respeitadas pelos provedores. Nestes casos, gasta-se em torno de US$ 700. Os documentos são apresentados via e-mail, a parte contrária é citada via e-mail e tudo é resolvido por e-mail.

ConJur — Essa solução funcionaria no Brasil?
Luiz Henrique Amaral —
A Fatesp [Faculdade Teológica de São Paulo] vem discutindo maneiras de criar uma forma de resolução parecida. A ABPI está montando uma Câmara de Conciliação e Arbitragem e vai se candidatar a ser um órgão de resolução de controvérsias no momento em que a Fatesp adotar esse modelo. O problema da pirataria no Brasil não foi tão grave quanto no exterior, porque existiam algumas limitações no passado.

ConJur — Outro problema corrente é em relação aos direitos dos herdeiros dos autores sobre as obras, do direito de sequência. Como o senhor avalia essa questão?
Luiz Henrique Amaral — Antigamente, o marchand negociava as obras, os titulares que compravam continuavam a revender com altos ganhos e lucros. A legislação atual já prevê o direito de sequência. Diz que o autor terá um direito de sequência sobre uma rentabilidade na transação das suas obras. Só que o problema da legislação é que ela não diz qual é o porcentual. Então, tudo acabava em juízo. Nesse atual projeto de reforma da lei já se inclui o porcentual. Esse direito prossegue com a obra até que caia em domínio público.

ConJur — Há processos em que se exige o pagamento de direitos autorais no uso de imagens no catálogo de uma exposição, por exemplo, o que a inviabiliza.
Luiz Henrique Amaral — A exposição em si, o herdeiro não pode proibir. O que ele pode proibir ou o próprio titular do direito é a exploração comercial da imagem. Ao comprar o quadro, você não está comprando a obra intelectual fixada no quadro, você está comprando o quadro. O direito de utilização não está sendo vendido. Porque aquele direito é detido pelo pintor e pelos herdeiros. Você não pode colocar a obra em uma revista. A reprodução de direito é outro direito do titular.

ConJur — Mas se a Secretaria de Cultura tem a obra, ela não pode expor?
Luiz Henrique Amaral — Vamos dividir em duas coisas diferentes. Se for para o fim específico da exposição não tem problema. Se for para divulgar outra atividade, não. Se eu tenho obras legítimas do Portinari e estou fazendo uma exposição, que tem catálogo é uma coisa. Agora, se sou uma empresa que compra a obra e eu vendo os meus acervos utilizando aquela imagem para chamar a atenção, quebrei esse princípio.

ConJur — Muitos herdeiros também reclamam da utilização do nome ou imagem em biografias. Nestes casos há violação?
Luiz Henrique Amaral — A liberdade de expressão é um princípio constitucional. Eu posso escrever um livro sobre a vida de uma pessoa desde que eu respeite vários parâmetros. Tenho de ser comedido nos meus comentários, não difamar, não criar fatos que não existiram. A maioria das brigas no Brasil sobre a biografia não repousa no fato de eu poder escrever sobre a vida da pessoa. Geralmente, elas se dirigem a aspectos específicos do que foi escrito. Tem um caso em que atuamos, de um grande empresário da área de siderurgia, cuja vida foi retratada num livro, com fatos relacionados à aquisição da empresa, que no entender dele não eram verdadeiros e difamavam sua imagem. Não havia nenhuma prova do que estava se dizendo. Conseguimos uma medida judicial para impedir a publicação do livro por conta do conteúdo. Não é o fato de contar a história, mas o que estava proibido era a forma como ele foi feito.

ConJur — O caso da biografia do Roberto Carlos é um exemplo.
Luiz Henrique Amaral — Ele se sentiu exposto. O problema não era a obra, mas sim um capítulo em que se relatou o episódio de quando ele perdeu uma perna de uma maneira que ele não se sentiu bem. É questionável? É questionável. Aí você vai para a Justiça e é o entendimento do Judiciário. O direito de você poder escrever é básico. O problema é sobre o que foi escrito e como foi escrito.

ConJur — O senhor acredita que um dos problemas mais graves nessas questões é equilibrar o direito e o acesso à cultura com o direito daqueles que produziram as obras?
Luiz Henrique Amaral — A difusão do conhecimento, da informação e do conteúdo é um princípio básico do direito de autor, do direito de propriedade industrial e de patente. O objetivo final desses direitos é você dar algo à sociedade para que integre um fundo comum de cultura, que possa ser livremente utilizado. Isso não há duvida. Esse é o objetivo final, mas se contrapõe ao fato de que o criador merece o reconhecimento de uma exclusividade sobre aquilo. Para que não seja simplesmente copiado, usurpado sem que ele não possa sequer tirar proveito do que criou. Isso ocorre tanto na área de patentes quanto na área de direito de autor. A legislação diz que na área de direito do autor a obra será protegida por 50 anos a contar de 1º de janeiro de sua morte. Depois disso, cai em domínio público. A obra coletiva é 70 anos de 1º de janeiro do ano seguinte do término da obra.

ConJur — O direito à cultura só pode ser exercido 70 anos depois?
Luiz Henrique Amaral — O direito à cultura está no princípio do direito de autor e existem várias ressalvas ao direito de autor que permitem que ele seja utilizado. Existem formas justas de se utilizar a obra, e outras injustas. Há as exceções, a proteção ao direito de autor, que é uma lei. E a lei recepciona várias coisas, por exemplo, a citação da obra em parte dentro do contexto de uma obra maior não tem problema nenhum.

ConJur — Mas não pode copiar tudo?
Luiz Henrique Amaral — A ideia é livre. Todo mundo pode usar a livre ideia. Cada um vai exprimir de maneira particular. No caso de patente, você tem a proteção da invenção por 20 anos do depósito e 10 anos da concessão. Passou aquele período, a tecnologia cai em domínio público. Passa a incorporar o fundo comum de cultura para poder ser explorara da sem nenhuma restrição. E também na lei de patentes existem as exceções, limites da proteção, atos que não vão ser considerados infração. Como, por exemplo, fazer experimentos e experiências. Na área do direito de autor, o autor tem o direito de manter algo inédito. Se eu escrevi um livro e eu não quero que seja publicado, tenho esse direito.

ConJur — Isso se enquadra em casos de pessoas que posaram nuas e depois pediram para retirar a revista de circulação?
Luiz Henrique Amaral — É direito de imagem, quase a mesma coisa. Só que o direito de imagem no Brasil está previsto na Constituição, é absoluto. Quem relativizou foi o Supremo Tribunal Federal em algumas situações. Se eu publiquei uma foto 10 anos atrás e hoje eu não quero mais que essa foto seja publicada de novo, posso impedir. O STF considera que é uma renúncia tácita ao direito de imagem quem, durante o Carnaval, se expõe, por livre e espontânea vontade, à apreciação pública. Nesses casos há o entendimento de que a pessoa não está procurando a privacidade.

ConJur — E se for em outra ocasião?
Luiz Henrique Amaral — Se alguém estiver em casa tomando banho de piscina e for fotografado, pode impedir a divulgação. O STF já disse, durante o Carnaval, a pessoa que se expõe, por livre e espontânea vontade, está fazendo uma renúncia tácita daquele direito. Outro episódio de renúncia tácita que é menos discutido, mas que também existe, é em grandes aglomerações. Neste caso, não há direito, porque não é uma atividade individualizada, é uma aglomeração.

ConJur — Em relação a patentes, é possível patentear métodos de negócios, procedimentos e processos?
Luiz Henrique Amaral — O Brasil não permite o patenteamento, assim como ocorre nos Estados Unidos, mas lá o entendimento está mudando, para permitir a proteção dos métodos de negócios. A lei brasileira diz que não é patenteado o método, a metodologia. Há uma possibilidade de patenteamento daqueles processos que aliam algum tipo de sistema, de software, de sistemática em relação ao hardware e ao equipamento. Essa combinação pode ser perfeitamente uma patente de processo. Já o método é um esquema teórico, que não pode ser protegido por patente.

ConJur — Não é uma propriedade intelectual?
Luiz Henrique Amaral — A ideia é livre. O que é proibido é a expressão da ideia. Como a ideia foi expressa em um texto, em uma música. Triângulo amoroso é uma ideia. Existem milhões de livros que tratam deste assunto de forma diferente. Isso é um conceito de que algumas coisas ligadas à ideia, à formação do pensamento têm de estar ali para permitir que o conhecimento se desenvolva. Na área de patentes, é a mesma coisa. O pessoal diz que o programa de computador não é patenteado no Brasil. É verdade. Mas o programa de computador, quando aliado ao equipamento, ao hardware, para fazer determinada tarefa, passa a ser.

ConJur — Como essa questão das patentes funciona no caso dos organismos geneticamente modificados?
Luiz Henrique Amaral — Quando uma semente é patenteada, o produtor vai ter de pagar royalties durante o período de validade do direito. Não é preciso pagar eternamente. Vai pagar durante o prazo da patente, que é de 20 anos do depósito ou 10 anos da concessão. Há casos que esse período é ultrapassado, porque o dono da patente ficou esperando 20 anos, 25 anos a administração pública examinar o caso. Daí ele não pode ser penalizado porque não teve o direito.

ConJur — A patente vence em 20 anos, mas se eu fizer uma microalteração, posso pedir uma nova patente para que o prazo comece a contar do zero novamente, como um drible?
Luiz Henrique Amaral — Não é possível. A lei de propriedade industrial diz que a patente precisa de atividade inventiva. Se eu fizer isso, o pedido deve ser pedido, porque não há atividade inventiva. Tem de ter um conceito inventivo próprio para eu conseguir pedir uma nova patente. Não é pela porcentagem, é pelo conceito inventivo.

ConJur — Se eu desenvolvo um medicamento para uma tal doença e depois descubro que ele ajuda no combate de outra enfermidade, posso registrar novamente a patente?
Luiz Henrique Amaral — Se for uma descoberta, não. Mas se for resultado de estudos laboratoriais e do desenvolvimento da fórmula, pode. É um segundo uso para aquele composto ativo. É o mesmo composto ativo com uma diferente formulação.

ConJur — E se for outro laboratório que fizer esse estudo?
Luiz Henrique Amaral — Neste caso, teríamos uma situação que se chama patente dependente, em que se tem o primeiro que desenvolveu o invento e o segundo que desenvolveu uma melhoria. A lei diz que esse segundo tem direito de utilizar, mas vai ter de pagar royalties ao primeiro. Se eles não se acertarem, o INPI vai formar uma comissão de perícia, de aferição, e vai determinar qual o porcentual deve ser pago.

ConJur — Há uma tendência de banalização de patentes?
Luiz Henrique Amaral — O jogo de patentes é mundial. Todo mundo está sempre patenteando tudo. O mundo inteiro, todas as empresas fazem isso. Esse ano haverá um milhão de pedidos de patentes. No Japão, eles patenteiam tudo. O iPad, por exemplo, é da Apple. Mas ali dentro tem milhões de coisas que vão passando pela patente dos outros. Aí a empresa tem que arrumar um jeito de sair da patente, do contrário terá de negociar, pagar uma licença, justamente pela existência do jogo da patente. Eu quero me proteger, quero evitar que meu concorrente lance aquilo que estou fazendo ou semelhante, e que se ele aprimorar, quero ter um caminho que ele tenha que passar pelo meio para ter que me dar de volta também. Daí as licenças vão sendo cruzadas.

ConJur — O Brasil trabalha bem essa questão?
Luiz Henrique Amaral — O Brasil precisa aprender a jogar esse jogo de patentes. Hoje, existe a Lei de Inovação, as universidades saindo daquela coisa de ciência pura e, de fato, aplicando a ciência. Há parcerias entre o público e o privado para pesquisa, as empresas tentam se envolver mais na área de desenvolvimento e tecnologia. A Unicamp defende e deposita patente, a USP e outras que estão começando. Na área pública, o governo está incentivando, remunera os inventores, ainda que sejam professores de universidade.

ConJur – Patente é uma coisa cara?
Luiz Henrique Amaral — Não é barato, porque é extremamente técnica. Um erro básico que acontecia nas universidades brasileiras era que para fazer uma aprovação de um projeto de pesquisa em laboratório não tinha que se fazer busca de patentes, não precisava fazer nada. Os pesquisadores nem sabiam se algo que propunham pesquisar já existia. Teve o caso de uma pesquisadora que gastou cinco anos pesquisando um método para diagnosticar câncer, mas quando foi registrar descobriu que já existia. Mas isso está mudando. O empresário brasileiro precisa desenvolver essa consciência. Ele ainda não entendeu que para sermos um país da elite do futebol mundial da economia, temos que aprender quais são as regras. Não adianta chegar lá e não saber cobrar o lateral.

ConJur — E no caso dos medicamentos genéricos?
Luiz Henrique Amaral — O pessoal costuma dizer: “A indústria internacional farmacêutica é contra o genérico”. Isso não é verdade. A indústria é a favor. Isso é uma falácia que tentam vender para a gente, para mostrar que o Serra [José Serra, atual candidato à presidência do país], quando era o ministro da Saúde, quebrou a patente. A indústria internacional farmacêutica é favorável à indústria de genérico, que é saudável e explora exatamente depois que a patente cai em domínio público. A indústria de genéricos utiliza aquela tecnologia depois que a patente caiu em domínio público. Ela reforça a validade e a eficiência do sistema de patentes, porque ela é que vai usar depois que caiu em domínio público.

ConJur — No caso do coquetel para a Aids, a patente foi quebrada antes?
Luiz Henrique Amaral — Não chegou a ser quebrada. Vamos deixar uma coisa bem clara: nenhuma patente foi licenciada compulsoriamente. Essa legislação foi utilizada para fingir negociação de preços. Alguém fala para o jornalista colocar na imprensa que o governo vai quebrar a patente com o objetivo final de negociar o preço com a indústria. O caso é que nunca nenhuma patente foi quebrada, ou seja, nunca houve nenhum licenciamento compulsório de patente. Ao contrário dos Estados Unidos. Lá houve licenciamento compulsório. O Bush [George W. Bush, ex-presidente dos Estados Unidos] quebrou a patente de uma empresa alemã que fazia o antídoto do Antrax, com o argumento de que se tratava de “questão de segurança nacional”. Aqui não, sempre foi usado para se discutir o preço. Há um consenso para a população em geral de que a quebra de patente é bom, porque a gente exerce a nossa soberania nacional.

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